Em mais uma manifestação pública de desconfiança acerca dos rumos da contraofensiva ucraniana contra a invasão russa iniciada em 2022, o chefe de gabinete do secretário-geral da Otan afirmou nesta terça (15) que a entrada de Kiev na aliança militar ocidental pode ocorrer se houver concessões territoriais a Moscou.
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"Acho que uma solução poderia ser a Ucrânia desistir de território e obter à adesão à Otan em troca", afirmou Stian Jenssen, que trabalha para o chefe da aliança, o também norueguês Jens Stoltenberg, desde 2017. Sua fala foi em resposta a jornalistas em um debate sobre a guerra em Arendal, em seu país natal, e foi noticiada por órgãos como o site VG.
Jenssen ainda ponderou, dizendo que a "posição do chefe" é a que vale: que cabe à Ucrânia decidir o momento e os termos em que aceitará negociar com Vladimir Putin. O presidente Volodimir Zelenski insiste em que isso só ocorrerá com a desocupação de todas as terras pelos russos, incluindo na conta a Crimeia anexada sem luta em 2014.
O Kremlin dá de ombros a isso, como a renovada campanha de ataques aéreos e a sua própria ofensiva no nordeste ucraniano provam. As dificuldades de Kiev na contraofensiva iniciada com apoio material e treinamento da Otan em junho apenas adensam o clima para Zelenski.
O chefe de gabinete não tem poder executivo, mas é o mais próximo colaborador de Stoltenberg. Assim, sua fala foi pessimamente recebida pelos ucranianos como uma ofensa "absolutamente inaceitável", nas palavras do porta-voz da chancelaria local, Oleg Nikolenko.
"Sempre se assumiu que a aliança, assim como a Ucrânia, não comercializa territórios. A participação consciente ou inconsciente de autoridades da Otan na formação dessa narrativa joga pelas mãos da Rússia", afirmou no X, a rede social antes chamada de Twitter.
Jenssen não falava sobre condições para o fim da guerra especificamente, mas sim sobre termos de adesão da Ucrânia à Otan, um dos motivos alegados por Putin para a invasão - os russos não querem a presença militar adversária na sua maior fronteira ocidental, embora já tenham conseguido dobrar a área de contato com a entrada da Finlândia no clube liderado pelos EUA devido justamente à guerra.
"Não estou dizendo que tem que ser assim, mas que pode ser uma solução possível", afirmou.
"É importante que discutamos nosso caminho para isso. É do interesse de todos que a guerra não se repita", disse. "A Rússia está lutando enormemente do ponto de vista militar, e parece irreal que eles possam tomar novos territórios. Agora é mais uma questão de saber o que a Ucrânia consegue recuperar", afirmou.
Ele se referia à contraofensiva. Hoje, o Kremlin ocupa cerca de 20% da Ucrânia e, mais importante, estabeleceu o que os nacionalistas russos chamam de Nova Rússia, a área que liga o país ao Donbass (leste ucraniano, já parcialmente em mãos de Moscou desde 2014) à Crimeia, passando pelas regiões do sul Zaporíjia e Kherson.
O tom de Jenssen eleva o nível de questionamentos sobre a fé ocidental no sucesso de Kiev. Pelos relatos disponíveis, houve venda de otimismo excessiva por parte de Zelenski e boa vontade idem na Otan.
A questão da adesão à aliança, hoje com 31 membros e a Suécia na fila de espera por cortesia da Turquia, é sensível. Na cúpula do clube em Vilnius (Lituânia), em julho, Zelenski queixou-se publicamente de não haver sinais claros sobre como o processo ocorreria.
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A resposta foi: vai depender das condições que você cumprir, e só depois da guerra, dado que é impossível do ponto de vista estatutário a Otan aceitar um membro em conflito sem entrar em combate imediatamente contra o adversário. A palavra final foi dos EUA com apoio de países de peso como Alemanha e França.
Reino Unido e membros do Leste Europeu se mostraram mais abertos a apresentar um cronograma para a entrada, mas isso ficou restrito à derrubada de algumas etapas burocráticas se e quando a guerra acabar. Zelenski saiu frustrado, e as recriminações dele e de seus aliados vêm sendo contestadas no Ocidente, que o apoia mas não sugere em declarações de autoridades que o ucraniano é ingrato.
Folhapress