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Protestos no Irã contra repressão a mulheres acumulam mortes e centenas de presos
No Irã, após a Revolução de 1979, a lei passou a afirmar que mulheres são obrigadas a cobrir o cabelo com véu e a usar roupas largas
Os protestos contra a morte de uma jovem presa por não usar o véu islâmico no Irã entraram no 5º dia com manifestações espalhadas por 15 cidades, um saldo de ao menos seis mortos confirmados oficialmente e cerca de 500 presos, segundo ONGs de direitos humanos, e o aumento da pressão internacional para que a República Islâmica investigue o ocorrido e respeite as liberdades das mulheres. Também houve de relatos de interrupção do sinal de internet e do funcionamento do Instagram.
A morte na semana passada de Mahsa Amini, de 22 anos, após ter sido presa pela polícia moral em Teerã por usar "trajes inadequados", despertou a ira de milhares de pessoas, descontentes com restrições às liberdades e com a economia em crise. A jovem foi detida pela polícia no dia 13 de setembro sob argumento de que deveria ser "convencida e educada", mas saiu da prisão diretamente para o hospital, onde morreu três dias depois.
Os protestos começaram no sábado no funeral de Amini na província iraniana do Curdistão, onde ela vivia, e chegaram a 15 cidades nesta quarta-feira (21), segundo a imprensa estatal. Os manifestantes bloquearam ruas, atiraram pedras contra as forças de segurança e incendiaram viaturas policiais e latas de lixo, enquanto gritavam frases contra o governo. A polícia usou gás lacrimogêneo e prendeu pessoas, segundo a agência estatal IRNA. Muitas iranianas retiraram o véu como forma de protesto.
Há versões conflitantes sobre o número de pessoas que morreram nos confrontos entre manifestantes e forças de segurança. ONGs de direitos humanos falam em ao menos oito mortes. Até agora, seis foram confirmadas por autoridades - três teriam ocorrido nesta quarta, sendo que uma das vítimas seria um membro das forças de segurança. Membros do governo têm atribuído algumas dessas mortes a grupos terroristas e a "agentes contrarrevolucionários".
O grupo de direitos humanos Hengaw também afirma que cerca de 450 pessoas ficaram feridas e quase 500 foram presas, números que não puderam ser verificados de forma independente. O Hengaw também disse que o acesso à internet foi cortado na província do Curdistão - uma medida que impediria o compartilhamento de vídeos de uma região onde as autoridades já reprimiram a agitação da minoria curda. Nesta quarta, o observatório NetBlocks disse que o governo iraniano restringiu o acesso ao Instagram.
Mais cedo, meios de comunicação oficiais noticiaram que o ministro das Comunicações do país havia dito que os serviços de internet poderiam ser interrompidos por razões de segurança. Ele depois voltou atrás e disse que foi mal interpretado.
O líder supremo iraniano, aiatolá Ali Khamenei, não mencionou os protestos durante um discurso nesta quarta-feira comemorando a guerra Irã-Iraque de 1980-1988. Um importante assessor de Khamenei prestou condolências à família de Amini nesta semana, prometendo acompanhar o caso e dizendo que o líder ficou magoado com sua morte.
Em seu discurso na Assembleia-Geral da ONU nesta quarta-feira, o presidente iraniano, Ebrahim Raisi, acusou o Ocidente de ter "dois pesos e duas medidas" em relação aos direitos das mulheres. "Há dois pesos e duas medidas, com a atenção apenas em um lado, e não em todos", declarou Raisi, referindo-se às mortes de mulheres de povos indígenas no Canadá e às ações israelenses nos territórios palestinos.
Policiais negam que Amini tenha sido agredida, alegando que ela sofreu um ataque cardíaco. Ativistas afirmam, porém, que a abordagem das autoridades em casos do tipo tem sido violenta, muitas vezes com o espancamento dessas mulheres.
Ao site Iran Wire, o irmão de Amini, Kiarash, relatou que estava com ela no momento da detenção. A família visitava a capital, Teerã, no dia. Quando questionou os policiais, ele teria ouvido que a irmã ficaria apenas uma hora na delegacia. Ele, então, foi ao local, onde afirma ter se deparado com outras dezenas de mulheres detidas por razões semelhantes.
Kiarash disse que a família buscará a Justiça para que uma investigação seja feita. O pai da jovem responsabilizou a polícia por sua morte em entrevista ao site de notícias Emtedad. Ele afirmou que sua filha não tinha problemas de saúde e acrescentou que ela sofreu contusões nas pernas.
'Detenção moral'
No Irã, após a Revolução de 1979, que abriu espaço para um regime teocrático, a lei passou a afirmar que mulheres são obrigadas a cobrir o cabelo com véu e a usar roupas largas para encobrir o formato de seus corpos. Aquelas que descumprem a norma enfrentam repreensões públicas, multas e mesmo a prisão.
A lei nunca deixou de ser questionada, apesar da repressão. Ao longo dos últimos meses, ativistas de direitos humanos têm influenciado mulheres a retirarem o véu publicamente em protesto contra o código de vestimenta, o que desagrada a governantes e agentes de segurança, que afirmam que o ato configura um comportamento imoral.
No início deste mês, duas ativistas iranianas lésbicas foram condenadas à morte por "promover a homossexualidade". Elas também foram acusadas de promover a religião cristã e de terem contatado um veículo da mídia que faz oposição ao governo.
Nas redes sociais, iranianos têm expressado repúdio à existência da prática conhecida como "detenção moral", perpetrada pelas chamadas patrulhas de orientação. Alguns vídeos compartilhados mostram policiais detendo mulheres, arrastando-as no chão e levando-as a força.