Um dos aspectos que mais tende a impactar o Rio Grande do Sul nos próximos anos é algo que passa despercebido no dia a dia dos gaúchos: a inversão da pirâmide etária. Isto é, cada vez mais a população do Estado está envelhecendo e, com a baixa na taxa de natalidade, o número de idosos já supera o de crianças. A longo prazo, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) prevê que 40% dos gaúchos terão acima de 60 anos em 2070; neste mesmo ano, a população geral deve ser 18,9% menor do que hoje.
Em números absolutos, o impacto também será significativo. A população idosa do Rio Grande do Sul irá chegar a 3,6 milhões em menos de cinco décadas. Além disso, a idade média, que era de 31 anos em 2000 e já subiu para 38,1 atualmente - maior do País - deverá alcançar 49,2 anos. A taxa de natalidade seguirá em declínio, projetada para 1,41 filhos por mulher já em 2035, indicando um futuro com cada vez menos nascimentos.
O diretor do Departamento de Economia e Estatística do Rio Grande do Sul, Pedro Zuanazzi, aponta que o envelhecimento populacional trará problemas diretos para o cenário fiscal e, por consequência, para a economia gaúcha. "É um grande desafio para as contas públicas, especialmente no que diz respeito à previdência. Com menos jovens entrando no mercado de trabalho, o déficit previdenciário cresce, reduzindo a margem de manobra para investimentos e despesas essenciais", destaca.
Para Zuanazzi, essa pressão exige novas estratégias, como o estímulo à produtividade e a adoção de tecnologias que fortaleçam a economia, principalmente nos setores de inovação. "Já passamos pelo período do bônus demográfico, quando a população ativa impulsionava o PIB de forma quase natural. Agora, a única forma de manter o crescimento econômico será através do aumento de produtividade. Sem isso, o Estado enfrentará sérias dificuldades econômicas", acrescenta.
De positivo, porém, ele enxerga que a mudança no perfil demográfico pode, paradoxalmente, contribuir para uma queda nos índices de criminalidade. "Estudos apontam que a maioria dos envolvidos em crimes violentos pertence à faixa etária dos 18 a 35 anos. Com a redução no número de jovens, a tendência é que os índices de criminalidade também diminuam", completa o economista.
Outro ponto crítico para o futuro do Estado é a capacidade do sistema de saúde em lidar com o crescimento da população idosa. Para o professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) Ronaldo Boldin, isso demandará uma transformação estrutural: "não estamos preparados para atender uma população como essa que está se formando. Com o envelhecimento, a probabilidade de surgirem problemas de saúde aumenta. Podemos esperar um aumento significativo de doenças crônicas, como hipertensão e diabetes, além de enfermidades neurológicas", alerta.
Boldin destaca, ainda, que a necessidade de atendimento à população com mais de 60 anos pressionará o Sistema Único de Saúde (SUS), exigindo investimentos robustos e políticas públicas focadas nos idosos. Ele também pede uma maior diversidade de perfis profissionais no sistema, sobretudo aqueles que atendem necessidades específicas da terceira idade.
"Segmentos como gerontologia e terapia ocupacional, que atendem necessidades específicas dos idosos, são minoritárias hoje em dia. Precisamos fortalecer esses setores para melhorar a qualidade de vida dessas pessoas. É um planejamento que precisa começar já. A demanda por cuidados especiais e assistência social aumentará exponencialmente nas próximas décadas, e o Estado precisa estar preparado para isso," completa.
Emancipação das mulheres colabora para baixa natalidade
A mudança na pirâmide etária reflete transformações estruturais que ocorrem em todo o Brasil, como o aumento da expectativa de vida e o avanço urbano. Sob o ponto de vista social, a docente Marília Ramos, também da Ufrgs, atribui a queda na natalidade, entre outros fatores, "a emancipação do corpo feminino".
"As famílias têm menos filhos, seja por questões financeiras ou pela autonomia que as mulheres conquistaram. Muitas priorizam a carreira antes de formar uma família, e isso impacta diretamente a taxa de natalidade, que caiu de 2,12 filhos por mulher, em 2000, para 1,51 em 2023", explica.
Marília observa também uma mudança cultural quanto ao tratamento com as crianças. "Há uma valorização maior da infância, e as famílias optam por ter menos filhos para garantir uma melhor qualidade de vida para cada um. Isso difere bastante das gerações anteriores, quando ter muitos filhos era comum", comenta.
No entanto, conforme alerta, essa mudança demográfica faz emergir um fenômeno preocupante: o etarismo, ou preconceito contra idosos. "Vivemos em uma sociedade que valoriza o corpo jovem, dificultando a integração dos mais velhos. Precisamos repensar esses valores para respeitar e valorizar o que eles têm a oferecer."
Segundo o IBGE, o pico populacional do Rio Grande do Sul deve ser atingido já em 2026, com 11.233.317 habitantes. A partir do ano seguinte, será registrado o chamado ponto de inflexão (momento em que a população deixa de crescer e começa a diminuir). A queda seguirá, ao menos, até 2070, quando o Estado terá 9.102.614 pessoas.
Antes, em 2054, Santa Catarina (10.411.015 habitantes) irá ultrapassar o Rio Grande do Sul em número de moradores (10.232.398). O estado mais populoso da Região Sul nesse momento será o Paraná, com 12.300.196 pessoas.