Na reta final de um ano marcado por eventos climáticos extremos no Rio Grande do Sul, pesquisadores gaúchos partirão, no próximo dia 22, para a maior travessia antártica já liderada pelo Brasil em toda a história. A Expedição Internacional de Circum-Navegação Costeira Antártica, com saída do porto de Rio Grande, percorrerá mais de 20 mil quilômetros em aproximadamente dois meses. A missão busca, entre outros objetivos, estudar as mudanças climáticas e a influência do continente gelado no clima do Estado.
A equipe, composta por 61 pesquisadores — dos quais 27 são brasileiros — navegará ao longo da costa da Antártica, chegando o mais próximo possível das frentes das geleiras. Liderado pelo pesquisador e explorador polar Jefferson Cardia Simões, do Centro Polar e Climático (CPC) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), o grupo conta ainda com cientistas da Argentina, Chile, China, Índia, Peru e Rússia. A Universidade Federal do Rio Grande (Furg) será a outra representante gaúcha na empreitada.
Durante a expedição, estão previstas 16 paradas estratégicas para a coleta de amostras de gelo — os chamados testemunhos. Nessas paragens, serão realizados estudos biológicos, químicos e físicos, caracterizando a missão como uma investigação multidisciplinar de grande porte.
Um dos principais focos da expedição é analisar a estabilidade dinâmica do manto de gelo antártico, que cobre o continente com uma espessura média de 2 km. Para Simões, é fundamental entender como essa camada está reagindo às mudanças ambientais.
“Saber se a posição de flutuação do manto de gelo da Antártica é estável ou não é uma das grandes preocupações científicas atuais. Precisamos entender essa dinâmica. E, ao longo do percurso, faremos diversos levantamentos geofísicos, amostragens do fundo marinho e coleta de neve e gelo, para isso”, descreve.
Outro objetivo central é identificar a resposta do Oceano Austral — que circunda a Antártica — ao aquecimento global. “Esse oceano está entre as regiões que apresentam algumas das mais rápidas alterações ambientais, como o aumento da temperatura de sua superfície, maior acidez devido à absorção de dióxido de carbono e a redução da salinidade causada pelo derretimento do gelo do continente”, explica Simões.
Ele comenta, ainda, que essas mudanças impactam toda a cadeia alimentar, desde micro-organismos até aves marinhas e cetáceos, e que o grupo de biólogos da expedição buscará compreender como essas transformações influenciam a biodiversidade da região.
Para realizar a travessia e acessar o continente, a expedição utilizará o navio quebra-gelo científico Akademik Tryoshnikov, do Instituto de Pesquisa Ártica e Antártica, de São Petersburgo, na Rússia. A missão contará também com um levantamento aéreo inédito das massas de gelo, monitorando o comportamento das geleiras diante das mudanças climáticas. O financiamento é 97% custeado pela fundação suíça Albédo pour la Cryosphère.
Ao final da jornada, o professor Jefferson Simões espera que os resultados da expedição proporcionem avanços significativos para a ciência climática. Entre as metas principais, destacam-se a elaboração de cenários mais precisos sobre o impacto das mudanças climáticas na sociedade, contribuindo para previsões meteorológicas mais eficazes e para projeções de aumento do nível do mar ao longo dos próximos 100 anos.