As milhões de pessoas que assistiram ao primeiro e talvez único confronto direto entre Donald Trump e Kamala Harris viram um debate muito diferente daquele que encerrou a campanha de Joe Biden. Desta vez, foi o lado democrata que saiu vitorioso ao colocar o republicano na defensiva.
"Kamala conseguiu o que Biden não conseguiu: colocar Trump na defesa, em uma posição de desconforto", afirma o professor de Relações Internacionais de ESPM Roberto Uebel.
"Acredito que os democratas se saem mais aliviados neste debate na mesma proporção em que os republicanos veem um sinal de alerta, especialmente para os Estados-pêndulo. Os democratas conseguiram calcular bem os pontos frágeis de Trump", acrescenta. "Sem sombra de dúvidas, ela venceu o debate."
O debate foi acalorado, com foco em economia, imigração e política externa. Kamala conseguiu pressionar Trump e levantou questões sobre os seus processos criminais, o Projeto 2025 - plano de governo conservador do qual o republicano tenta se desvencilhar - e o ataque ao Capitólio.
Kamala fez ainda uma defesa enfática do aborto, questão incômoda para Trump, que tenta calibrar a sua posição. "Esse é um dos pontos fortes de Kamala", afirma Cristina Pecequillo, professora de Relações Internacionais da Unifesp. "Para os democratas é um campo de debate que atrai tanto progressistas quanto conservadoras moderadas."
Em alguns momentos, Trump se mostrou desconfortável e até mesmo irritado. Foi o que aconteceu quando a democrata sugeriu que os comícios do republicano seriam exaustivos e entediantes.
No tema imigração, Trump mais uma vez mordeu a isca, espalhando teorias da conspiração ao alegar falsamente que haitianos em Ohio estariam comendo animais de estimação. A afirmação foi desmentida ao vivo por Muir.
"Kamala começou um pouco mais nervosa, mas ganhou confiança, conseguiu responder às perguntas e atacar Trump", avalia Roberto Uebel. "Trump, por outro lado, foi alvo de Kamala, que relembrou as condenações recentes do ex-presidente e ainda o chamou de amigo de ditadores."
Na política externa, a democrata defendeu posições do governo, como o apoio à Ucrânia na guerra contra a invasão russa. "Se Donald Trump fosse presidente, Putin estaria sentado em Kiev agora", disse ela. Na economia, por outro lado, tentou se desvencilhar do atual governo, que Trump culpa pela inflação.
"Os democratas tentam esconder Joe Biden enquanto Trump fala dele o tempo todo. Kamala praticamente ignorou o legado de Biden na economia, buscando criticar Donald Trump e dar algumas pistas da sua promessa de 'economia da oportunidade'", afirma Cristina Pecequillo.
Nesse aspecto, a professora avalia que Kamala perdeu uma oportunidade de detalhar aos eleitores o que pretende fazer, com propostas concretas. "Ela também não respondeu à pergunta sobre as suas repetidas mudanças de posição. Destacou apenas que os seus valores não mudaram. O eleitor então se pergunta: mas qual a posição dela?"
Ao longo do debate, ela reforçou a aposta na contradição entre a promessa de futuro e o retrocesso que atribui a Trump - "We are not going back, diz o lema informal da campanha democrata. Mas sem dar muitos detalhes sobre as suas propostas ou como pretende implementá-las.