Desde 2010, uma mulher de niqab - véu muçulmano que deixa apenas os olhos à mostra - ou burca que se recuse a tirá-los para entrar no metrô de Paris é multada em até € 150 (cerca de R$ 900,00). A partir de 11 de maio, começou a ser multada também em € 135 (R$ 810,00) se não cobrir o rosto com uma máscara no mesmo metrô de Paris.
Uma regra não anula a outra, e isso tem sido chamado de paradoxo, principalmente pela imprensa norte-americana, e, por alguns ativistas, até de hipocrisia. "A islamofobia poderia ser mais transparente que isso?", escreveu em sua rede social o diretor-executivo da ONG Human Rights Watch, Kenneth Roth, no dia 11 de maio.
O post era ilustrado com uma foto do presidente francês, Emmanuel Macron, de máscara, e remetia para uma reportagem do jornal norte-americano The Washington Post sobre o assunto.
"Isso não é hipocrisia. É a politização de comentários jocosos feitos em rede social, que faz o debate se concentrar em um tema sem expressão concreta nas ruas ou na sociedade francesa", reagiu o cientista político francês Olivier Roy, professor da Universidade Europeia de Florença, em entrevista ao site Arab News.
A coexistência de leis que proíbem o rosto coberto por véus e obrigam o rosto coberto por máscaras em espaços públicos não é exclusividade da França. Na Europa, Bélgica, Bulgária, Áustria, regiões da Alemanha e da Itália, e a Dinamarca também impedem faces cobertas; destes, só o governo dinamarquês não impôs o uso de máscaras.
Fora da Europa, na província canadense de Quebec, de língua francesa, os véus, banidos em 2017, voltaram à tona com a pandemia de coronavírus: "Somos todos niqabs agora!", diz o título de análise da especialista em política islâmica da Universidade de Toronto Katherine Bullock.
A França não é a única a legislar sobre o assunto, mas abriu a fila e é o palco preferido para esse tipo de discussão. Proibiu rostos cobertos em público em 2010, sob três argumentos: 1) só as faces descobertas permitem a verdadeira socialização; 2) ser capaz de identificar as pessoas é questão de segurança pública; e 3) o Estado francês é laico (o que levou o país a banir, já em 2004, o uso de símbolos religiosos nas escolas públicas, dos quais o mais visível era o véu muçulmano).
O debate sobre a compatibilidade entre islamismo e a cultura política francesa esquentou depois de uma decisão do órgão de combate à discriminação e igualdade (Halde), em 2008.
Ao julgar um departamento público que impediu aluna de usar burca, a Halde decretou que a vestimenta "carrega o significado da submissão de mulheres, que vai além de seu escopo religioso e mina os valores republicanos".
Esse debate desembocou na lei de 2010, que nunca foi questão pacífica. Feministas a atacaram e aplaudiram, as primeiras por verem nos véus uma escolha legítima, que, ao ser proibida, condena mulheres religiosas a nunca mais saírem de casa, e as segundas por enxergarem neles um "instrumento de segregação e de controle sobre o corpo e a sexualidade feminina".