Um milhão de mortos por coronavírus. A cifra, simbólica, foi alcançada na noite de segunda-feira (28), quase nove meses após o primeiro óbito oficial devido à doença, em 11 de janeiro, e quase sete após a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarar que a Covid-19 era uma
pandemia, em 11 de março.
O número - 1 milhão, de acordo com os dados compilados pela Universidade Johns Hopkins - equivale a 13 Maracanãs lotados ou a toda a população de Maceió. E tudo indica que será apenas mais um marco emblemático a ser superado: não o único milhão, mas o primeiro.
Estima-se que o número verdadeiro de mortes seja maior, uma vez que há o problema de subnotificação. De acordo com Alan Lopez, diretor de um grupo de pesquisa da Universidade de Melbourne, na Austrália, que estuda o impacto de doenças, a quantidade real de óbitos está em torno de 1,8 milhão.
Ele calcula que até o final do ano a doença mate 2,8 milhões de pessoas, o que a tornaria a quinta maior causa global de mortes em 2020. Na sexta-feira (25), o diretor executivo do programa de emergências de saúde da OMS, Mike Ryan, admitiu ser possível que a cifra oficial dobre.
Wuhan e a demora em reconhecer um surto
Como chegamos até aqui? O histórico da pandemia sugere uma combinação de condições biológicas, negligência política e demora para agir.
Cogitava-se havia alguns anos que a próxima pandemia viria da China. O epidemiologista Rob Wallace apontou, em um livro de 2016, que o sul do país tinha as condições ideais para a disseminação de novos vírus: desmatamento acelerado, rápida incorporação de um sistema de produção de carnes baseado no confinamento de animais, alta densidade populacional, gripe que circulava o ano todo.
Wuhan, local onde tiveram início os contágios, implantou restrições rigorosas. FOTO: DANIEL LEAL-OLIVAS/AFP/JC
Hoje, há certeza de que o vírus foi originado em animais. A hipótese principal é a de que ele ficou
hospedado em morcegos e posteriormente em pangolins - mamíferos que lembram o tamanduá e que teriam servido de intermediários para a transmissão aos seres humanos. Há suspeitas de que eles eram vendidos ilegalmente em Wuhan, local de origem dos contágios.
As autoridades locais recomendaram que a população evitasse aglomerações, mas
demoraram a reconhecer o surto como um problema sério. A prefeitura de Wuhan fechou os meios de transporte apenas em 22 de janeiro, e decretou "lockdown" no dia seguinte - quando já havia 540 registros de infecções e 17 mortes, além de casos no Japão, Coreia do Sul, Taiwan, Tailândia e EUA.
Criticado pela resposta lenta ao vírus, o prefeito de Wuhan renunciou ao cargo no dia 27. A essa altura, 5 milhões dos 11 milhões de moradores já haviam deixado a cidade, o que contribuiu para que o vírus se espalhasse. Em 30 de janeiro, quando a China já contabilizava quase 8 mil casos e 170 mortes, a OMS declarou que o coronavírus era uma emergência global.
O vírus adentrou a Europa e outros
países asiáticos, com novos casos confirmados em lugares como Nepal, Austrália, França, Vietnã, Reino Unido, Canadá, Alemanha e Filipinas - onde foi registrada a primeira morte fora da China, no dia 2 de fevereiro.
O Brasil decretou emergência nacional no dia 3 de fevereiro. No dia 5, o Congresso aprovou uma lei que dava ao poder público o direito de decretar quarentena e tomar medidas restritivas contra o vírus. Mesmo assim, o Carnaval foi realizado normalmente.
No dia 9 de fevereiro, a doença na China superou as 811 mortes da epidemia do Sars, em 2002. Quando ela recebeu o nome de Covid-19, no dia 11, os casos no mundo eram da ordem de 45 mil, e as mortes, de 1,1 mil. O Egito foi o primeiro país africano a relatar um caso, no dia 14.
Mundo fica paralisado diante de um inimigo invisível
No dia 26 de fevereiro, o
Brasil confirmou sua primeira infecção.
Em março, a primeira morte. A Itália registrou três mortes, mas só decretou "lockdown" em 8 de março - quando os casos no mundo já passavam de 100 mil. O Irã também registrou um surto local. A OMS decretou que se tratava de uma pandemia em 11 de março, quando a doença chegou oficialmente aos seis continentes do planeta.
Era o início de um cenário quase surreal: o mundo foi paralisado de um modo nunca visto para tentar frear o avanço da doença. Países foram anunciando medidas em série, em todos os continentes. Entre 15 e 31 de março, mais de 30 metrópoles decretaram medidas de restrição e ficaram com as ruas vazias.
Com mundo paralisado de um modo nunca visto antes, ruas ficaram vazias em Nova York. FOTO: SPENCER PLATT/GETTY IMAGES/AFP/JC
Escolas, escritórios e restaurantes foram fechados às pressas. Para parte da população, começou a fase de home office. Para outros, veio o desemprego, a queda na renda e o sufoco. Para quase todos, o medo de se contaminar e de perder algum familiar para uma ameaça invisível.
Em abril -
quando o mundo chegou a 50 mil mortes -, enquanto ainda havia dificuldade para obter máscaras e álcool em gel no Brasil, o noticiário mostrava as
cenas de tragédia na Itália, na
Espanha e em
Nova York, com hospitais lotados, ruas desertas em que o que se ouvia era apenas as sirenes de ambulâncias e milhares de mortes por dia. Era o tempo das entrevistas coletivas diárias ao vivo na TV, para informar os números da doença, e de imagens marcantes pelo mundo, como a do Papa Francisco orando para uma praça de São Pedro vazia.
No começo de abril,
Johnson foi internado na UTI, mas sobreviveu ao coronavírus e passou a dar à crise a gravidade necessária. Outro negacionista, dessa vez convicto, o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, chamou a Covid-19 de "gripezinha", reuniu-se com apoiadores sem respeitar o distanciamento social e foi contra as medidas de restrição para tentar frear a disseminação do vírus.
Chegada do verão marcou reabertura na Europa
Em maio, a situação na Europa começou a melhorar junto com a chegada do calor, e os
países foram reabrindo aos poucos. Cenas de pessoas de volta às ruas trouxeram a sensação de que a crise estava passando, mas também preocupação por ver multidões se aglomerando, o que facilita a contaminação.
Verão levou mais pessoas às ruas e fez Europa registrar segunda onda. FOTO: THOMAS COEX/AFP/JC
Enquanto o continente europeu deixava o pior para trás,
Estados Unidos e Brasil se consolidavam como os países mais afetados pela doença no mundo, clube ao qual logo se juntariam Índia e Rússia. Nos dois países do continente americano, o negacionismo presidencial e a falta de articulação entre governo federal e local ajudaram a atingir essa marca.
No segundo semestre, a vinda da vacina se tornou o grande desejo. As pesquisas, feitas em paralelo por vários países, viraram uma questão política, um trunfo a ser exibido pelo líder do país que obtiver o medicamento primeiro.
EUA, China, Reino Unido e Rússia estão na briga.
A partir de agosto, novos picos de casos na Europa voltaram a preocupar. O número de infectados é alto, mas o de mortes se mantém baixo, fruto do avanço da medicina, que
aprendeu a tratar melhor a Covid-19, da quantidade de testes realizados e de que, hoje, os jovens são os principais atingidos. Ainda que o coronavírus já tenha matado até bebês, são os idosos os que têm mais chances de, ao serem infectados, evoluírem para casos mais graves.
O fim do ano chega com a dúvida se o frio no hemisfério norte poderá ajudar a Covid-19 a ressurgir com força, ou se as lições aprendidas ao longo do ano serão suficientes para evitar problemas maiores.
No Brasil, o calor leva cada vez mais pessoas para praias e bares a cada fim de semana, enquanto os números de mortes caem muito lentamente semana a semana. Somos responsáveis por ao menos 141 mil dos 1 milhão de mortos.