O Comitê de Investigação da Rússia, órgão que lida com crimes graves no país, afirmou neste domingo (9), em um relatório preliminar, que a explosão na ponte sobre o estreito de Kertch foi preparada pelo serviço secreto da Ucrânia. A estrutura liga o território russo à península da Crimeia, anexada em 2014.
O presidente Vladimir Putin classificou o caso como um ato terrorista. "Os autores, executores e patrocinadores [da ação] são os serviços secretos ucranianos", disse o líder em reunião com Alexander Bastrikin, chefe do comitê, segundo citado por agências de notícias do país. "Não há dúvida. Trata-se de um ataque terrorista destinado a destruir estruturas civis criticamente importantes da Rússia."
De acordo com informações da agência RIA, o líder do órgão de investigação anunciou que vai abrir um processo criminal com acusações de terrorismo. Segundo ele, os suspeitos envolvidos na preparação da explosão já foram identificados por agentes do FSB (Serviço Federal de Segurança, uma das agências sucessoras da KGB).
O caso ocorreu na manhã deste sábado (8) e foi considerado simbólico de momento de revés de Moscou na guerra --a estrutura é vista como uma rota crucial de abastecimento para as tropas de Putin no país invadido.
A explosão provocou um incêndio em um trem que transportava combustível e ao menos três pessoas, que estariam em um carro ao lado do veículo, morreram. No próprio sábado, Putin determinou a criação de uma comissão para apurar as causas e esclarecer a explosão, destacando o FSB para reforçar medidas de proteção na ponte e na estrutura de eletricidade e gás que abastece a península.
Neste domingo, mergulhadores avaliaram os danos no local, e o Ministério dos Transportes disse que trens de carga e de passageiros estavam funcionando normalmente. O tráfego rodoviário permanece limitado --ônibus e outros veículos pesados continuam sendo transportados em balsas.
Sem apontar culpado, o governador da Crimeia indicado por Moscou, Serguei Aksionov, definiu a situação como "administrável, desagradável, mas não fatal", citando um "saudável desejo de vingança".
A Rússia havia dito no sábado que o dono do caminhão fora identificado como um morador de Krasnodar, no sul do país, mas não culpara a Ucrânia com todas as letras --ainda assim, o caso desencadeou nova guerra de versões, seguindo o padrão do conflito.
Um assessor do presidente Volodimir Zelenski chegou a insinuar responsabilidade de Moscou. "O caminhão foi detonado, segundo as indicações, entrando na ponte pelo lado russo, então respostas devem ser buscadas na Rússia", escreveu Mikhailo Podoliak. À Reuters, sem mais elaborar, ele disse que o caso seria indicativo de uma disputa entre o FSB, empresas privadas e o Ministério da Defesa.
Como outras autoridades ucranianas que desde o início do conflito citavam a ponte como alvo potencial, ele não escondeu sua satisfação, dizendo no Twitter que a ação era "só o começo". "Tudo que é ilegal deve ser destruído, toda a ocupação russa deve ser expulsa."
Alas radicais em Moscou haviam definido a explosão como declaração de guerra de Kiev. Segundo o jornal The New York Times, um membro do Parlamento da Crimeia disse que qualquer coisa menos do que uma resposta "extremamente dura" mostraria fraqueza, o que, em última instância, poderia ser a senha para uma ação nuclear tática --como já defendido por figuras como o ex-presidente Dmitri Medvedev.
Para além do simbolismo, a ponte de Kertch hoje representa uma importante rota de abastecimento para as forças do Kremlin nas recém-anexadas --em referendos de fachada-- áreas de Kherson e Zaporíjia e no porto de Sebastopol, principal cidade da Crimeia.
Ao buscar garantir que o episódio "não vai afetar muito" o abastecimento militar na região de Kherson, o vice nomeado pela Rússia, Kirill Stremousov, ponderou que sim, "haverá problemas de logística na Crimeia".
A península foi anexada em 2014, após a queda do governo pró-Kremlin na Ucrânia, sem um único tiro. Quatro anos depois, a gigantesca ponte de 19 km de extensão, foi inaugurada para se tornar um dos símbolos da união. Putin esteve presente na pomposa inauguração e definiu a conexão sobre o estreito de Kertch, que separa os mares Negro e de Azov, como um milagre.
Nas últimas semanas, ataques contra alvos russos na península levaram pânico aos moradores. Os êxitos da contraofensiva ucraniana foram responsáveis por aumentar a pressão sobre Putin, que determinou no mês passado a mobilização de 300 mil reservistas --após a decisão, o russo registrou a primeira queda de sua popularidade desde a invasão do vizinho, de 83% para 77%, segundo o instituto independente Levada.
Os sucessivos reveses depois renovaram as ameaças de uma guerra nuclear contra o Ocidente, que devem ser ora renovadas com a acusação de Putin deste domingo.