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Publicada em 22 de Setembro de 2024 às 11:49

Dependente do carvão, Candiota defende transição, e não abandono do mineral

Minas de carvão em Candiota atualmente abastecem usinas termelétricas; projetos para o futuro preveem polo carboquímico

Minas de carvão em Candiota atualmente abastecem usinas termelétricas; projetos para o futuro preveem polo carboquímico

Prefeitura de Candiota/Divulgação/JC
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Eduardo Torres
Eduardo Torres Repórter
A economia local de Candiota hoje está ancorada nos lucros da geração de energia pelo carvão. A estimativa é de que sejam gerados com novos investimentos em um polo carboquímico pelo menos 3,5 mil empregos diretos. O governo municipal defende uma transição, com a modernização das operações, e não abandono da exploração do carvão.
A economia local de Candiota hoje está ancorada nos lucros da geração de energia pelo carvão. A estimativa é de que sejam gerados com novos investimentos em um polo carboquímico pelo menos 3,5 mil empregos diretos. O governo municipal defende uma transição, com a modernização das operações, e não abandono da exploração do carvão.
A produção carboquímica continuará gerando, por exemplo, a cinza do carvão, que movimenta a indústria cimenteira e, de acordo com o CEO do grupo Vamtec, José Roberto Varella, não representará necessariamente a desativação das termelétricas.
Atualmente, uma cimenteira já opera em Candiota e neste ano, a Cimento Gaúcho inicia investimentos de R$ 105,1 milhões para erguer uma nova planta industrial na cidade. Há ainda uma terceira indústria fabricante de cimentos em fase final de negociações para instalação no município.
Em seu plano de transição energética, que iniciará nos próximos meses a sua fase de estudos, o governo estadual salienta que a região produtora de carvão é mesmo o principal foco das necessárias transformações em nome da preservação ambiental com viabilidade econômica. Mas é possível pensar já na desativação das usinas Candiota 3 e Pampa Sul? Se depender dos números da economia de Candiota e do balanço energético do Rio Grande do Sul, não.
Conforme o Balanço Energético Nacional, 23% da energia gerada pelo Rio Grande do Sul em 2022 foi a partir de combustíveis fósseis (carvão e gás natural). O município da Campanha experimentou em 2021, ano de insuficiência hídrica no País, um salto no cálculo do PIB municipal. É o sétimo maior PIB entre os municípios deste recorte do Estado, chegou a R$ 2,7 bilhões, ou 73,8% a mais do que no ano anterior – a maior alta entre todos os municípios retratados neste capítulo do Mapa Econômico do RS.
O setor energético responde por 80% da arrecadação de Candiota, que tem 10,7 mil habitantes, e hoje figura entre os 10 maiores Valores Adicionados Brutos (VAB) do setor industrial do Rio Grande do Sul, de R$ 2,3 bilhões, e, entre as regiões Campanha, Sul, Centro-Sul e Fronteira Oeste, fica atrás somente de Rio Grande e à frente de municípios como Pelotas e da vizinha Bagé.
O setor mobiliza ainda os municípios vizinhos de Candiota. Desde o fornecimento de cal para uma das usinas, que vem do Uruguai, e de calcário, que vem de Hulha Negra, para a outra usina. A estimativa da prefeitura é de que metade do total de habitantes de Candiota, em torno de 5 mil pessoas, trabalham diretamente com atividades do carvão – geração de energia, mineração e indústrias cimenteiras – e, entre toda a cadeia produtiva, que vai além de Candiota, são 15 mil pessoas envolvidas.

Legislação atual permite que transição com uso do carvão pode seguir até 2040

Conforme a Associação Brasileira do Carbono Sustentável (ABCS, antiga Associação Brasileira do Carvão Mineral), não há que se falar de exclusão da geração de energia a partir de combustíveis fósseis e, sim, no desenvolvimento de tecnologias capazes de neutralizar as emissões de carbono, inclusive com a captura, durante o processo produtivo das usinas.
Os processos em Candiota 3, recentemente adquirida pela Âmbar Energia (do grupo J&F), e na Pampa Sul, da empresa Starboard desde 2022, são apontados pelo setor como modernos, com a neutralização do enxofre gerado no processo de queima do carvão.
A ABCS negocia junto ao Congresso Nacional a prorrogação dos prazos dos contratos das atuais usinas termelétricas movidas a combustíveis fósseis até 2050. No ano passado, o prazo já foi prorrogado até 2040, e o projeto de nova ampliação já foi aprovado na Câmara dos Deputados. A usina de Candiota 3, porém, ainda tem previsto o encerramento do seu contrato de fornecimento de energia para a rede em 31 de dezembro deste ano – outras duas unidades que operavam no município encerraram atividades em 2015. Já a Pampa Sul ainda tem seu contrato se encerrando em 2044. E Candiota tem outra usina, a UTE Ouro Negro, com licenciamento já aprovado pelos órgãos ambientais do Estado.
O problema está na contribuição negativa que essas operações deixam ao planeta. Desde 2010, Candiota figura entre os 100 municípios brasileiros com maiores índices de emissões de gases do efeito estufa. As consequências ambientais e econômicas deste processo podem não ser imediatas e nem localizadas, mas afetam ecossistemas muitas vezes em outros pontos do Estado cada vez em prazos mais curtos do que em outros tempos.
Em 2021, relatório do Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema) avaliou as emissões geradas por 82 usinas movidas a combustíveis fósseis no Brasil, e Candiota 3 foi a terceira que mais gerou energia para o sistema. No entanto, foi percentualmente a menos eficiente na relação entre a queima de carvão e a geração de energia, com apenas 28%, e a Pampa Sul, a segunda menos eficiente, com 32%. Ambas lançaram na atmosfera mais de 1 mil toneladas de gases causadores do efeito estufa para cada GWh gerado.
A prefeitura de Candiota afirma estar atuando na mitigação das emissões no município, inclusive com a geração de energia a partir do aterro sanitário criado na cava desativada da mineração de carvão. Para lá, são destinados resíduos de 30 municípios. No entanto, somente 100 mil toneladas anuais de gases são removidas. Muito pouco na relação com o que é lançado no ar.
A própria Âmbar, que opera Candiota 3, a pouco mais de 400 quilômetros dali, em Uruguaiana, investe em um projeto de mitigação das suas emissões na usina movida a gás natural – também de origem fóssil – que administra na cidade da Fronteira Oeste. A empresa ampliou em 600 hectares a área de preservação junto ao Parque Estadual do Espinilho, unidade de conservação estadual que tem sua sede em Barra do Quaraí. Aquela usina atinge o quarto melhor índice de eficiência entre as analisadas pelo Iema, com 52,1% de eficiência. Para cada GWh gerados, emite 390 toneladas de gases.
O Parque do Espinilho é uma das 10 unidades de conservação estaduais entre as regiões Sul, Centro-Sul, Campanha e Fronteira Oeste. Em Candiota, por exemplo, há a Reserva Biológica Biopampa. Conforme o Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), do Observatório do Clima, a recuperação e a preservação de áreas de vegetação nativa estão entre os principais fatores que garantem números mais positivos no balanço de emissões.

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