A Lei nº 14.182/2025, sancionada pela prefeitura de Porto Alegre no início deste ano, institui a política pública de internação humanizada para pessoas em situação de rua ou em vulnerabilidade social, com foco no tratamento de dependência química e transtornos mentais. A medida prevê a internação, com ou sem consentimento, conforme avaliação profissional, e oferece transporte para reconexão familiar após a alta. A aprovação, no entanto, gerou debate, havendo divergências sobre sua necessidade e efetividade.
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Para Maria Gabriela Curubeto Godoy, professora do Departamento de Saúde Coletiva da Escola de Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), a legislação municipal é redundante, já que leis federais já regulamentam a internação psiquiátrica e de dependentes químicos, como as leis 10.216/2001 e 13.840/2019. "Já há legislação suficiente para tratar disso. A criação de uma norma local pode gerar interpretações distintas e dificuldades na aplicação", pontua.
Ela critica ainda a falta de clareza sobre os locais de internação previstos na lei e alerta para o risco do uso de comunidades terapêuticas que não seguem as diretrizes da reforma psiquiátrica. "Não há garantia de que essas internações serão feitas em hospitais gerais ou serviços públicos qualificados. Isso pode resultar na utilização de instituições inadequadas, onde já houve casos de violação de direitos e maus-tratos em outros momentos", alerta.
A docente também questiona a eficácia da internação sem consentimento para dependentes químicos. "O tratamento involuntário não é mais eficaz do que a abordagem voluntária, quando a própria pessoa reconhece seu problema e decide buscar ajuda. Sem um acompanhamento pós-alta e uma rede de apoio eficiente, a probabilidade de recaída é muito alta", explica. Para ela, o problema precisa ser tratado de forma mais ampla, com políticas que garantam acesso à moradia, suporte psicológico contínuo e programas de geração de renda.
A vereadora Cláudia Araújo (PSD), autora da proposta, argumenta que a lei responde a uma demanda crescente por tratamento, principalmente, de dependentes químicos na Capital. Segundo ela, o modelo atual de internação é insuficiente, com tratamentos curtos para desintoxicação. "A proposta é garantir um tratamento mais longo, de até 240 dias, permitindo uma reabilitação completa, com um plano estruturado para a reinserção social", afirma. A parlamentar reforça que a internação será realizada mediante avaliação médica e que não se trata de uma medida coercitiva. "Não se trata de forçar o tratamento, mas de garantir o tempo necessário para que a pessoa tenha condições reais de se recuperar", defende.
A lei também prevê a criação de programas de reintegração social para os pacientes após a internação, segundo ela. Entre as medidas estão cursos de profissionalização, incentivo ao ingresso no mercado de trabalho e apoio para reconstrução de vínculos familiares. "Queremos que essas pessoas não apenas saiam da internação, mas que tenham estrutura para recomeçar suas vidas com autonomia", diz Cláudia.