O toque de recolher decretado pela prefeitura de Louisville, no Kentucky, nos Estados Unidos, não impediu que centenas de manifestantes voltassem às ruas nesta quinta-feira (24) para a segunda noite de protestos contra o racismo e a violência policial.
Na cidade de Breonna Taylor, morta em seu apartamento durante uma operação policial em março, os atos ganharam novo fôlego após a decisão da Justiça norte-americana de processar somente um dos três agentes envolvidos no caso.
Depois de uma noite tensa na quarta-feira (23), em que dois policiais foram baleados durante os protestos, as manifestações na noite desta quinta foram majoritariamente pacíficas.
Às 21h, no horário local, quando entrou em vigor o toque de recolher, centenas de manifestantes marcharam até uma igreja, que foi cercada por policiais armados enquanto helicópteros sobrevoavam a área. O grupo com cerca de 300 pessoas recebeu autorização para deixar o local duas horas depois.
Antes disso, alguns dos participantes quebraram janelas e vitrines de empresas locais e até de um hospital, mas os casos de vandalismo foram considerados exceções.
"Não temos como permanecer pacíficos", disse Michael Pyles, um dos manifestantes, à agência de notícias AFP. Armado, ele disse que está participando dos protestos há 120 dias. "Saímos para proteger nosso povo e as pessoas que nos apoiam. Estamos sob ataque."
De acordo com a polícia de Louisville, pelo menos 24 pessoas foram presas por causarem tumultos e desobedecerem ordens de dispersão. Na noite anterior, foram 127 prisões.
"É um período muito tenso e delicado para todos nós", disse o chefe de polícia Robert Schroeder. Em entrevista coletiva nesta quinta, ele anunciou que o toque de recolher foi estendido pelo menos até o final da semana.
Segundo Schroeder, os policiais baleados na quarta estão se recuperando e seu departamento deve continuar com os reforços enviados pela polícia estadual e pela Guarda Nacional do Kentucky.
No Twitter, o presidente Donald Trump ofereceu apoio federal ao governador do estado, o democrata Andy Beshear, e disse que estava rezando pela saúde dos agentes feridos.
Aos manifestantes, escreveu "lei e ordem", repetindo o discurso que tem feito contra as manifestações que ele considera ações de "bandidos" e resultado de estímulos da "extrema esquerda".
A morte de Breonna, assim como o assassinato de George Floyd, em maio, e de outras vítimas negras da violência policial nos Estados Unidos, tornou-se um símbolo para o movimento Black Lives Matter (vidas negras importam).
Grace Pennix, 19, uma das manifestantes em Louisville, disse à AFP que, como jovem negra, é impossível para ela não se colocar no lugar de Breonna.
"Às vezes eu entro em casa e penso, droga, a polícia pode vir à minha porta, atirar e me matar como fizeram com Breonna. Poderia ser eu, minha amiga, minha prima, tia ou mãe."
Entenda o caso
Breonna foi baleada cinco vezes no corredor de seu apartamento por policiais que executavam um mandado de busca em uma investigação relacionada a tráfico de drogas.
Os policiais que arrombaram a porta do apartamento da jovem negra logo após a meia-noite de 13 de março tinham um mandado de busca e apreensão. Inicialmente, eles tinham aval da Justiça para entrar no local sem aviso prévio. Antes de a ação começar, porém, o tipo de mandado foi alterado, e assim os policiais eram obrigados a bater na porta e se identificarem antes de entrar.
A operação fazia parte de um caso que envolve o ex-namorado da jovem, Jamarcus Glover, acusado de comandar uma rede de tráfico de drogas. Em outros endereços revistados, policiais encontraram uma mesa coberta de drogas embaladas para venda, incluindo um saco contendo cocaína e fentanil, mas nada ilícito foi encontrado no apartamento de Breonna.
A investigação que levou os policiais à casa dela incluiu um rastreador GPS, que apontou repetidas idas de Glover ao apartamento; fotos dele saindo do apartamento com um pacote nas mãos; filmagem mostrando Breonna em um carro com Glover em uma das "bocas" que ele operava; e o uso do endereço dela em registros bancários e em outros documentos.
Na noite da operação, Breonna estava no apartamento com seu namorado, Kenneth Walker. Ele disse que os dois não sabiam quem estava à porta. Apenas um vizinho, entre quase uma dúzia, relatou ter ouvido os agentes gritarem "polícia" antes de invadir.
Como os policiais não atiraram primeiro - foi o namorado de Breonna que abriu fogo; ele disse que confundiu a polícia com intrusos -, juristas achavam improvável que os oficiais fossem indiciados.
Dois agentes, o sargento Jon Mattingly e o detetive Myles Cosgrove, reagiram aos tiros na direção do namorado de Breonna, de acordo com documentos internos. Ela foi morta com cinco tiros.
Nenhum dos três agentes foi acusado judicialmente pela morte de Breonna, mas Brett Hankinson, que foi demitido da polícia após o episódio, foi indiciado por "exposição de cidadão a risco injustificado".
De acordo com o inquérito instaurado, Hankinsou atirou contra a porta de vidro do quintal e contra a janela do prédio de Breonna, ambos cobertos com persianas, violando uma regra do departamento de polícia que exige que os agentes tenham uma linha de visão.
Na carta de demissão, o departamento de polícia de Louisville declarou que Hankinson demonstrou "extrema indiferença pelo valor da vida humana".
O nome e a imagem de Breonna se tornaram parte de um movimento nacional contra a injustiça racial, com celebridades escrevendo cartas abertas e erguendo outdoors com mensagens para exigir que os policiais sejam acusados criminalmente pela morte.
A mãe de Breonna processou a prefeitura de Louisville por homicídio culposo e recebeu US$ 12 milhões (R$ 63 milhões) em um acordo anunciado em 15 de setembro. Ela e seus advogados, no entanto, demandam acusações de homicídio contra os três policiais.