Jari, na Região Central do Estado, é um exemplo do efeito da soja sobre a economia desta faixa do Rio Grande do Sul. O município com apenas 3,3 mil habitantes triplicou o PIB entre 2020 e 2021, ano de supersafra, chegando a R$ 469 milhões, e passou a figurar entre os 10 maiores VABs Agropecuários entre as regiões analisadas neste capítulo do Mapa. O município emancipou-se em 1995 de Tupanciretã que, ao lado de Júlio de Castilhos, representa, respectivamente, o terceiro e o quinto municípios com as maiores áreas plantadas com soja no Rio Grande do Sul em 2022. Ambos experimentaram alta em torno de 70% no PIB em 2021.
Um pouco mais ao sul, na Região Jacuí Centro, Cachoeira do Sul, que tem uma das principais economias dessa parte do RS, agora entra no mapa dos municípios exportadores de soja e seus derivados. O principal produto do agro gaúcho deu um impulso às exportações da cidade, que registrou, entre janeiro e setembro, uma alta de 392,7%. Neste período, Cachoeira do Sul negociou US$ 75 milhões em soja, óleo, tortas e resíduos de óleo de soja. Um item que sequer fazia parte dos artigos exportados pelo município em 2023, agora responde por mais de 82% dos negócios no exterior. Resultado direto da aquisição e início da operação pela gigante Cargill na unidade que, até novembro passado, pertencia à Granol.
Conforme a assessoria de imprensa da empresa, entre dezembro do ano passado e maio deste ano, foram investidos R$ 15 milhões em adequações de segurança da planta para que ela passasse a trabalhar com melhor eficiência. A partir de Cachoeira do Sul, a Cargill gera, com o esmagamento dos grãos de soja, farelo, biodiesel e glicerina bidestilada. A unidade é a primeira dedicada ao processamento da soja no Estado - a empresa conta com uma unidade comercial em Passo Fundo -, e faz parte da aquisição de três operações, além de quatro armazéns que pertenciam à Granol no País, e agora tornam a Cargill o produtor de biodiesel com maior capacidade de produção do Brasil.
Com menos de um ano de operação, a fábrica, que pode esmagar até 2 mil toneladas de soja por dia, atua com 80% da sua capacidade. A capacidade de produzir os derivados - farelo, glicerina e biodiesel - também ainda não está a pleno. A maior parte da produção vira farelo, saindo de Cachoeira atualmente 1,1 mil toneladas por dia.
A produção de biodiesel opera com 60% da sua capacidade, gerando 420 toneladas diárias do produto. De acordo com a empresa, o biodiesel produzido a partir da soja gaúcha hoje chega à Europa e Ásia, como resultado da qualidade do que é produzido no Estado.
Proteção da cultura no Brasilé desenvolvida em Taquari
Planta gaúcha é o único centro de sínteses do País, diz Ana Colla
/Adama/Divulgação/JCCuriosamente, o desenvolvimento de um dos elementos fundamentais para a expansão e a qualidade do plantio da soja não apenas na região, mas em todo o Brasil, sai dos laboratórios e do parque industrial de Taquari. O município não figura entre os principais produtores de grãos, mas hoje representa um dos principais centros de referência no desenvolvimento de sínteses químicas para defensivos agrícolas no mundo, ao lado de Israel e da China.
A partir da Adama, com capacidade de produção em Taquari de 14 milhões de litros de compostos por ano, são produzidos os ativos picoxistrobina e protioconazol, considerados os dois ingredientes mais importantes no tratamento da soja para o agro brasileiro.
"Temos Taquari como uma referência mundial. Dentro do grupo Syngenta, do qual a Adama faz parte desde 2016, é na unidade do Rio Grande do Sul que temos o único centro de sínteses do Brasil. Somente em Israel e na China há estruturas semelhantes. Os ingredientes ativos produzidos aqui são, tanto fornecidos para a indústria em Londrina, para o desenvolvimento do produto final, quanto finalizados aqui ou exportados. Temos o lema de escutar, entender e entregar, que nada mais é do que trabalharmos permanentemente na antecipação, seja do clima, de pragas ou das características das principais culturas do agro brasileiro, para entregarmos a solução", explica a diretora de operações na América Latina da Adama, Ana Cristina Colla.
Foi desta forma que, há dois anos, foi inaugurada na unidade de Taquari uma nova planta, com investimento de R$ 300 milhões, para a produção do protioconazol, usado na produção de novos fungicidas para a soja e o algodão. Como resultado, a unidade é uma das maiores produtoras deste ativo no mundo. Neste ano, como acontece anualmente, a empresa investe US$ 20 milhões - R$ 109,2 milhões em valores atuais - em melhorias nas duas unidades brasileiras, em Taquari e em Londrina. No município gaúcho, a unidade tem cinco plantas industriais. Nos últimos 10 anos, foram 26 novos produtos lançados no mercado com a participação da fábrica de Taquari. Nos próximos cinco anos, são projetados outros 26 produtos. A Adama, em sua estrutura global, é a principal produtora de ingredientes ativos no mundo, com 300 registros.
No ano passado, a empresa relata ter comprado 90% das suas matérias-primas no Brasil biodegradáveis. As exportações de inseticidas e herbicidas representam 5,1% de tudo o que é negociado por Taquari para o mercado externo. Anualmente, detalha Ana Colla, são 3,2 mil toneladas exportadas a partir de Rio Grande. Contando ainda com um centro de distribuição em Carazinho, somente no Sul do Brasil a Adama tem uma rede de 168 clientes em 92 municípios. No último ano, movimentou, somente em exportações pelo Porto de Rio Grande, R$ 300 milhões, e a projeção é crescer em torno de 7% em 2024. Em escala global, a empresa faturou US$ 4,6 bilhões.
Cinturão lidera emissões de gases do efeito estufa
Na mesma proporção em que a cultura extensiva gera dividendos, resulta em um dado preocupante em tempos de mudanças climáticas aceleradas. Conforme o relatório do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), do Observatório do Clima, Jari lançou 837,5 mil toneladas de gases do efeito estufa na atmosfera em 2022. Representa quase o triplo do registrado no ano anterior. Um crescimento que, a partir de 2020, chegou a 230%. A explicação, conforme o relatório, está na mudança radical do uso do solo. De acordo com os dados de 2022 do IBGE, até 61% da área do município é ocupada pelo plantio da soja. Onde há emissões de gases de efeito estufa concentrados, sem ações de neutralização, há geração de calor. E, na faixa central do Estado, considerada uma das mais propícias do mundo a tempestades, este é um risco já monitorado pela ciência.
Na Região Central, para que se tenha uma ideia, são capturados apenas 11,1% dos gases emitidos. Bem abaixo da média estadual de neutralização de 14,1%. De acordo com o engenheiro agrônomo e coordenador do grupo de pesquisa em erosão de solos, do departamento de solos da UFSM, Jean Minella, os efeitos das cheias de maio e do ano passado mostraram que, com tamanho avanço de culturas como a soja em uma região declive como essa, a retomada do manejo adequado do solo é fundamental.
"O plantio direto, que é adotado em todo o Estado, não é suficiente, especialmente em uma região de transição entre o Planalto e a Depressão Central. É importante que se retomem práticas como o terraceamento. Era uma prática que, até a década de 1990, era adotada neste trecho do Planalto, mas, com a intensificação da soja, começaram a ser desmanchados os terraços, que têm a função de amenizar cheias, e retiram água, para o uso de máquinas cada vez maiores. O plantio direto foi sendo simplificado, o ambiente compactado, sem barreiras ao escoamento da água, levando muito do solo junto, além de reduzir a capacidade de infiltração neste solo. O fato é que essa simplificação potencializou os efeitos das cheias", detalha o especialista. De acordo com Minella, a agricultura de precisão, com o uso de tecnologia, neste momento de recuperação para a próxima safra é bem-vinda, mas precisa ser acompanhada da ciência básica da agricultura. "É preciso convencer o produtor de que os terraços, por exemplo, só funcionam a pleno com cobertura 365 dias por ano", explica.
Bom manejo do solo faz a diferença
Processo erosivo, por não ser uniforme, impossibilita estimativa de perdas de solos pelas enxurradas
/Jean Minella/UFSM/Divulgação/JCHá 20 anos o grupo de pesquisadores da UFSM monitora os solos e os mananciais da região. Atualmente, os levantamentos estão concentrados na bacia do Arroio Guarda-Mor, na região de Faxinal do Soturno. Foi a partir dali que o agrônomo Jean Minella avaliou as consequências da cheia de maio.
"É importante lembrar que o processo erosivo não foi uniforme, por isso é impossível precisar uma estimativa de perda de solos pela enxurrada. Houve desde perda total de lavouras, a deposição de areia, perda de material como nutrientes de superfície e também a abertura de muitos sulcos nas áreas de plantio", conta o pesquisador.
De acordo com o presidente da cooperativa Agropan, Juarez Nascimento, em torno de 60% da área dos associados já estava colhida quando aconteceu a cheia, e a entidade, que tem sede em Tupanciretã e 20 unidades de recebimento em outros quatro municípios da região, recebeu 6 milhões de sacas, com algo em torno de 20% dos grãos avariados. Houve, no entanto, como recorda o dirigente, produtores que tiveram mais de 30% de perda na produção e com mais de 70% dos seus grãos avariados.
O volume colhido, ele reforça, ficou dentro do esperado pela cooperativa. O pior é o passivo enfrentado pelos produtores. "Já temos organizado o auxílio aos produtores para a recuperação do solo e o controle da erosão. O maior problema é o acúmulo de secas recorrentes com a enxurrada e o aviltamento dos preços. Nos anos anteriores, a cooperativa, por estar saudável, conseguiu cobrir os prejuízos. Agora, o produtor está pressionado para a preparação da próxima lavoura", aponta Nascimento.
A Agropan concentra mais de 2 mil associados em uma região de abrangência de 13 municípios. Entre os quais, garante Juarez Nascimento, há um trabalho permanente de assistência técnica para que reforcem o plantio direto e preservem áreas de proteção permanente. Em Jari, por exemplo, a Agropan mantém duas unidades de recebimento de grãos. Lá, comenta o presidente, foram estabelecidas lavouras em todas as áreas em que era permitido.
No caso da Camnpal, que conta com 7,5 mil associados em mais de 50 municípios da faixa central do Estado, a colheita da soja rendeu 5 milhões de toneladas, em torno de 1 milhão abaixo do que era previsto. "Ficaremos com muita soja para o ano que vem, porque recebemos grãos muito molhados, avariados, e sem padrão para a exportação", explica o presidente da cooperativa, Claudemir Piccin.
A soja responde por 67% da produção da Camnpal, que não sofreu perdas ou mudanças no seu cronograma de investimentos em infraestrutura. São seis silos em fase de finalização, com a perspectiva de aumentar nos próximos anos em 560 mil sacas a capacidade de armazenamento da cooperativa.
Há, no entanto, preocupação em relação à próxima safra. De acordo com Claudemir Piccin, o departamento técnico está atuando para a correção de solos e a perspectiva é de que demorem alguns anos para retomar o bom nível de produtividade na região.
"Haverá maiores custos para o produtor corrigir e fertilizar o solo para a próxima safra, mas a consequência de um evento como este, que tende a se repetir, vai muito além das propriedades no Planalto. O sedimento e o alto volume de água foi arrastado para as várzeas, para a cultura do arroz, e para as cidades", comenta Minella.
Perdas na lavoura não desanimam a indústria arrozeira
O engenheiro agrônomo e coordenador do grupo de pesquisa em erosão de solos, do Departamento de Solos da UFSM, Jean Minella, acredita que, no caso da soja, em dois anos é possível que o sistema esteja recuperado na região, mas as lavouras de arroz afetadas, avalia o especialista, podem levar uma década na recomposição. Dados do Irga corroboram com a observação. Conforme o boletim final da safra 2023/24, foram perdidos 46,9 mil hectares em virtude das cheias de maio, que representam 5,22% da área semeada no Rio Grande do Sul. As perdas, aponta o órgão estadual, concentram-se justamente na faixa central do Estado.
O dado, porém, não desanima as cooperativas que já planejavam investimentos no beneficiamento do arroz na região. É o caso da Cotrisel, que tem hoje a quarta marca mais vendida de arroz no Brasil - especialmente entre o Sudeste e o Nordeste -, e entre as seis maiores beneficiadoras do Rio Grande do Sul. A cooperativa desembolsou R$ 10 milhões este ano na automatização das suas fábricas, principalmente em São Sepé.
"O produto entra com casca e sai já enfardado por esse processo. Agora, já adquirimos o robô para garantir a robotização do processo de carregamento de fardos. É um mercado muito competitivo, então, toda a nossa prioridade é garantir a produtividade mais eficiente nas nossas fábricas", explica o presidente da cooperativa, José Paulo Salerno.
Com a venda de 4,8 milhões de fardos de arroz em 2023, a cooperativa destinou em torno de 300 mil fardos a marcas de terceiros e para exportação. A marca, que repetiu os valores de 2022, representa o maior volume histórico de comercialização da cooperativa. No ano passado, o volume de arroz recebido pela Cotrisel foi o menor da história, mas o valor do produto no mercado compensou.
Desde julho, a nova fábrica de beneficiamento de arroz da Camnpal também opera em Dona Francisca. A cooperativa investiu, neste ano, R$ 30 milhões para acelerar o projeto que já havia recebido R$ 61 milhões em aportes no ano passado. Havia a perspectiva de receber uma safra recorde de arroz neste ano, proveniente dos produtores da faixa central do Estado. A cooperativa pretende aumentar em pelo menos 50% o seu faturamento com o arroz, que representa pouco mais de 14% dos grãos da Camnpal.
A produção agrícola nos municípios deste Mapa Econômico
Soja
Tupanciretã: 147,9 mil hectares (2º RS)
Cachoeira do Sul: 107,9 mil hectares (5º RS)
Júlio de Castilhos: 103,9 mil hectares (6º RS)
Rio Pardo: 77,3 mil hectares
São Sepé: 70,5 mil hectares
Arroz
Cachoeira do Sul: 25,5 mil hectares
São Sepé: 16 mil hectares
Restinga Sêca: 14,7 mil hectares
Cacequi: 12,2 mil hectares
São Vicente do Sul: 9,2 mil hectares
Aveia
Tupanciretã: 9 mil hectares
Júlio de Castilhos: 8 mil hectares
Cachoeira do Sul: 6,1 mil hectares
São Sepé: 5 mil hectares
Jari: 4 mil hectares
Trigo
Tupanciretã: 34,1 mil hectares (3º RS)
Capão do Cipó: 15 mil hectares
Jari: 12 mil hectares
Júlio de Castilhos: 9,7 mil hectares
Cachoeira do Sul: 8,06 mil hectares
Canola
Região Central do Estado tem 29,3 mil hectares plantados, é a terceira maior região produtora no RS. Principais áreas em Santiago, Tupanciretã, Júlio de Castilhos, Cachoeira do Su e Lajeado