A Rússia atacou dois portos da Ucrânia um dia após ter suspendido sua participação na Iniciativa de Grãos do Mar Negro, o acordo que permitiu a Kiev exportar 32 milhões de toneladas de produtos como trigo de julho do ano passado até agora.
Segundo o Ministério da Defesa russo, o "ataque maciço" com drones e mísseis ocorreu em retaliação pela explosão de ao menos um drone submersível de longa distância contra a ponte que liga a Crimeia anexada em 2014 por Vladimir Putin à Rússia continental.
A obra tem vias rodoviárias, que foram afetadas na explosão na segunda (17), e ferroviárias. Moscou disse que reabriu uma das faixas para veículos nesta terça (18), mas que a reconstrução total do local pode demorar até novembro.
Em comparação com a vingança exercida após o primeiro ataque à ponte, aberta em 2018 como símbolo das aspirações de Putin para a região, foi uma ação modesta. Em outubro passado, dois dias depois do ataque, a Ucrânia sofreu o então maior ataque com mísseis da guerra, que marcou o início de uma campanha de meses para degradar sua rede de energia.
Mas a escolha de Odessa, maior porto ucraniano, e do vizinho Mikolaiv, tem o simbolismo de alertar Kiev sobre seu plano de manter a rota de exportações de grãos aberta. Na segunda, o presidente Volodimir Zelenski afirmou que isso seria possível, bastando ignorar a Rússia e mantendo a Turquia como garantidora militar da livre passagem dos navios.
Há uma certa armadilha aí. Ancara e a ONU eram as mediadoras do acordo, o único sucesso diplomático desde que a Rússia invadiu a Ucrânia em fevereiro de 2022. Mas os turcos são integrantes da Otan, aliança militar do Ocidente, apesar de terem boas relações com Moscou.
O risco óbvio é o de, mantido o corredor marítimo, algum esbarrão intencional ou não entre forças navais russas e turcas no mar Negro escalar para algo mais sério. Moscou apenas disse que não poderia mais dar garantias de segurança a navios civis na região, e sugeriu que Kiev pode usar a rota para fins militares --apesar de não ter mais uma Marinha operante de fato.
Como de costume, a Ucrânia disse que derrubou 31 dos 36 drones suicidas enviados, além de seis mísseis de cruzeiro Kalibr. Moscou disse ter tido sucesso. Seja com ataques diretos, seja com efeito colateral de destroços, há incêndios reportados nos dois portos.
Os protestos já começaram, com a ministra das Relações Exteriores alemã, Annalena Baerbock, dizendo que "cada míssil disparado sobre um porto é disparado sobre os famintos do mundo". É uma referência ao fato de que o acordo dos grãos ter ajudado a garantir o fornecimento dos produtos para países mais pobres, como os da África, mas não só.
Até ele, a inflação de alimentos global havia sido impactada pela guerra. Até o começo da guerra, a Ucrânia era responsável por 9% do mercado mundial de trigo e 14%, do de milho.
Além disso, o arranjo previa um acordo paralelo facilitando a exportação russa pelo mar Negro. Moscou responde por 19% do mercado mundial de trigo, segundo a ONU, sendo seu maior ator. Além disso, domina as vendas de fertilizantes, que também ficam mais baratos usando a via marítima até o Mediterrâneo e, daí, para o resto do mundo.
Os russos alegam que a sua parte no acordo não vinha sendo contemplada, enquanto os ucranianos conseguiam escoar sua produção. Segundo o Kremlin, o acordo será retomado imediatamente, caso suas condições sejam satisfeitas.
O efeito imediato da crise foi a subida dos preços de grãos nos mercados futuros. O trigo subiu 3% na segunda, atingindo o nível pré-acordo, de junho do ano passado. Milho e soja também foram afetados. Moscou diz ter mecanismos para seguir oferecendo os produtos em quantidade e a preço baixo, mas o impacto parece inevitável, com efeitos cascata --há toda uma cadeia que depende de grãos, inclusive a da alimentação animal.
Folhapress