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Publicada em 10 de Dezembro de 2024 às 18:05

Comissão da Verdade da Ufrgs busca organizar memória das violações da Ditadura Militar

Reitora destacou a importância de valorizar a memória de quem lutou pela democracia

Reitora destacou a importância de valorizar a memória de quem lutou pela democracia

andressa pufal/jc
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Thiago Müller
Thiago Müller Repórter
Após exatos dez anos da entrega do relatório final da Comissão Nacional da Verdade, foi instaurada nesta terça-feira (10) a Comissão da Memória e da Verdade “Enrique Serra Padrós” na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs). O órgão surge para investigar violações dos direitos humanos ocorridas no período em que vigorou a Ditadura Militar Brasileira, entre 1964 e 1988.
Após exatos dez anos da entrega do relatório final da Comissão Nacional da Verdade, foi instaurada nesta terça-feira (10) a Comissão da Memória e da Verdade “Enrique Serra Padrós” na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs). O órgão surge para investigar violações dos direitos humanos ocorridas no período em que vigorou a Ditadura Militar Brasileira, entre 1964 e 1988.
Presente na solenidade realizada no Salão de Atos da instituição, a atual reitora, Márcia Barbosa, destacou a importância de valorizar a memória de quem lutou pela democracia. "Nossa democracia é muito frágil, e trazer a memória de quem lutou tanto por ela é um resgate fundamental. Acima de tudo, é o ambiente sólido sobre o qual vamos estabelecer nosso futuro. Não podemos nos abaixar, nem achar que conquistamos todos os nossos direitos. Em um passado muito recente, em um piscar de olhos, perdemos nossos direitos trabalhistas, por exemplo", afirmou.
Durante o regime, ocorreram duas ondas de expurgos na universidade. Esse processo de expulsão sumária resulta na perda de emprego ou matrícula, do direito de exercício da profissão em âmbito público e, no caso de professores, alunos ou técnicos estrangeiros, da permanência no Brasil. 
Roberta Camineiro Baggio, professora da Faculdade de Direito e coordenadora-geral da Comissão, explica que, enquanto uma parte do processo será dedicada à história documental do período, o grupo também buscará remontar registros orais com depoimentos de expurgados ou familiares. “Já existe um trabalho em curso dentro da universidade. Mas é evidente que pretendemos fazer uma grande campanha de arrecadação de documentos, sessões públicas para escuta dos técnicos, estudantes, professores e familiares da época”, afirma.
A portaria dá a competência necessária para buscar e organizar os documentos possivelmente existentes sobre a época, realizar sessões de oitivas com expurgados e familiares para entregar um relatório final, daqui a dois anos. Isso pode envolver dados oficiais do estado brasileiro, processos da comissão de anistia, e contar com material da própria Comissão Nacional da Verdade, conforme prevê Roberta.
O primeiro ato do órgão será, segundo Roberta, receber arquivos recém-achados durante uma limpeza no período das enchentes. O estado intocado dos documentos irá necessitar do auxílio dos cursos de arquivologia. O relatório final deve ser entregue daqui a dois anos.
O nome da comissão é em homenagem ao professor do Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Ufrgs, Enrique Serra Padrós, que, durante sua trajetória acadêmica se dedicou à pesquisa sobre regimes autoritários na América Latina.

Os expurgos e o que há para descobrir

A primeira onda de expurgos ocorreu após o golpe em 1964; a segunda, durante o vigor dos anos de chumbo, período de maior repressão, em 1969, por meio do Decreto n°477. Foram punição para quaisquer profissionais que incitassem, participassem ou frequentassem atos destinados à organização de movimentos subversivos ou ainda punia quem carregasse materiais também considerados subversivos. Nesse segundo momento, não havia julgamento por comissões.
A partir do primeiro período, comissões surgiam para pesquisar a presença de elementos subversivos em vários locais do poder público, assim como Universidades. Houveram várias prisões sem que, segundo o relatório da Comissão Nacional da Verdade sobre Violações de Direitos Humanos na Universidade, existam dados sistematizados acerca da quantidade de estudantes, professores e funcionários. 
As comissões, com supervisão do exército, tinham uma aparente legalidade, legitimada como órgão de investigação. “Para a comissão deviam ser apresentadas as defesas das pessoas da lista [de possíveis expurgados], mas essas pessoas sequer sabiam os motivos dos expurgos”, explica Carla Simone Rodeghero, doutora em história e integrante da Comissão.
Relata também que, em muitos casos, o afastamento por justificativas ideológicas acabava, por vezes, favorecendo o uso de denúncias como válvula de escape para rivalidade ou discordância de profissionais. Este seria um ponto em que a Comissão deve avançar ou dar publicidade, já que, segundo a pesquisadora, já existem materiais acerca.
A forma como a repressão atingiu os estudantes e técnicos é mais difusa. Não houve a constituição de um órgão para definir as respectivas expulsões. São elementos que podem ser melhor explorados e conhecidos, à medida que a análise de documentos é feita, conforme explicação de Carla.
A pesquisadora prevê que também podem ser objetos de pesquisa as transformações educacionais e estruturais, e como a gestão da Universidade foi atingida pelas decisões do Ministério da Educação, e a criação ou fechamento de determinados cursos, valorizando-os em detrimentos de outros.
Ela cita também a criação do Campus do Vale, no bairro agronomia, afastando determinados cursos universitários de espaços de participação política e a imposição de determinados conteúdos programáticos obrigatórios para qualquer curso de graduação ou pós-graduação, como uma matéria "Moral e Cívica" do período.

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