Com o término do primeiro mês do ano, chega ao fim também o Janeiro Branco, campanha nacional voltada para a conscientização sobre saúde mental. No Rio Grande do Sul, a rede pública de atendimento tem avançado na descentralização dos serviços, mas o maior desafio permanece estrutural, especialmente diante do aumento da demanda após a enchente histórica de maio de 2024.
A saúde mental, fundamental para o bem-estar geral, envolve fatores como qualidade de vida, vínculos sociais e acesso a tratamento adequado. Especialistas alertam que transtornos como ansiedade e depressão têm se tornado cada vez mais frequentes, agravados por crises socioeconômicas e eventos traumáticos. A Política Nacional de Saúde Mental do Brasil orienta um modelo de atendimento comunitário, com foco no cuidado em liberdade e no acompanhamento territorializado.
Em Porto Alegre, o acesso ao atendimento começa nas Unidades Básicas de Saúde (UBS), onde médicos de família estão preparados para lidar com casos iniciais. Algumas unidades contam com as Equipes Multidisciplinares (E-Multi), formadas por psicólogos, assistentes sociais, nutricionistas e fisioterapeutas. Para casos mais complexos, existe uma rede especializada composta por equipes de saúde mental para adultos (Esma) e para a infância e adolescência (Esca), além de oito Centros de Atenção Psicossocial (Caps).
De acordo com Marta Fadrique, coordenadora de Atenção à Saúde Mental de Porto Alegre, os serviços têm se adaptado à alta demanda provocada pelas cheias do ano passado, quando milhares de pessoas perderam suas casas e viram suas rotinas desestruturadas. "Houve um aumento significativo na procura por acolhimento, especialmente para sintomas como insônia, ansiedade e estresse pós-traumático. Tivemos que reforçar a integração entre os serviços, tornando o atendimento mais ágil e acessível", afirma.
Nos casos mais graves, Porto Alegre dispõe de duas emergências 24 horas especializadas em saúde mental: o Pronto Atendimento Cruzeiro do Sul (Pacs) e o Plantão de Emergência em Saúde Mental IAPI, ambos com atendimento 24 horas. "Esses serviços garantem atendimento imediato para aqueles em sofrimento intenso, evitando que a única opção seja a emergência geral, onde nem sempre há profissionais especializados", explica Marta.
Em nível estadual, a Secretaria da Saúde (SES) mantém 206 Centros de Atenção Psicossocial (Caps) em diversas cidades gaúchas. Para lidar com os impactos da tragédia, a pasta destaca a importância do apoio comunitário no processo de recuperação da saúde mental. "A retomada da rotina e dos vínculos sociais é crucial para superar os efeitos emocionais da enchente. Às vezes, uma simples caminhada com amigos ou uma roda de chimarrão pode ser tão benéfica quanto uma consulta profissional. Por isso, incentivamos o fortalecimento das redes de apoio, fundamentais na prevenção e no enfrentamento das crises emocionais", diz a Secretaria em nota.
Contudo, o Conselho Regional de Psicologia do Rio Grande do Sul (CRPRS) aponta desafios estruturais persistentes. Flávia Cardozo de Mattos, coordenadora da área técnica da entidade, destaca que a falta de profissionais e o uso de contratos temporários têm sobrecarregado os serviços. "Temos boas equipes, mas muitas delas estão reduzidas e sobrecarregadas. O investimento contínuo em saúde mental é essencial para garantir um atendimento eficaz e preventivo", alerta.
Ela menciona ainda que uma das principais dificuldades enfrentadas pelos usuários do SUS é a demora para conseguir acompanhamento psicológico regular. "Os Caps desempenham um papel essencial, mas a oferta de vagas não atende toda a demanda. Isso faz com que muitas pessoas desistam ou só busquem ajuda em momentos de crise, dificultando o tratamento", explica.
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Com a alta demanda por atendimento psicológico, a orientação principal é que qualquer pessoa em sofrimento busque a unidade de saúde de referência, que poderá encaminhá-la para um serviço especializado, se necessário. O Janeiro Branco chega ao fim, mas o desafio da saúde mental continua, reforçando a necessidade de um olhar atento e permanente para a rede de atendimento no Estado.