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Publicada em 28 de Outubro de 2024 às 10:58

Morte de Antonio Cícero reacende debate sobre eutanásia no Brasil

Decisão de Antonio Cícero reabriu o debate sobre a eutanásia, o suicídio assistido e a dignidade da morte

Decisão de Antonio Cícero reabriu o debate sobre a eutanásia, o suicídio assistido e a dignidade da morte

Eucana/Divulgação/JC
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Agência Brasil
"Queridos amigos, encontro-me na Suíça, prestes a praticar eutanásia. O que ocorre é que minha vida se tornou insuportável. Estou sofrendo de Alzheimer…". As palavras do poeta Antonio Cícero, de 79 anos, na carta que deixou, comoveram o Brasil. "Espero ter vivido com dignidade e espero morrer com dignidade". Ele morreu na Suíça, na quarta-feira passada (23), onde o suicídio assistido é permitido. A história do imortal da Academia Brasileira de Letras (ABL), autor de versos como "melhor se guarda o voo de um pássaro do que pássaros sem voos", além de emocionar, também reabriu o debate sobre assuntos polêmicos como eutanásia, suicídio assistido e dignidade da morte.
"Queridos amigos, encontro-me na Suíça, prestes a praticar eutanásia. O que ocorre é que minha vida se tornou insuportável. Estou sofrendo de Alzheimer…". As palavras do poeta Antonio Cícero, de 79 anos, na carta que deixou, comoveram o Brasil. "Espero ter vivido com dignidade e espero morrer com dignidade". Ele morreu na Suíça, na quarta-feira passada (23), onde o suicídio assistido é permitido. A história do imortal da Academia Brasileira de Letras (ABL), autor de versos como "melhor se guarda o voo de um pássaro do que pássaros sem voos", além de emocionar, também reabriu o debate sobre assuntos polêmicos como eutanásia, suicídio assistido e dignidade da morte.

Um integrante da ABL decidiu morrer, mas pode despertar o debate sobre suicídio assistido no Brasil. Outros brasileiros vivem o mesmo drama, mas não têm dinheiro para buscar uma solução em outros países e ainda enfrentam barreiras legais. A estudante de veterinária Carolina Arruda, de 27 anos, da cidade de Bambuí, em Minas Gerais, sofre desde os 16 anos com neuralgia do trigêmeo, uma doença que afeta os nervos do rosto e provoca dor intensa, descrita por profissionais de saúde como tão forte que é impossível de ser ignorada.
Mesmo em um cenário dolorido e complexo, ela fez campanha para conseguir recursos para realizar o suicídio assistido na Suíça. Convivendo com as "dores insuportáveis”, Carolina Arruda estima que precisaria mais de R$ 200 mil para viabilizar o procedimento. "Meu sonho é ainda ver minha filha se formar. A minha rotina de vida hoje é praticamente o dia inteiro na cama porque, se eu faço qualquer esforço físico, eu já desmaio de dor", ressalta.
Ela explica que foi muito difícil pensar em um procedimento que colocasse fim à vida. "Eu ainda não tinha coragem de expressar. Minha família não aceita, mas entende", destaca. Foram os amigos e a família que viram os dias se transformarem em experiências de dores para a estudante de veterinária. Ela sabe que a documentação exigida levará bastante tempo para ser aceita na Suíça. "Mais de quatro anos. Sei que no Brasil esse assunto nem é discutido e nem tão cedo será tratado. Há uma venda nos olhos para isso", acrescenta.
Ouvidos pela Agência Brasil, pesquisadores referências em bioética no País consideram o assunto complexo. Mas também apontam que tabus morais e religiosos impedem um debate mais amplo sobre legislação e até sobre os cuidados em um momento indissociável da experiência humana, a preparação para a morte. Autoridade internacional nas pesquisas em bioética, o professor emérito Volnei Garrafa, da Universidade de Brasília (UnB), avalia que longas internações sem o suporte do estado mostram que a dignidade da morte para situações insuportáveis fica restrita a quem tem privilégio financeiro. "O Brasil é conservador e não avança nesses temas morais, o que é lamentável, porque isso aí realmente traz prejuízo para a cidadania, principalmente das pessoas mais pobres", argumenta.

Garrafa entende que todos os temas que envolvem questões morais no Brasil, incluindo dogmas religiosos, geram resistência no Legislativo brasileiro para uma eventual formulação que abarque o tema da eutanásia ou suicídio assistido. A diferença básica entre eutanásia e suicídio assistido é que, na eutanásia, o médico realiza o ato que vai levar à morte. E no suicídio assistido é o paciente que faz o ato final.

Coordenadora do Laboratório de Estudos sobre a Morte do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, a professora Maria Júlia Kovács considera que a história de Antonio Cícero é comovente também por causa da sinceridade. "De contar a sua história, e de tomar a decisão por uma morte digna. Houve uma comoção bastante importante (para redução dos tabus a respeito do tema)", explica. No Brasil, essas práticas são proibidas e podem levar profissionais da saúde à condenação penal. "O panorama legislativo, no campo de regulamentação das ciências relacionadas com a vida humana, no amplo sentido, é um verdadeiro deserto", critica Garrafa. Ele entende que o tema da "terminalidade da vida" tem sido constantemente afastado do debate brasileiro. "Tem sido um tabu no para a sociedade brasileira, para a cidadania, tudo o que se refere ao final da vida", comenta.
Pesquisadora em direito e docente da pós-graduação em bioética da UnB, Aline Albuquerque disse que tanto a eutanásia quanto o suicídio assistidos ainda são crimes do ponto de vista do Código Penal. "Nós não temos nenhuma modificação legislativa nesse sentido do Brasil. É um tema complexo não só no Brasil. Atualmente há um projeto de novo Código Penal, que está no Senado, em relação à eutanásia com a possibilidade do juiz não aplicar a pena", acrescenta.

Próxima Parada
Na rede social Facebook, a cantora Marina Lima se manifestou sobre a morte do irmão: "Estou bem. Entendo meu irmão. Cícero foi coerente com tudo que pensava, desde o fim. Eu fico por aqui. Ainda me sinto potente pra próxima parada. A cantora publicou a música Próxima Parada composta pelos dois.
Próxima Parada
(Marina Lima/Antonio Cícero)
Eu sei onde é que estão
As coisas doces da estrada
Você também
E se a gente se encontrar
Na Próxima Parada
Aí meu bem
Vamos mostrar
Que a única morada de um homem
Está no extraordinário
Feroz é a nossa fome
Feroz nosso céu
E o fogo que nos consome
Consuma esses medos seus
Ninguém vai nos trazer
Nem recompensa, nem conta
No final
Ninguém vai nos dizer
Pra nós o que é que conta
E afinal
Para esclarecer
Prefiro pôr as cartas sobre a mesa
Não dou meu desejo a Deus
Feroz é a natureza
Feroz todo céu
E o meu coração festeja
O encontro que aconteceu 

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