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Publicada em 29 de Outubro de 2024 às 19:01

Centro do Rio Grande do Sul é referência em inteligência climática

Questão climática ganhou mais relevância após enchentes; Santa Maria e Pelotas formam meteorologistas

Questão climática ganhou mais relevância após enchentes; Santa Maria e Pelotas formam meteorologistas

Fontana/Divulgação/JC
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Eduardo Torres
Eduardo Torres Repórter
A fábrica de produtos de limpeza Fontana até criou um plano de prevenção a cheias do Rio Taquari, em Encantado, no Vale do Taquari. Mas, sem informações técnicas suficientes que antecipassem os perigos com maior exatidão, após três enxurradas, em setembro e novembro do ano passado, e em maio deste ano, a empresa acumula um prejuízo de R$ 50 milhões estruturais e outros de até R$ 100 milhões projetados em perda de mercado neste período.
A fábrica de produtos de limpeza Fontana até criou um plano de prevenção a cheias do Rio Taquari, em Encantado, no Vale do Taquari. Mas, sem informações técnicas suficientes que antecipassem os perigos com maior exatidão, após três enxurradas, em setembro e novembro do ano passado, e em maio deste ano, a empresa acumula um prejuízo de R$ 50 milhões estruturais e outros de até R$ 100 milhões projetados em perda de mercado neste período.
O risco agora fez com que a empresa investisse em uma nova planta, em Teutônia, um município em um trecho mais alto do Vale, que passará a dividir as atividades com Encantado - e reduzir os riscos à produção.
"Ninguém imaginava tudo aquilo em setembro, e com tanta velocidade. Aquele evento soou o nosso alerta, ficamos 40 dias sem produzir, e criamos um plano que, em novembro, reduziu os impactos da segunda cheia. Em abril, já havíamos retomado 85% do nosso ritmo de produção, e aí veio a pior das enchentes, em maio, que nos mostrou que eventos como esse tendem a se repetir e não podem mais representar um risco tão grande. Fomos obrigados a buscar novas localidades enquanto retomávamos a produção, que só aconteceu a partir de julho", conta o diretor da empresa, Maurício Fontana.

Maurício Fontana é diretor da fábrica de produtos de limpeza Fontana | Fontana/Divulgação/JC
Maurício Fontana é diretor da fábrica de produtos de limpeza Fontana Fontana/Divulgação/JC
Entre as ações do plano de prevenção da Fontana estava, por exemplo, o acompanhamento detalhado de índices pluviométricos e a criação de um boletim meteorológico próprio. O Rio Grande do Sul ainda não conta com um Centro de Serviços Meteorológicos, como já existe em estados como Santa Catarina, Paraná ou Mato Grosso do Sul, concorrentes diretos dos gaúchos na atração de investimentos. Entre as principais propostas do comitê científico que participa do Plano Rio Grande, criado pelo governo estadual, está justamente este centro, que teria Santa Maria, na Região Central do Estado, como um local de referência estadual e nacional.
Estrutura e conhecimento para isso já existem. Nos últimos 20 anos o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mantém, junto à Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), um centro equipado que, no entanto, só tem servido a pesquisas acadêmicas, com uma equipe de especialistas reduzida.
"Geralmente, quando se fala em monitoramento climático, se pensa em Defesa Civil, mas precisa ser muito mais do que isso. O mapeamento de riscos climáticos precisa ser encarado como algo semelhante ao que os agentes de mercado fazem, por exemplo, na Bolsa de Valores. Um centro como este precisa ser pensado como um banco de informações públicas e estratégicas para definir investimentos no agro, na indústria ou no comércio. Os maiores investidores levam isso em consideração. Estamos falando de 100 anos de avaliação das variabilidades climáticas, que condicionam, por exemplo, culturas no agro, mas é preciso antecipar os riscos e, inclusive, subsidiar melhores dados para o manejo", explica o meteorologista e professor da UFSM, Vágner Anabor.

Processo erosivo, por não ser uniforme, impossibilita estimativa de perdas de solos pelas enxurradas | Jean Minella/UFSM/Divulgação/JC
Processo erosivo, por não ser uniforme, impossibilita estimativa de perdas de solos pelas enxurradas Jean Minella/UFSM/Divulgação/JC
Ele é um dos integrantes do comitê científico formado no Estado. No município que conta com quase 40 mil habitantes envolvidos no mundo acadêmico, de oito universidades e faculdades, a produção de conhecimento está entre os seus produtos mais valiosos e representa algumas das melhores oportunidades na região. A estimativa, por exemplo, é de que 25% dos meteorologistas do Brasil são formados entre Santa Maria e Pelotas. No entanto, somente 20 destes profissionais estão atuando em estruturas públicas gaúchas atualmente - três vinculados ao Estado.
De acordo com Anabor, o centro de referência sugerido aos governos estadual e federal deveria contar com pelo menos 20 profissionais das áreas que atuam na climatologia, com capacidade para fazer avaliações regionais e microrregionais no Estado.
"Santa Maria tem capacidade para ser uma referência nacional na avaliação de tempestades. A unidade do Inpe já tem equipamentos e a área pronta, estruturada", explica o meteorologista.
 

Estrutura de alerta a eventos meteorológicos em Lajeado

Em outubro, o governo estadual confirmou que se movimenta para estruturar um centro regional, mas com características de Defesa Civil, alerta e resposta a eventos climáticos extremos, em Lajeado. A ideia, que faz parte do Plano Rio Grande, é alugar ou erguer uma estrutura que contemple salas de situação, com telas para monitoramento e radares meteorológicos, que auxiliem na prevenção e atendimento de fenômenos, como a enchente de maio. O plano também é dar condições para a operação de um gabinete de crise e para recepção de prefeitos, autoridades e equipes que precisem se deslocar para acompanhar eventos meteorológicos.
Conforme o governo, o Centro Regional de Gestão de Risco e Desastres deve ser inaugurado ainda em 2025. Em Lajeado, já há um Centro de Informações Hidrometeorológicas (CIH), mantido pela Univates, que monitora as condições meteorológicas no Vale do Taquari e o comportamento hidrológico do rio Taquari e de seus afluentes.

Fator decisivo nos negócios

É a interferência do clima, por exemplo, que faz com que indústrias produtoras de chocolate como a Neugebauer estejam mobilizadas para encontrar alternativas, como o plantio de cacau no Brasil. Uma crise climática na África provocou o aumento nos preços da matéria-prima, e a consequência já está no preço dos chocolates. "A previsibilidade dos efeitos climáticos hoje é estratégica. Com a quebra histórica da safra de cacau na África, a produção do chocolate sofre os impactos. Precisamos buscar alternativas a longo prazo, com o incentivo à produção de cacau brasileiro. Há dois anos foi a seca", comenta o diretor de operações da Neugebauer, Rogério Martins.
Fenômeno semelhante enfrentou a Florestal, e a produção de balas e pirulitos. Uma seca no rio Mississipi fez os fretes de milho norte-americano subirem, assim como o valor da glucose, base dos doces. "A informação sobre os eventos e os efeitos do clima se torna um ativo muito importante no momento de fazer a estratégia de negócios", aponta o CEO da empresa, Maurício Weiand.
No caso da faixa central do RS, o domínio desses dados é valioso. "Estamos em um cinturão de baixas pressões, que potencializam tempestades", detalha Vágner Anabor, da UFSM.
 

Clima e a economia das regiões

  • 23 municípios (25% do total) entre as regiões Central, Jacuí Centro e Vales do Jaguari, Taquari e Rio Pardo tiveram situação de calamidade decretada em maio.
  • Entre 2023 e 2024, foram 108 pessoas mortas nas enxurradas nesta faixa do Estado. Entre os municípios de Roca Sales, Cruzeiro do Sul e Muçum, foram 59 vítimas.
  • Se forem consideradas as economias em calamidade, 57,3% do PIB local foi afetado diretamente, no caso do Vale do Taquari, 76,2%.
  • Levantamento do governo estadual, com as cheias de 2023, apontou perdas de R$ 420 milhões na economia do Vale do Taquari.
  • Projeção da Unisinos estimou redução de 13% no ritmo da economia do Vale do Taquari entre maio e agosto deste ano.
 

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