'Os responsáveis pelas mortes em Gaza são do Hamas', aponta presidente da Federação Israelita do Rio Grande do Sul

O Jornal do Comércio entrevistou o presidente da Federação Israelita do Rio Grande do Sul (Firs), Márcio Chachamovich

Por Mariana Dawas Vieira

Federação Israelita do Rio Grande do Sul, Márcio Chachamovich, presidente
O território de Gaza chama, novamente, atenção internacional para uma escalada de violência que já deixou mais de 5 mil mortos, sendo 1,4 mil de israelenses e por volta de 4,6 mil de palestinos, segundo autoridades locais. O Jornal do Comércio entrevistou o presidente da Federação Israelita do Rio Grande do Sul (Firs), Márcio Chachamovich para saber sua avaliação sobre a situação. A federação representa a comunidade judaica do Estado desde 1904, e Chachamovich comenta sua percepção acerca da desestabilização regional e das respostas militares.
 

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Jornal do Comércio - O que acredita que desencadeou os acontecimentos do dia 7 de outubro?

Marcio Chachamovich - Na minha percepção, o ato terrorista do Hamas foi mais no sentido de voltar à cena, ao cenário político, porque Israel já vinha fazendo acordos com países árabes como a Arábia Saudita. Acredito que este tenha sido um entre os vários motivos. Fora o fato de que é um grupo terrorista, o que eles fizeram não tem nenhuma explicação. Assassinar a população civil, crianças, idosos, não tem justificativa. Não posso usar o terror como forma política, não posso usar assassinato da população civil como forma de reivindicar algo.

JC - Israel é cercado por países que divergem de sua política. Como se dá esta dinâmica, há um risco regional?

Chachamovich - Não, mas, até então, a relação entre os vizinhos eram protocolares, não havia nenhum problema no entorno. Foi exatamente este ato do Hamas que gerou incerteza e insegurança.

JC - O que esse conflito pode significar para a política interna do governo de Israel?

Chachamovich - Acredito que, sempre quando há uma alguma ruptura institucional, ou uma ameaça externa, isso acaba afetando o governo que está no poder. Como o ato do Hamas causou muitas mortes e a esmagadora maioria delas foi de civis, crianças e mulheres, acredito que isso possa ter algum impacto. Mas, na verdade, não temos que pensar nisso nesse momento, agora é hora de tentar resgatar as vítimas sequestradas pelo Hamas que a gente espera que estejam viva. Isso é um primeiro passo, o segundo passo é tentar voltar à normalidade que havia na região. Sempre lembrando que o Hamas, como o grupo terrorista que é, se em algum momento eles pretendem a paz, têm que abandonar as armas e sentar à mesa. Sem isso, não há como se ter uma normalidade da região. Não é possível que um grupo terrorista invada um país, a única democracia do Oriente Médio, faça o que fez e que não sofra nenhum tipo de consequência. Inclusive o Hamas acaba fazendo mal, também, ao seu próprio povo. Os palestinos sofrem nas mãos do Hamas e tenho certeza absoluta que não representa a população palestina, nem em Gaza e nem em qualquer lugar no mundo.

JC - Qual era a relação do governo de Israel para com os habitantes em Gaza antes do dia 7 de outubro?

Chachamovich - Milhares de palestinos cruzam a fronteira todo o dia para ir trabalhar em Israel, então era uma relação totalmente pacífica. De uma hora para a outra, um grupo terrorista resolve literalmente colocar o terror na região e acabar desestabilizando e gerando tudo o que está acontecendo. Na verdade, o que Israel está fazendo agora nada mais é que uma retaliação, um mecanismo de defesa. Israel só está contra-atacando porque foi atacada, se o Hamas não tivesse feito o atentado terrorista e matado milhares de pessoas, com certeza Israel não teria feito absolutamente nada.

JC - Foi anunciado pelo governo que haveria uma resposta bruta em relação aos ataques. O que isso pode significar para a população que mora em Gaza? E em relação ao cerco total, o que significa e qual a diferença com como era antes? Havia um cerco parcial? 

Chachamovich - O que havia era uma fronteira. As pessoas transitavam, passavam diariamente pelas fronteiras pra gente trabalhar. Então não há um cerco, como as pessoas gostam de falar.

JC - Poderia comentar em relação às acusações de uso de armamentos fortes contra população civil, como o uso de Fósforo branco - considerado crime de guerra - e ataques em regiões de hospitais?

Chachamovich - É, atentado terrorista também, assassinato de pessoas de crianças e idosos também é crime de guerra. Mas, em relação a essas duas acusações, acho que tem que ser feita uma investigação, até porque existem várias versões e as narrativas acabam muitas vezes invertendo. No caso do hospital, por exemplo, não se sabe ainda, existem duas versões, quem é que tem razão? Só uma investigação imparcial que vai poder dizer. Tanto em relação ao ataque no hospital quanto a qualquer outro. Não podemos comprar uma narrativa como sendo a verdadeira, só posso ter noção do que estou dizendo conhecendo todas as versões, não apenas uma.

JC - Como você enxerga a diferença de apoio internacional aos lados, tanto governamental quanto popular, por meio de protestos?

Chachamovich - Pelo que eu acompanhei na mídia, todos os países civilizados condenaram o ato terrorista do Hamas. Em relação às passeatas em favor da população palestina, eu entendo que são totalmente legítimas. Acho que a população palestina do mundo tem todo o direito de protestar, inclusive contra o Hamas. Porque o que tem ficado muito claro é que a guerra que está sendo travada hoje não é contra o povo palestino, é contra o grupo terrorista Hamas. As manifestações que vêm a favor da população palestina eu acho totalmente legítimas, mas eu gostaria de ver essas manifestações também condenando o Hamas, porque se a população palestina não condenar, automaticamente ela vai estar chancelando o que aconteceu - e tenho certeza absoluta que não é esse o pensamento da população palestina e nem das lideranças. O Hamas hoje impinge uma ditadura em Gaza. A população palestina é, na verdade, refém do Hamas.

JC - Como você enxerga o posicionamento brasileiro em relação ao que está acontecendo? Qual acredita que seja o papel do Brasil enquanto presidente da cadeira rotativa do conselho de segurança da ONU?

Chachamovich - Primeiro que o Brasil deveria considerar o Hamas grupo terrorista, pois ainda não o reconhece. Com relação à sua posição no Conselho de Segurança, acho que o Brasil é um país que já tem um histórico de pacifismo, de não violência, e ele poderia ajudar de uma forma não tendenciosa e, repito, condenando o ato terrorista sem condicionantes. Nós não podemos inverter as narrativas, houve um ato terrorista e ponto. Temos que ter isso muito claro. As consequências dos atos terroristas foram a retaliação de Israel. Se não houvesse atentado terrorista, não haveria retaliação. Não posso querer justificar dizendo que foi um ato desesperado dos oprimidos contra os opressores. Foi um ato terrorista, porque eles atacaram a população civil com o único objetivo de matar pessoas. Isso está muito claro, eu não consigo ver de outra forma. E também não consigo entender como algumas pessoas tentam justificar, ou relativizar ou contextualizar o que aconteceu. O terrorismo é injustificavel, eu não posso utilizar o terrorismo como moeda política, como eu também não posso usar as vítimas que foram sequestradas como moeda de troca. São vidas humanas que estão na mão de terroristas, as pessoas que morreram não tinham absolutamente nada a ver com o que aconteceu.

JC - O último balanço em relação às mortes foi de cerca de 1.400 mortos de Israel e mais de 4.000 palestinos, como vê essa diferença?

Chachamovich - A retaliação de Israel fez gerou mortes, mas os responsáveis pelas mortes em Gaza são do Hamas, eles que geraram esse confronto. Se eles amassem o povo deles, não teriam feito isso pois saberiam que Israel relataliaria. Israel só atacou pois foi atacada, então essa questão da proporcionalidade é muito relativa. Se sei que meu inimigo é mais forte do que eu, não vou atacá-lo. O Hamas não pensou nisso? É óbvio que pensou, óbvio que sabia que haveria uma retaliação. Então essa essa conta de mortos tem que ser posta nas costas do Hamas.

JC - E em relação à questão histórica entre Israel e Palestina, como enxerga que tenha levado ao que está acontecendo hoje?

Chachamovich - Esta questão remonta desde a criação do estado de Israel, quando os árabes não aceitaram a partilha. Houve uma série de conflitos, e todos esses conflitos geram instabilidade, fazendo com que os povos acabem não conseguindo chegar à paz. A paz só vai chegar quando as pessoas de ambos os lados baixarem as armas. Agora, o que não pode acontecer é um lado baixar as armas e o outro não.

JC - Como avalia que vem sendo a cobertura do conflito na mídia?

Chachamovich - Varia muito de veículo para veículo. O que eu costumo dizer é que, quando há retaliação por parte de Israel, a narrativa muda. Israel passa a ser o agressor. Isso eu percebo, alguns veículos não colocam na balança o porquê que aconteceu isso ou aquilo. Não posso querer condenar Israel por querer fazer o que está fazendo, por estar defendendo seu povo, seu território. Não conheço nenhum país no mundo que receba 5 mil foguetes e não faça nada.

JC - A ONU lançou em uma de suas agências um relatório que, assim como outras organizações, acusaram Israel de praticar apartheid no território - essa afirmação foi reforçada pela subsecretária-geral na época, Rima Khalaf. O que poderia comentar sobre estas afirmações?

Chachamovich - Eu particularmente não concordo, acredito que seja um país democrático que respeite todos, não faz distinção nenhuma. Não há uma segregação como havia na África do Sul, então no meu entendimento essa colocação é mais política.

JC - Algumas organizações, como a Human Rights Watch, e moradores da região já descreveram por vezes Gaza como uma prisão a céu aberto. O que poderia comentar sobre isso?

Chachamovich - Eu também particularmente não concordo com essa narrativa, não há como considerar Gaza uma prisão, essa afirmação me parece ter mais uma conotação política. Tanto é que os palestinos podem transitar de um lado para o outro. Todos aqueles que têm trabalho ou vão utilizar serviços têm acesso. Não é uma prisão onde a pessoa fica segregada, não pode sair. Existem outras saídas, como a fronteira com o Egito. Ela foi fechada agora, parece que agora abriram parcialmente para a saída de estrangeiros. Mas quem controla é o governo egípcio, não Israel. A de Israel estava aberta até antes do conflito.