O problema da deriva na aplicação de defensivos agrícolas do tipo herbicidas hormonais, que ocorre quando esses produtos são levados pelo vento para áreas além do local de aplicação, vem mobilizando diversos setores da produção no Rio Grande do Sul, em especial na região da Campanha, onde o plantio de soja vem gradualmente ganhando espaço.
A preocupação se dirige, especialmente, ao emprego do produto 2,4-D, utilizado em lavouras de soja para combater a invasão da buva (Conyza bonariensis), que impacta na produção de culturas como soja, milho e trigo no país. Quando ocorre a deriva, outros cultivos como o de uvas, maçãs, oliva, noz, erva-mate e hortaliças podem ter o crescimento afetado pela ação do defensivo agrícola.
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“A questão agora é realmente decidir: o Rio Grande do Sul quer continuar com outras culturas ou vai ser só a monocultura?”, questionou Rosana Wagner, presidente da Associação dos Vinhos da Campanha. Segundo ela, a deriva continua sendo um problema grave devido ao uso indiscriminado e inadequado dos herbicidas.
A entidade se juntou a outros representantes de culturas afetadas pelo problema em dezembro de 2024, no município de Jaguari, no Centro do Estado. Lá, foram discutidas soluções e elaborada a “Carta de Jaguari”, contendo reivindicações destinadas a melhorar a fiscalização e a normatização do uso desses produtos. Entre elas, o estudo de produtos alternativos e do impacto dos herbicidas hormonais na economia agrícola do país, além da proibição da aplicação de herbicidas hormonais entre de 1º de agosto e 31 de março de cada ano, “mitigando os riscos as culturas sensíveis”, diz o documento.
De acordo com as entidades signatárias, “as consequências da deriva de herbicidas hormonais sobre as culturas sensíveis vêm sendo observadas e discutidas desde meados da década de 2010”, mas “ao longo desse período houve pouco avanço no sentido de evitar as perdas recorrentes nas culturas mencionadas”. A consequência, segundo o documento, é que “os produtores prejudicados acabam arcando integralmente com as perdas, pois as indenizações são inexistentes e as multas, quando aplicadas, são irrisórias”.
Por outro lado, produtores de soja como Gesiel Porciúncula, diretor da Agricampanha, reforçam a importância da especialização e da profissionalização no uso de defensivos, proporcionando a utilização responsável dos defensivos e permitindo a convivência entre diferentes culturas. “A Agricampanha realiza vários cursos no inverno para capacitar os profissionais de aplicação. O produtor hoje precisa ser mais profissional, trabalhar melhor e evitar problemas tanto para o vizinho quanto dentro da própria propriedade”, defendeu Porciúncula.
Nos últimos anos, também a Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul) promoveu discussões sobre o uso do 2,4-D, buscando um ponto de equilíbrio para a aplicação do produto,cujo uso é defendido pela entidade.
Uma audiência pública está prevista para fevereiro de 2025 na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, onde serão discutidas a normatização e a fiscalização do uso de defensivos hormonais, com base nas demandas apresentadas na Carta de Jaguari.
Problema é reflexo de negligência na aplicação, explica especialista
O engenheiro agrônomo Paulo Ricardo Siqueira explica que a deriva é um reflexo da negligência no uso da tecnologia. “A deriva caracteriza, acima de tudo, inobservância nos aspectos de aplicação, como o uso inadequado de pontas de aplicação ou o desrespeito às condições atmosféricas. Poderíamos resumir que a deriva é resultado de uma negligência”, afirmou.
Jaceguay Barros, consultor técnico da Pecanita Agroindustrial, cujas áreas de plantio em Cachoeira do Sul são lindeiras a propriedades produtoras de soja, defende a busca por alternativas ao uso de herbicidas hormonais. “Precisamos fornecer alternativas às culturas invasoras para que deixemos de usar hormonais. Isso é a solução definitiva”, destacou. Ele ainda assim recomenda que é necessário que potenciais produtores de outras culturas fiquem atentos a áreas mais suscetíveis ao alcance da deriva na hora de escolher terras para o plantio.