Júlia Flores Schütt
A experiência brasileira com o Sandbox regulatório (SR) iniciou em 2019, via Instrução CVM 626 exclusivamente para atividades reguladas pela CVM, Banco Central, Susep e Previc. O móvel para tanto: setores fortemente impulsionados pelo emprego de tecnologias como blockchain e inteligência artificial (IA).
A IA oferece o potencial necessário para escalar exponencialmente a aplicabilidade de técnicas inovadoras. Trata-se de tecnologia com ampla capacidade de impactar diretamente escolhas políticas e suas normativas, como aponta o site britânico Tortoise Media, segundo o qual o Brasil, em 2022, se enquadrou na 39ª posição mundial no que diz respeito à capacidade de desenvolver tecnologias de IA. Quanto à implementação de políticas públicas para o desenvolvimento de IA, a 28ª colocação.
O setor público não "quer" ficar de fora, como também aponta pesquisa realizada pela KPMG: 77% dos líderes governamentais desejam "explorar" a IA e 48% dos entrevistados têm a intenção de utilizar a IA para otimizar processos de automação.
Inovar não corresponde exclusivamente à implementação de tecnologias com IA embarcada. Pelo contrário. Corresponde a criar algo novo (tecnológico ou não), ou por um método novo. Assim, o gestor público que pretenda atender - reduzindo a burocracia e dando maior eficiência à tomada de decisões - aos interesses da sociedade não pode dela dispor.
Inovações e métodos inovadores têm o condão de melhorar a qualidade da prestação do serviço público, com a consequente (e necessária!) remodelação de normas e políticas governamentais. Trata-se de verdadeiro desafio, considerando que a Administração Pública possui estrutura jurídica própria a ser.
Tem-se no SR instrumento jurídico que confere ao gestor público a capacidade de dar "dinamismo" à atividade estatal de modo a fomentar a inovação. A LC 182/2021 disseminou a aplicação do instrumento assim o conceituando: "conjunto de condições especiais simplificadas para que as pessoas jurídicas participantes possam receber autorização temporária dos órgãos ou das entidades com competência de regulamentação setorial para desenvolver modelos de negócios inovadores e testar técnicas e tecnologias experimentais, mediante o cumprimento (...)."
A regulação de soluções inovadoras e disruptivas não acompanha a velocidade de sua transformação - está aí "o porquê" do SR. Vale-se o Estado do empirismo para regulamentar e fomentar o empreendedorismo inovador - de modo a gerar externalidades positivas à sociedade.
Tem-se no SR um verdadeiro "ambiente vivo de leis", propiciando o teste de produtos, serviços e processos inovadores, criando um entorno controlado para reduzir a incerteza e os riscos inerentes ao processo inovativo. Um processo de confiança mútuo entre público e privado: "estratégia win-win".
Via processo incremental e flexível, orientado por valores de ordem constitucional e legal, deve o Estado "aprender" com a adoção dessa técnica jurídica de modo a celebrar verdadeira colaboração/interdependência público-privada para o fomento do empreendedorismo inovador, da majoração de investimentos e de regulação contemporânea que entregue, efetivamente, segurança à sociedade.
Promotora de Justiça MPRS