Em setembro, a Docile, fabricante de doces de Lajeado, no Vale do Taquari, enviou a sua quarta carga de exportações para a China, em um movimento iniciado em março deste ano e que, mesmo com a tragédia que atingiu o Rio Grande do Sul em maio, não recuou. A China é o maior mercado consumidor em praticamente todos os setores econômicos no mundo, mas é raro que os chineses importem candies. Pois agora, se tornou mais uma porta aberta pela empresa que hoje é a maior exportadora brasileira do setor.
A Docile destina 30% da sua produção ao mercado externo. Um prestígio que, juntamente com as demais empresas da região no setor de alimentos e bebidas, especialmente de doces, simboliza uma das principais forças na retomada da economia regional após três grandes cheias entre setembro de 2023 e maio deste ano.
"Nossa estrutura não foi impactada em maio, mas tivemos 180 funcionários diretamente atingidos. Durante pelo menos cinco dias, não recebemos nem despachamos nada. Ficamos, como toda a região, isolados. Além de prestarmos todo o nosso apoio à comunidade, sempre tivemos consciência do nosso papel neste momento. É com o fortalecimento da nossa produção, e com as exportações, que garantimos a atração de recursos para a região. E são valores que ficam aqui, fortalecendo o comércio e os serviços locais", diz um dos sócios-proprietários, Fernando Heineck.
Conforme o empresário, neste momento, é a valorização da localidade que tem garantido ainda mais portas abertas no exterior. Foi assim, como lembra, a aproximação com um dos parceiros comerciais da Docile, da Inglaterra. "Ele não conhecia o Brasil, e nós fizemos questão de trazê-lo para conhecer a nossa fábrica, as pessoas que produzem os nossos doces, e ele saiu daqui encantado. Nós fazemos questão de transmitir os nossos valores a todos que conhecem o nosso produto", conta.
Entre 2020 e 2021 - o ano mais recente do levantamento dos PIBs municipais pelo IBGE - as regiões Central, Jacuí Centro, Vales do Jaguari, do Rio Pardo e do Taquari experimentaram uma alta somada entre os 93 municípios, de 62% no PIB. Ainda assim, as regiões representavam em 2021 a menor fatia de participação no PIB do Rio Grande do Sul - 12,09%, ou 2,6 pontos percentuais a mais do que em 2020 - algo que, ainda sem dados concretos, pode ser ainda mais prejudicado pelos eventos climáticos de 2023 e 2024.
A chegada da Docile ao mercado da China, que entra na lista de 80 países para os quais a empresa envia os seus doces atualmente - seja como private label, produzindo para marcas daqueles países, ou com suas marcas próprias -, por exemplo, foi mais uma etapa do crescimento da marca gaúcha que, neste ano, deu o seu passo mais ousado nesta direção. Justamente enquanto atuava no Vale do Taquari no fomento da economia e da auto-estima dos trabalhadores locais, em Paris, durante os Jogos Olímpicos, a Docile estava presente como uma das marcas patrocinadoras do Comitê Olímpico Brasileiro (COB). Ainda não há a aferição dos resultados mercadológicos desta ação, mas o impacto, garante Heineck, foi muito positivo.
No caso da Docile, que produz atualmente 210 toneladas diárias de candies, foram mantidos os planos de investimento de R$ 40 milhões este ano - R$ 100 milhões entre 2023 e 2024 - em melhorias na fábrica e ampliação da produção. Até o primeiro trimestre de 2025, estima Fernando Heineck, a fábrica terá ampliado a sua capacidade de produção para 300 toneladas por dia. Com faturamento de R$ 750 milhões em 2023, a empresa projeta, talvez já para 2025, chegar a R$ 1 bilhão de faturamento.
Município de Lajeado atrai investimentos, mesmo após a tragédia climática deste ano
Lajeado não é uma ilha em meio à tragédia que teve a faixa central do Estado - principalmente quando se consideram também as cheias do ano passado - como um dos seus epicentros. O município está entre os 23 das regiões Central, Jacuí Centro, Vales do Jaguari, Taquari e Rio Pardo que tiveram situação de calamidade decretada em maio. Foram cinco vítimas fatais entre 2023 e 2024 em Lajeado. Ao todo, as regiões contabilizam 108 mortes causadas pelas enxurradas destes dois anos. Do ponto de vista econômico, a calamidade afetou de alguma maneira 57,3% do PIB das regiões retratadas neste Mapa Econômico. Somente no Vale do Taquari, os municípios em calamidade representam 76,2% do PIB regional. Levantamento do governo estadual, em 2023, apontou perdas de R$ 420 milhões na economia do Vale do Taquari.
Um estudo da Unisinos apontou que, como resultado dos estragos, Lajeado teve perda superior a R$ 73 milhões em renda entre maio e agosto deste ano. Em todo o Vale do Taquari, o estudo projetou redução de 13% na atividade econômica a partir dos eventos de maio. No entanto, com o terceiro maior PIB entre as regiões retratadas neste Mapa, e o segundo maior VAB Industrial, Lajeado manteve-se como um porto seguro para a economia regional.
Um movimento que não é isolado. Como salienta a presidente do Arranjo Produtivo Local Alimentos e Bebidas do Vale do Taquari, Aline Eggers, mesmo com a contabilização de
R$ 40 milhões em prejuízos estruturais entre pelo menos cinco empresas do setor participantes do APL, que conta com 50 empresas, a resposta de quem produz alimentos é rápida e fundamental para a economia local.
R$ 40 milhões em prejuízos estruturais entre pelo menos cinco empresas do setor participantes do APL, que conta com 50 empresas, a resposta de quem produz alimentos é rápida e fundamental para a economia local.
"Foram quatro enchentes em um intervalo de oito meses. Muitos foram atingidos, e ainda trabalham para se recuperar, em mais de uma dessas cheias. Mas é um setor que tem muito a oferecer, da produção aos empregos, porque este é essencial para a região e para todo o Estado. Por isso, é urgente nesta retomada maior agilidade de linhas de crédito e de revisão de gargalos logísticos. É fundamental discutir investimentos em novas pontes, estradas e rotas", diz Aline, que também é diretora-presidente da Fruki Bebidas.
Levantamento do Sebrae aponta que, somente no Vale do Taquari, são 1,2 mil empresas de alimentos e bebidas, que geram mais de 16 mil empregos. Os dados reforçam, de acordo com Aline, a necessidade de estimular a permanência desses empreendimentos - e dos empregos - na região. No Congresso já é debatida uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC), por exemplo, que criaria uma zona franca no Vale do Taquari, como forma de incentivar a permanência e a atração de investimentos para a região.