A estiagem que atinge o Rio Grande do Sul desde o mês de dezembro de 2024 vem provocando prejuízos para a produção agrícola do estado como um todo, mas teve impactos específicos no cultivo de uvas viníferas na região da Campanha gaúcha, área que possui Indicação de Procedência (IP) para os vinhos produzidos em 14 municípios da metade Sul.
Segundo a Associação dos Vinhos da Campanha gaúcha, que reúne 18 vinícolas da região, a safra apresentou uma quebra de 30% a 50%, dependendo da propriedade. Segundo a presidente da entidade, Rosana Wagner, também sócia da vinícola Cordilheira de Santana, de Santana do Livramento, na fronteira Sul, a seca é um fator marcante para a diminuição da produção, o que gera também um desdobramento inusitado: “Parece mentira, mas as aves tiveram uma importância bem grande na diminuição da produção. Com a seca, maior este ano que em anos anteriores, muitas aves ficaram sem outros alimentos e acabaram se alimentando das uvas”, observa.
Rosana explica que as perdas pela escassez de chuvas se deram tanto no início quanto no fim da colheita. “Algumas regiões tiveram uma perda maior nas uvas que vêm mais cedo, que geralmente são as brancas, e outras regiões tiveram uma perda maior nas uvas que vêm mais tarde”.
Outro elemento decisivo para a quebra da safra, apontado não só por Rosana mas também por outros produtores, é a deriva, dano provocado pelo emprego indiscriminado de herbicidas hormonais como o 2,4-D. Quando o defensivo agrícola é pulverizado nas lavouras de soja sem observar protocolos adequados, o vento pode deslocar os produtos para grandes distâncias, sendo tóxico para as parreiras.
“Isso foi bem importante na diminuição da produção, pois ele já vem sendo usado há anos, e muitas empresas, no ano passado, perceberam perdas importantes, e nesse ano também. Estamos sendo afetados e corremos o risco de não poder mais produzir em função desse herbicida”, pontua a produtora.
Os mesmos fatores foram apontados por dois produtores da região: Gabriela Pötter, enóloga e uma das fundadoras da vinícola Guatambu, de Dom Pedrito, e o empresário Claudio Escosteguy, um dos proprietários da Almabaska, de Santana do Livramento.
No caso da Guatambu, 2025 marcou a colheita de 80 toneladas de uva, 13% a menos do que as 92,1 toneladas colhidas em 2024 nos 20 hectares dos vinhedos que atendem à vinícola. “Na verdade, a safra de 2025 ficou 47% abaixo do normal, já que o potencial do nosso vinhedo, já produzido em outros anos, é de 170 toneladas”. Segundo a enóloga, a deriva teve um impacto expressivo nessa quebra. “Ele (o herbicida) é volátil. O ar carrega dele, mesmo a cinco ou dez quilômetros de distância, e o vinhedo sofre muito, a produção cai drasticamente”, observa.

Segundo Escosteguy, problema da deriva "está explicando muitos casos de insucesso produtivo"
Cláudio Escosteguy/Arquivo Pessoal/JC
Segundo Escosteguy, o problema é de escala regional e “está explicando muitos casos de insucesso produtivo”. “Esse assunto, muito embora seja de fácil resolução, há mais de 8 anos vem sendo tratado, principalmente pelo setor vitivinícola, junto às autoridades competentes, sem que tenha sido ainda resolvido”, complementa.
Mesmo com produção menor, estiagem proporcionou "safra histórica" em qualidade
Ainda que a seca tenha sido um dos pontos responsáveis pela diminuição no volume da colheita, o fenômeno climático tem também um efeito específico na vitivinicultura, segundo explica Gabriela, da Guatambu: “essa grande seca ocasiona uma altíssima concentração nos cachos de todos os componentes importantes para o vinho, como por exemplo os sólidos, açúcares e polifenóis. Isso resulta em vinhos de extrema qualidade. Então a gente considera que a região da Campanha está tendo em 2025 uma safra histórica”, celebra.
O destaque da safra em Dom Pedrito foi a uva tannat, uma das variedades mais cultivadas na Campanha. “No caso dela, (a seca) gerou vinhos bastante estruturados, ao mesmo tempo com alta acidez, o que dá grande potencial de guarda”, analisa. No caso dos vinhos brancos, o destaque ficou com a alemã Gewürztraminer, cuja colheita pela Guatambu foi antecipada entre 20 e 30 dias, em função da estiagem.
Já em Livramento, a Almabaska de Escosteguy “chegou à maioridade”, nas palavras do produtor, na 18ª safra colhida em suas propriedades. Em 2025, o produtor colheu, em duas áreas de produção que somam 15 hectares, um total de 94,3 toneladas, volume que chegou a 67% da melhor colheita obtida, que foram 140,4 toneladas produzidas em 2023. Segundo o produtor, a safra foi especialmente boa para as variedades precoces, de uvas brancas, com colheita antecipada também em função da seca.
Com a maior parte da produção vendida a outras vinícolas para processamento, a Almabaska propriamente dita vai apostar principalmente na produção dos espumantes da marca, da bandeira Arlekina, produzidas com as variedades chardonnay e pinot noir. “Como exceção em vinhos tranquilos, teremos um blend de tannat e pinot noir rosé”, adianta Escosteguy.