A longa espera pela chegada da perícia após a morte de uma professora em Rio Grande, relatada pelo Jornal do Comércio no início deste mês, expôs mais uma vez um problema crônico da segurança pública gaúcha: a precariedade do Instituto-Geral de Perícias do Rio Grande do Sul (IGP-RS). Com efetivo insuficiente e jornadas extenuantes, o órgão enfrenta dificuldades especialmente no Interior do Estado, segundo associações ligadas aos profissionais da área.
De acordo com a presidente da Associação dos Peritos Criminais do RS (Acrigs), Cristiane Marzotto, o caso que iniciou este texto não é uma exceção. "Com o efetivo atual, situações como essa acabam acontecendo constantemente. Isso porque o Estado acaba não tendo mecanismos, por vezes, para suprir demandas simultâneas em cidades diferentes", explica.
Embora o IGP-RS tenha nove coordenadorias regionais fora de Porto Alegre, responsáveis por dezenas de municípios, nem esses polos conseguem manter escalas regulares. Segundo a Acrigs, das 509 vagas previstas apenas para peritos criminais, 283 estão preenchidas — e cerca de 190 desses profissionais atuam na Capital. Na prática, cada coordenadoria opera com, em média, dez peritos.
"Qualquer licença ou período de férias desestrutura completamente o plantão. Há regiões em que estamos com apenas sete peritos fixos", relata.
A sobrecarga e o contato constante com cenas violentas também têm levado ao aumento de afastamentos por questões psicológicas, sobretudo no Interior. "Além de atender os casos, os peritos revivem cada detalhe ao elaborar os laudos. São anos nessa rotina pesada, sem alívio à vista e com muita sobrecarga", explica a presidente da Acrigs.
A dificuldade de retenção dos servidores agrava o quadro. "O Estado investe pesado na formação do perito, que é cara e leva anos, mas depois perde esse profissional para outras regiões", diz Cristiane. Nos últimos meses, pelo menos nove peritos gaúchos foram aprovados em concursos em Santa Catarina e no Paraná, onde os salários são mais atrativos e a experiência anterior conta pontos na seleção.
A crise, no entanto, vai além dos peritos criminais. Médicos-legistas, papiloscopistas, técnicos e fotógrafos criminalísticos também enfrentam condições semelhantes. De acordo com a vice-presidente do Sindicato dos Servidores do IGP (Sindiperícias), Carla Jung, o Instituto opera hoje com cerca da metade do efetivo considerado ideal em todas as áreas. São aproximadamente 750 profissionais na ativa, quando o necessário seria o dobro.
Para ela, a principal causa da escassez é a falta de concursos regulares. Embora o governo tenha anunciado recentemente um edital com 70 vagas para peritos, o número está longe de compensar o déficit acumulado. "Sem concursos frequentes, como já acontece na Polícia Civil e na Brigada Militar, o quadro continuará encolhendo", alerta.
Outro agravante é a logística dos atendimentos. Em alguns casos, servidores precisam percorrer até 700 quilômetros para atender uma ocorrência. "Mesmo com peritos em todas as regionais, a distribuição é desigual. A área de cobertura é imensa, o que torna o trabalho fisicamente e emocionalmente exaustivo", afirma Carla.
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Para o sindicato, além de recompor o efetivo, é urgente repensar a organização territorial do IGP. Entre as principais reivindicações estão a criação de novas coordenadorias regionais e uma redistribuição mais equilibrada dos profissionais no Estado.