Em resposta ao último feriado, um dos mais violentos dos últimos anos no Estado, com o registro de mais de dez feminicídios, o governo do Rio Grande do Sul lança nesta quinta-feira (24) uma nova funcionalidade na Delegacia Online da Polícia Civil. A plataforma permitirá que vítimas de violência doméstica solicitem medidas protetivas de urgência pela internet, por meio da ferramenta DOL Mulher. O objetivo é ampliar e agilizar o acesso à proteção.
A decisão de antecipar o lançamento da nova funcionalidade foi tomada após o fim de semana prolongado de Páscoa e Tiradentes marcado por tragédias. Entre a última sexta e segunda-feira, o Estado registrou 10 feminicídios — dois em Ronda Alta, e um nos municípios de Feliz, Pelotas, Serafina Corrêa, Santa Cruz do Sul, Viamão, Bento Gonçalves, São Gabriel e Parobé. Nenhuma das vítimas contava com medida protetiva. Em apenas dois casos havia registros policiais anteriores — e, ainda assim, sem indícios de risco iminente.
“Esses números reforçam a urgência de facilitar o acesso às medidas protetivas”, afirma o delegado Christian Nedel, diretor do Departamento de Proteção a Grupos Vulneráveis da Polícia Civil do Rio Grande do Sul. Segundo ele, os dados de 2025 já apontam 28 feminicídios no Estado, sendo apenas um em Porto Alegre. Em 93% dos casos, não havia medida protetiva em vigor. Para Nedel, isso evidencia que o principal desafio não está na resposta do sistema, mas no primeiro passo: a formalização do pedido de ajuda.
Até então, o registro de ocorrência podia ser feito online, mas o pedido de medida protetiva exigia comparecimento presencial à delegacia. Essa barreira, segundo o delegado, afasta muitas mulheres que enfrentam medo, vergonha ou dificuldades de deslocamento. “É por isso que a nova plataforma tem potencial de salvar vidas. A internet pode ser a porta de entrada para vítimas que não conseguiriam buscar ajuda de outra forma”, explica.
A ferramenta digital foi desenvolvida ao longo de 2024, em parceria com a Secretaria de Segurança Pública e o Programa RS Seguro. Ela permitirá que a vítima relate os fatos e solicite diretamente a medida protetiva por meio de um formulário. O sistema gerará um alerta de urgência para o servidor plantonista, que poderá encaminhar o pedido ao Judiciário em poucos minutos, pelo sistema eProc.
“O fluxo será mais ágil e eficiente”, destaca Nedel. A Polícia Civil continuará tendo até 48 horas para formalizar o pedido junto ao Poder Judiciário, mas, na prática, a tramitação deve ser muito mais rápida. Em muitos casos, a análise judicial poderá ocorrer no mesmo dia — o que pode ser decisivo para evitar novas violências.
Hoje, o Rio Grande do Sul conta com 23 Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs) e cerca de 90 Salas das Margaridas — espaços humanizados para acolher vítimas de violência doméstica. A Divisão de Proteção e Atendimento à Mulher (Dipam), vinculada ao departamento comandado por Nedel, também coordena o monitoramento eletrônico de agressores, com cerca de 300 tornozeleiras em uso atualmente.
Apesar disso, os feminicídios seguem ocorrendo, muitas vezes sem qualquer aviso prévio. Para o delegado, a subnotificação ainda é o maior obstáculo. “Boa parte das vítimas nunca procurou a polícia. Sem esse primeiro contato, fica muito difícil o Estado agir preventivamente”, avalia. Agora, a expectativa é que a medida protetiva online amplie significativamente esse primeiro contato.
A funcionalidade, segundo a Polícia Civil, já foi discutida em reuniões com os delegados das 29 regiões do Estado, e as equipes de plantão foram orientadas para lidar com a nova demanda. A plataforma passou pelos últimos testes técnicos na tarde desta quarta-feira (23), mas até a publicação desta reportagem ainda não havia um horário definido para o lançamento.