O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, admitiu em entrevistas para o jornalista Bob Woodward que escondeu intencionalmente do público norte-americano a gravidade do coronavírus. As declarações do republicano foram divulgadas nesta quarta-feira (9) pelo jornal The Washington Post e pela rede de TV CNN. Ambos tiveram acesso antecipado ao novo livro de Woodward, "Rage" (raiva), que tem lançamento programado para a próxima semana.
Na obra, o veterano repórter diz que conversou com o presidente no dia 7 de fevereiro. Dez dias antes, Trump tinha sido informado por seus assessores que a situação era gravíssima, revela o livro.
"Você apenas respira o ar e é assim que (o vírus) passa", disse o presidente a Woodward na conversa. "Então isso é muito complicado. Isso é muito delicado. É também algo muito mais mortal do que uma gripe forte. Isso é mortal", completou Trump durante a ligação - o áudio do trecho foi divulgado pelos dois veículos. Na mesma época, porém, Trump em público afirmava que a pandemia não era tão grave e que a Covid-19 não era mais perigosa que a gripe comum.
Mais de um mês depois, em 19 de março, os dois voltaram a conversar. Na ligação, Trump revelou que a situação era mais grave do que se pensava. "Agora está sendo revelado que não só pessoas idosas, Bob. Só hoje e ontem alguns fatos vieram à tona. Não são só idosos", disse Trump ao jornalista sobre quem eram as vítimas da Covid-19. "Pessoas jovens também, muitas pessoas jovens", completou o presidente norte-americano.
Desde o início da pandemia, Trump tenta desviar o foco de atenção da gravidade da doença.
Já acusou a China de ter "liberado" o vírus propositalmente, afirmou
tomar hidroxicloroquina como prevenção, um medicamento sem eficácia comprovada contra a Covid-19 e focou a
força-tarefa da Casa Branca na reabertura econômica dos EUA. Depois, com a queda de popularidade, colocou o pé no freio em suas declarações, mas pouco mais de um mês depois,
voltou a minimizar os efeitos do vírus. Em
abril, estimou que o coronavírus não mataria mais do que 65 mil pessoas nos EUA. Nesta quarta-feira, segundo dados da universidade Johns Hopkins, o país já contabilizava 189.972 mortes.
Na sequência do diálogo, o republicano defendeu suas ações. "Sempre quis minimizar (a pandemia)", disse Trump, segundo o livro. "Ainda prefiro minimizar, porque não quero criar pânico". Foi só no fim de março que Trump mudou de tom sobre a pandemia e passou a alertar publicamente sobre a gravidade da situação.
Woordward ainda revela na obra que, no dia 28 de janeiro, o republicano teve uma reunião no Salão Oval da Casa Branca para debater a situação do coronavírus. O subconselheiro de segurança nacional, Matthew Pottinger, disse no encontro que informações vindas da China - então epicentro da pandemia - indicavam que o coronavírus era uma emergência tão grave quanto a gripe espanhola, que deixou cerca de 50 milhões de mortos em 1918.
"Essa será a maior ameaça à segurança nacional que você vai enfrentar em sua presidência. Isso será a coisa mais difícil que você vai enfrentar", disse a Trump na reunião o conselheiro de segurança nacional, Robert O'Brien, de acordo com o livro.
Woodward, disse que entrevistou Trump 18 vezes durante a realização da obra, incluindo as ligações telefônicas. Todas as conversas foram gravadas com autorização do presidente.
O livro inclui ainda detalhes da cúpula do governo, incluindo uma série de críticas ao presidente feita por antigos auxiliares. A lista inclui o ex-secretário de Defesa James Mattis, o ex-secretário de Estado Rex Tillerson e o ex-diretor de inteligência nacional Dan Coats.
Bob Woodward é um dos jornalistas mais respeitados dos EUA. FOTO: JIM WATSON/AFP/JC
Woodward é um dos mais respeitados jornalistas da história norte-americana, conhecido principalmente por ter revelado, ao lado de Carl Bernstein, o escândalo de Watergate. A série de matérias sobre o caso feita pela dupla para o Washington Post entre 1972 e 1974 acabou por levar o então presidente Richard Nixon à renúncia.