O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse nesta quarta-feira (20), durante visita do líder da China, Xi Jinping, que os dois países colocam diálogo em primeiro lugar num mundo de conflitos. O dirigente chinês, por sua vez, defendeu "verdadeiro multilateralismo" e disse que Brasil e China vão estar juntos na busca de desenvolvimento, ao invés de confrontação e hegemonia. As declarações foram feitas durante pronunciamento à imprensa no Palácio da Alvorada, após assinatura de acordos. O presidente da China se reuniu com Lula, em visita oficial, cumprindo agenda em Brasília, na sequência de sua participação na Cúpula do G20, realizada no Rio de Janeiro e encerrada nesta terça-feira (19).
"Em mundo de conflitos armados e tensões geopolíticas, China e Brasil colocam a paz, a diplomacia e o diálogo em primeiro lugar", disse Lula. Em seguida, Jinping afirmou: "A China está disposta a trabalhar com o Brasil para substanciar constantemente a comunidade de futuro compartilhado China-Brasil e defender firmemente o verdadeiro multilateralismo. Juntos vamos emitir a voz alta da nova era de buscar desenvolvimento, cooperação e justiça, em vez de pobreza, confrontação e hegemonia, e vamos construir um mundo melhor".
Em sua fala, Jinping também disse que o mundo está "longe de ser tranquilo" e destacou comércio entre os dois. Lula, por sua vez, também pontuou as relações de comércio, e disse que a parceria "excederá expectativas". Apesar das pressões chinesas nos últimos meses, o governo brasileiro não declarou adesão formal à Nova Rota da Seda – guarda-chuva de projetos de investimentos chineses. Ainda assim, os dois líderes assinaram uma série de acordos, ressaltando (como as duas partes vinham dizendo em declarações sobre o assunto) "sinergias das estratégias de desenvolvimento" dos dois países -incluindo a Nova Rota da Seda, pelo lado chinês, e o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) brasileiro.
Ao todo, foram assinados 37 documentos, que tratam da abertura de mercado para produtos agrícolas, intercâmbio educacional, cooperação tecnológica, comércio e investimentos, infraestrutura, indústria, energia, mineração, finanças, comunicações, desenvolvimento sustentável, turismo, esportes, saúde e cultura. O ingresso brasileiro formal na Nova Rota da Seda seria uma sinalização política negativa aos Estados Unidos, rival geopolítico da China e que terá na Casa Branca – a partir de janeiro de 2025 – Donald Trump, favorável a sanções e tarifas para isolar Pequim do mercado global.
"Estou confiante que a parceria que o presidente Xi e eu firmamos hoje excederá expectativas e reverberá o caminho para uma nova etapa do relacionamento bilateral", afirmou o presidente brasileiro. Ao abordar a questão em torno dos conflitos mundiais, Jinping afirmou que vinha enfatizando que "não existe solução simples para assuntos complexos", ao falar especificamente sobre Ucrânia. Ele ainda sinalizou que China e Brasil compartilham de entendimentos comuns sobre uma solução política para o confronto envolvendo aquele país. O líder chinês mencionou ainda a guerra na Faixa de Gaza, dizendo que se preocupa com a situação na região e que a comunidade internacional precisa se empenhar mais para solucionar o conflito. "Para resolver a crise atual é preciso focar na Palestina, que é a causa raiz", destacou Jinping, citando a solução de dois Estados para a região.
A questão é cara para Lula, que tem defendido um cessar-fogo na Faixa de Gaza e entrou em rota de colisão com Israel desde o início da guerra, inclusive sendo declarado "persona non grata" no país. O presidente brasileiro, no entanto, não mencionou a situação no Oriente Médio durante sua declaração. O aprofundamento das relações com a China, por outro lado, abre mais espaço para investimentos e comércio com o país asiático, enquanto Trump prometeu, durante a campanha, impor tarifas a produtos importados mesmo de aliados. O anúncio da entrada do Brasil no projeto chinês de investimentos é há anos uma demanda da China que permeou a discussão de acordos entre os países e dividiu o governo brasileiro.
Integrantes do governo que acompanharam as negociações disseram que, no saldo geral, não seria positivo para o Brasil aderir à iniciativa, que hoje tem poucos países de peso. Além disso, nas mais recentes rodadas de conversa entre os dois países, os chineses teriam demonstrado que não seria mais tão vital a adesão à proposta, mas sim parcerias em investimentos de diferentes frentes. Há uma avaliação na diplomacia brasileira de que o Brasil não precisa necessariamente aderir ao projeto para acessar investimentos chineses, dada sua posição como maior país latino-americano e grande exportador principalmente de alimentos para a China -que pressiona para que Brasília declare entrada no projeto.
A pressão, mas em sentido oposto à de Pequim, vem também do outro lado do contencioso geopolítico. No final de outubro, Katherine Tai, representante de Comércio dos EUA, afirmou em evento em São Paulo que o Brasil deveria pesar os riscos de aderir à iniciativa chinesa, mencionando questões de soberania nacional.
Na noite desta quarta-feira, Xi Jinping terá, ainda, um jantar em sua homenagem no Palácio do Itamaraty, com convidados do governo, empresários e representantes da sociedade civil. A recepção no Alvorada é incomum, e segundo integrantes do governo, o evento ocorreu no local a pedido dos chineses. Sede do Ministério das Relações Exteriores do Brasil, o Itamarty fica distante de outros prédios e com o hotel do chinês a cerca de 1km. A visita de Jinping, que chegou do Rio de Janeiro a Brasília nesta terça-feira, envolveu questões de segurança, como a reserva do hotel inteiro para sua delegação.
Folhapress