Apesar dos esforços dos governos municipais, estadual e federal para recuperar as áreas afetadas pela enchente histórica de maio de 2024, o Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) alerta que o progresso e a eficiência das obras estão comprometidos pela ausência de estudos fundamentais. De acordo com o professor Fernando Meirelles, representando a visão consolidada do órgão, a lentidão de algumas ações reflete tanto a complexidade dos projetos quanto a falta de informações atualizadas sobre a infraestrutura fluvial e topografia do Estado.
"Hoje, não temos dados suficientes para planejar adequadamente. Sem um levantamento batimétrico e topográfico atualizado, não é possível avaliar a eficiência dos projetos propostos nem indicar mudanças", afirma. Segundo ele, muitas obras ainda utilizam como base estudos da década de 1970, que estão defasados devido às mudanças naturais e urbanísticas ocorridas desde então.
A primeira etapa da reconstrução do Estado, segundo o IPH, deveria ter passado pela realização de um levantamento detalhado para compreender a situação atual. Isso inclui mapear o sistema fluvial, registrar as áreas atingidas pela cheia e revisar os critérios técnicos das obras existentes, como o dique do Sarandi, em Porto Alegre. "Mesmo com a cota recomposta, ela ainda está abaixo do projeto original e não resistiria a uma cheia como a última", alerta o professor, sobre a primeira etapa de elevação da estrutura, finalizada na última semana pela prefeitura da Capital.
Meirelles ainda reconhece os esforços do governo estadual em incluir a comunidade científica no planejamento das ações, mas ressalta que o processo tem sido lento. "Já passamos os termos de referência ao governo em junho de 2024 para essa atualização de informações, mas o edital de contratação dos estudos ainda não foi lançado. Isso até é compreensível, dado o número de especialistas e instituições envolvidas, mas precisamos avançar."
Para o IPH, o caminho adotado é tecnicamente correto, mas ainda insuficiente para lidar com os desafios impostos pelas mudanças climáticas e pela urbanização acelerada. "A cheia de 2024 nos mostrou que precisamos revisar toda a lógica de planejamento. Sem dados confiáveis, continuaremos vulneráveis a eventos climáticos extremos."
Em Porto Alegre, como citado, as obras emergenciais também enfrentam desafios, mas não contam com auxílio do Instituto, que não foi solicitado. De todo modo, Meirelles sugere que a prefeitura priorize o mapeamento completo das áreas inundadas e realize auditorias detalhadas no sistema de drenagem. Ele também enfatiza a importância da conscientização da população sobre o descarte correto de resíduos, para evitar o agravamento dos problemas de escoamento.
Na Região Metropolitana, projetos como os dos arroios Feijó aguardam definições técnicas mais precisas. "As intervenções previstas são necessárias, mas não podemos avançar sem dados atualizados que assegurem sua eficácia", conclui.