Doze anos após a tragédia na Boate Kiss, em Santa Maria, os órgãos envolvidos nos processos judiciais tornaram público as partes relevantes da documentação, durante coletiva realizada nesta quarta-feira (29), em Porto Alegre.
A Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM) e o Sindicato dos Engenheiros do RS (Senge) denunciaram três instituições públicas: o Ministério Público do Rio Grande do Sul (MPRS), o Estado do RS, por meio do Corpo de Bombeiros Militar e o município de Santa Maria. A denúncia foi levada à instituição em 2017 e a notificação da decisão ocorreu em 10 de setembro de 2024. A responsabilização das instituições é por ações tomadas antes, durante e após o acontecido.
Os envolvidos demandam, pelo acontecido, reconhecimento da violação do direito à vida, da integridade pessoal, do acesso à justiça e devido processo legal das 242 vítimas fatais, além dos 635 sobreviventes e dos familiares envolvidos na tragédia de 2013.
O presidente da AVTSM, Flávio Silva, presente no ato nesta quarta-feira, emocionou-se ao falar sobre a tragédia. "Se estamos aqui, é porque violências graves aconteceram. Principalmente contra nós, pais, sobreviventes e familiares. Fomos ofendidos brutalmente por esse desmando da justiça", exclamou.
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"Fomos ofendidos brutalmente por esse desmando da justiça", exclamou Flávio Silva, presidente da AVTSM
EVANDRO OLIVEIRA/JC
De acordo com Silva, o sentimento de revolta ocorre pela injustiça, e ele espera que a petição sirva para possibilidade de mudanças, inclusive no campo da prevenção a incêndios. Para ele "cada vez que acontece uma nova tragédia, aquela ferida acaba reabrindo".
O julgamento pela tragédia ocorrida em Santa Maria aconteceu em dezembro de 2021, no qual o Tribunal do Júri condenou dois sócios da boate e dois integrantes da banda Gurizada Fandangueira a penas que variam de 18 a 22 anos de prisão. Porém, por questões processuais, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ/RS) anulou o julgamento pelo júri popular, e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve a anulação.
O caminho para a justiça, acredita Silva, está mais próximo com a responsabilização da conduta de agentes públicos, o que não ocorreu na época. Um dos pontos centrais da denúncia é a morosidade atribuída ao processo.
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) inaugurou, em janeiro deste ano, a etapa do estudo do mérito do processo. Na análise, a CIDH percebeu que o processo penal não havia avançado até 2021, data do julgamento. O órgão apura, na admissibilidade, que, embora o inquérito policial tenha sido célere, as etapas subsequentes foram notadamente lentas e problemáticas, “com a denúncia de mais de 10 anos sem que o processo penal alcançasse seu fim, e sem o trânsito em julgado”, afirma Tâmara Biolo, advogada representante da AVTSM.
De forma anterior à tragédia, o processo afirma que houve falta de fiscalização e permissão para o local operar sem a devida documentação. “A Boate Kiss não funcionou um dia sequer de forma regular. Ela nunca teve todos os alvarás e licenças que a lei exigia”, complementa Tâmara.
Durante o incêndio e o andamento do processo, houve, por parte da Procuradoria de Santa Maria, uma “culpabilização das vítimas”, assim como intimidação. Segundo Tâmara, o MPRS processou criminalmente pais e vítimas por calúnia e difamação após artigos de jornais e outros tipos de depoimentos. Já os bombeiros não possuíam os equipamentos adequados nem produziram o salvamento necessário.
Já após o ocorrido, a denúncia implica que a conduta dos servidores não foi apurada e os bombeiros foram julgados pela justiça militar, mesmo perante crimes que envolvam civis. Já o Ministério Público, por sua vez, realizou o arquivamento das ações contra todos agentes públicos, e não investigou a atuação dos próprios promotores.