A malha ferroviária do Rio Grande do Sul já enfrentava décadas de falta de investimentos e baixa competitividade. No entanto, o cenário se agravou com as enchentes de 2024, que deixaram 759 quilômetros de trilhos inoperantes, quase metade da extensão que estava em funcionamento antes da calamidade. Além disso, o Estado perdeu a conexão férrea com o restante do País, interrompendo o transporte de líquidos como etanol e demais combustíveis.
Os dados foram apresentados pelo vice-governador, Gabriel Souza, nesta quarta-feira (2), durante reunião da Câmara Temática do Conselho do Plano Rio Grande, que discutiu alternativas para o sistema. A análise aponta que, dos 3.823 quilômetros concedidos à concessionária Rumo Malha Sul, apenas 921 estão operacionais. "Estamos sem conexão ferroviária com o restante do Brasil. Se um trem do oeste do Paraná quisesse vir ao Rio Grande do Sul, como já aconteceu no passado, não conseguiria mais. Isso escancara a fragilidade do nosso modal", afirmou Souza.
A deterioração da malha ferroviária gaúcha não é recente. Desde 1997, quando o sistema foi concedido à iniciativa privada, a falta de modernização resultou em trilhos sucateados e locomotivas ultrapassadas. O Estado opera com material férreo da década de 1970, enquanto outras regiões do país já contam com vagões de alumínio e locomotivas mais eficientes. "Nossos trens circulam a uma média de 12 km/h. Se alguém correr ao lado, chega antes", ironizou.
A perda de competitividade também se reflete na movimentação de cargas. Nos últimos 18 anos, o volume transportado caiu quase 60%. Produtos siderúrgicos, que representavam 12% da carga em 2013, deixaram de ser movimentados. Além disso, apenas 2% dos fertilizantes utilizados no Estado chegam por ferrovia, apesar de esse ser um tipo de carga que poderia viabilizar o modal no retorno do transporte de grãos.
Diante desse quadro, o governo gaúcho realizou um estudo detalhado sobre a malha ferroviária, considerando alternativas para otimização da rede. Entre as propostas, três novos traçados foram avaliados. O mais viável seria um trecho de 112 quilômetros entre Santa Maria e São Gabriel, com investimento estimado de R$ 1,4 bilhão. Outra opção prevê uma ligação direta entre Santa Maria e Bagé, com 213 quilômetros e custo de R$ 3,1 bilhões. Já a alternativa mais ambiciosa ligaria Santa Maria a Capão do Leão, permitindo acesso direto ao Porto de Rio Grande, com 339 quilômetros e investimento de R$ 4,13 bilhões.
Um desafio apontado, porém, é a suposta concentração dos investimentos federais no Centro-Oeste, em detrimento do Sul. Gabriel Souza criticou essa estratégia, argumentando que o Rio Grande do Sul segue como um dos principais polos produtivos do Brasil. "Não há razoabilidade em direcionar os investimentos apenas para lá. Continuamos sendo o terceiro maior produtor do país. Não é lógico pensar o desenvolvimento nacional ignorando a necessidade de infraestrutura logística para o Sul", pontuou.
O estudo do governo gaúcho também prevê a revitalização de trechos existentes e a atualização do material rodante. No entanto, qualquer cenário dependerá de uma modelagem financeira que garanta viabilidade econômica. A devolução onerosa de trechos inativos e a necessidade de subsídios para novos traçados estão entre os pontos que exigem negociações com a União e a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).