Ciro Martins, 71 anos, nunca imaginou que a solidão se tornaria sua maior companheira. Após a morte de sua esposa, em 2023, os dias passaram a se arrastar, sem cor ou propósito. "No começo, achei que era só luto, algo que logo ia passar. Mas os meses se estendiam e eu me sentia cada vez mais apagadinho", recorda.
O afastamento gradual da família e dos amigos foi notável. Os passeios tornaram-se cada vez mais raros, os hobbies perderam o encanto e até as visitas dos netos pareciam distantes. O ponto de virada ocorreu quando um ex-colega de trabalho fez uma observação simples, mas impactante: "Você ainda está aqui, mas não está vivendo." A frase ecoou na mente do aposentado e o levou a buscar ajuda profissional. O diagnóstico foi claro: depressão.
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O caso de Ciro não é isolado. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 13,2% das pessoas entre 60 e 64 anos já receberam o diagnóstico de depressão no Brasil, uma porcentagem maior que a média nacional de 10,2% para pessoas acima dos 18 anos. O aumento é ainda mais expressivo entre os idosos mais velhos: entre 2013 e 2019, a depressão cresceu 48% entre aqueles com 75 anos ou mais.
Com o envelhecimento, fatores biológicos e sociais se entrelaçam, tornando os idosos mais suscetíveis à doença. A redução de neurotransmissores como serotonina e dopamina pode afetar profundamente o humor e a motivação. Além disso, o uso de certos medicamentos, comuns na terceira idade, podem intensificar os sintomas. A solidão e o isolamento social também são gatilhos importantes para o desenvolvimento da depressão.
Ciro iniciou um tratamento que incluiu terapia e antidepressivos. No início, ele desconfiava de que simplesmente falar sobre seus sentimentos faria diferença. Contudo, aos poucos, percebeu que externalizar suas emoções ajudava a organizar a mente. Seu terapeuta sugeriu que retomasse atividades cotidianas. "No começo, tudo parecia um grande esforço. Mas um dia, fui assistir a um jogo de futebol, depois aceitei um convite para reencontrar antigos colegas e, sem perceber, comecei a me sentir vivo de novo", conta.
Para o professor Alfredo Cataldo Neto, especialista em saúde mental na terceira idade e docente da Escola de Medicina da Pucrs, o envelhecimento ainda é cercado de preconceitos. "O idoso muitas vezes é colocado em segundo plano, como se sua vida tivesse menos valor. Isso pode levá-lo a acreditar que não precisa de ajuda, que já viveu o suficiente e que não vale a pena tratar a depressão", alerta.
Além disso, os sintomas da depressão em idosos podem ser diferentes dos manifestados em outras faixas etárias. Enquanto os mais jovens costumam expressar seu sofrimento emocional de maneira explícita, os mais velhos tendem a apresentar queixas físicas, como dores no peito ou no estômago. "É comum que o idoso diga 'estou com um aperto no coração', em vez de afirmar que está ansioso ou deprimido. Por isso, é fundamental que os profissionais de saúde estejam atentos a esses sinais", explica o especialista.
A solidão, intensificada por mudanças familiares e a perda de cônjuges, é um dos maiores desafios da velhice. No Brasil, a taxa de suicídio entre idosos aumentou nos últimos anos, subindo de 6,8 para 7,8 a cada 100 mil habitantes entre 2010 e 2019, conforme dados do Ministério da Saúde. No Rio Grande do Sul, o cenário exige ainda mais atenção, especialmente se considerarmos as projeções para as próximas décadas: o IBGE prevê que, em 2070, 40% da população gaúcha terá mais de 60 anos.
O professor Cataldo Neto ressalta que a chave para um envelhecimento mentalmente saudável está na manutenção de conexões sociais e no acesso a cuidados adequados. "Atividades em grupo, como caminhadas, leitura e dança, podem fazer toda a diferença. É fundamental que as famílias compreendam a importância de incluir os idosos no convívio social e incentivem a busca por tratamento quando necessário", afirma.
Para Ciro, o que realmente transformou sua vida foi se reconectar com as pessoas. "Não foi o remédio que me curou, mas voltar a estar no mundo. Aprendi que nunca é tarde para recomeçar."
* Esta matéria integra uma série especial sobre o Janeiro Branco. Na quinta-feira (30), serão abordados os serviços para atendimentos psicológicos disponíveis no Rio Grande do Sul.