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Publicada em 16 de Outubro de 2024 às 17:50

Futuro cardeal, Dom Jaime Spengler comenta sobre nomeação pelo Papa

Ao lado de outros 20 bispos, presidente da CNBB será criado cardeal em dezembro

Ao lado de outros 20 bispos, presidente da CNBB será criado cardeal em dezembro

Arquidiocese de Porto Alegre/Divulgação/JC
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João Pedro Flores Repórter
No último dia 6 de outubro, o que parecia ser apenas mais um momento de oração do Papa Francisco junto aos fiéis que se reuniam na Praça de São Pedro, no Vaticano, se tornou ocasião do recebimento de uma grande notícia para os brasileiros, especialmente os gaúchos. Após a tradicional recitação do Angelus, Francisco nomeou 21 bispos que serão criados — receberão o cargo de — cardeais, entre eles Dom Jaime Spengler, arcebispo de Porto Alegre e presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e do Conselho Episcopal Latino-Americano e Caribenho (Celam).
No último dia 6 de outubro, o que parecia ser apenas mais um momento de oração do Papa Francisco junto aos fiéis que se reuniam na Praça de São Pedro, no Vaticano, se tornou ocasião do recebimento de uma grande notícia para os brasileiros, especialmente os gaúchos. Após a tradicional recitação do Angelus, Francisco nomeou 21 bispos que serão criados — receberão o cargo de — cardeais, entre eles Dom Jaime Spengler, arcebispo de Porto Alegre e presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e do Conselho Episcopal Latino-Americano e Caribenho (Celam).
Diretamente de Roma, Dom Jaime conversou com o Jornal do Comércio sobre o novo chamado e o que se pode esperar do futuro do seu trabalho e da Igreja diante dos cenários do mundo contemporâneo.
Jornal do Comércio - Como foi o recebimento da notícia da nomeação pelo Papa Francisco?
Dom Jaime Spengler - A indicação para mim foi uma grande surpresa. Eu estava trabalhando, quando de repente o WhatsApp começou a disparar: mensagens de “parabéns”, “coragem”, “vá em frente”, e eu não entendi o que estava acontecendo. Até que alguém me disse: “você não está ouvindo o Papa falar agora na Praça de São Pedro? Ele lhe citou, lhe nomeou cardeal! Veja na internet!”. Quando eu consegui me conectar, já havia sido terminada a locução do Angelus na Praça de São Pedro, mas logo em seguida vieram os nomes que haviam sido indicados, e eu me dei conta do que estava acontecendo. É certamente motivo de alegria por um lado, sim, mas também é motivo de expectativa. O cardeal é chamado a colaborar mais de perto com o Bispo de Roma [o Papa], vejamos o que virá pela frente.
JC - Quais são as principais atribuições de um cardeal?
Dom Jaime - A primeira é justamente colaborar mais diretamente com o ministério do Bispo de Roma. Os cardeais são chamados a colaborar nos diversos dicastérios que compõem a Cúria Romana, então normalmente o cardeal participa dos grupos de trabalhos de consulta destes diversos dicastérios. Já há muito tempo eu venho participando, por exemplo, do Dicastério para a Vida Consagrada, e recentemente também fui indicado para participar como membro do Dicastério para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos. Esse é um âmbito da atuação de um cardeal quando é chamado. E, claro, quando se fizer necessário, participar de um conclave para a escolha do Romano Pontífice. Eu espero não precisar votar; faço votos para que o Papa Francisco tenha vida longa. É verdade que ele tem uma dificuldade de caminhar, ele mesmo diz que a saúde do joelho não está boa, mas ele também diz que governa com a cabeça, não com o joelho — e a cabeça dele está muito boa.
JC - Com a nova missão, como ficarão as funções que o senhor já exerce?
Dom Jaime - Eu vou continuar fazendo aquilo que já vinha desenvolvendo. Primeiro, como arcebispo em Porto Alegre, tenho 4 bispos auxiliares, que são colaboradores preciosos. Depois, em Brasília, na CNBB, temos ali também uma equipe de colaboradores extraordinária, então, nesse sentido, me sinto muito tranquilo em dar continuidade àquilo que já vinha realizando. Estou também no Celam, em Bogotá, é uma terceira função. Ali também temos um grupo de colaboradores que desenvolve um trabalho extraordinário. É verdade que marcar presença em todos esses âmbitos exige uma disposição muito grande, e nesse contexto vale recordar a situação que vivemos no Rio Grande do Sul nos últimos meses, que tem dificultado também um pouco a presença nesses âmbitos, seja em Brasília, seja em Bogotá, por causa [da situação] do aeroporto [Salgado Filho, em Porto Alegre], o que dificulta nossa movimentação.
JC - Sobre as enchentes e outras situações similares, o que o senhor tira do panorama climático atual, olhando também para os desdobramentos na sociedade?
Dom Jaime - Em primeiro lugar, eu diria que a tragédia climática foi um grande grito de socorro por parte da natureza. Ela atingiu, sim, o Rio Grande do Sul em maio, mas recentemente acompanhamos também a questão das queimadas no Sudeste e no Centro-Oeste do Brasil. Na última semana de setembro eu estava em Brasília, e ali se dizia que já fazia mais de 160 dias que não chovia. Na região amazônica, a seca. E agora, aqui em Roma, conversando com bispos da Ásia, eles relatam também uma frequência desses fenômenos que assusta.
A natureza está pedindo socorro, e nós precisamos dar atenção à natureza, à casa comum. Segundo dado: a tragédia que atingiu o Rio Grande do Sul destruiu muito e matou pessoas, e isso sem dúvida nenhuma foi doloroso e está sendo doloroso para muitos, mas, por outro lado, a situação fez vir o melhor de uma multidão do nosso Brasil, e aqui me refiro à solidariedade, que se manifestou de uma forma extraordinária. Isso significa que nosso povo é bom, muito bom. Mas há também outro aspecto que eu gosto de recordar: fez vir o pior de alguns. Me refiro a assaltos, desvios, saques… Tudo isto certamente nos envergonha, porque num momento de dor e necessidade de tantos, alguns ainda buscam, de forma desonesta, tirar vantagem. Isto também nos ensina algo que precisamos sempre ter presente: cada geração precisa ser educada e cuidada, precisa desenvolver uma obra que lhe é própria. Eu espero que a solidariedade que vimos e que estamos vendo nos ajude também não só a reconstruir o que precisa ser construído, mas que nós saibamos construir de forma nova o que é preciso ser construído. E que o poder público também leve a termo a missão que lhe é própria: a proteção das cidades, especialmente Porto Alegre, Eldorado, Canoas, que foram cidades na Região Metropolitana que sofreram as consequências da falta de manutenção dos diques, das comportas que não funcionam, das bombas que ficaram submersas, etc. Precisamos, sem dúvida nenhuma, de muita atenção, muito cuidado, para que isso nunca mais volte a acontecer.
JC - O senhor comentou sobre diferentes realidades ambientais. O senhor entende que essa nova nomeação de cardeais é uma resposta do Papa Francisco às situações contemporâneas ao redor do mundo, nesse e em outros âmbitos?
Dom Jaime - O que nós temos acompanhado ao longo do pontificado do Papa Francisco é o desejo de reconhecer sempre mais a universalidade da Igreja. Se até um tempo não muito distante um número considerável de cardeais provinha do continente europeu, hoje a Igreja está presente de uma forma muito vigorosa em todos os continentes, e se desenvolve, cresce de uma forma muito bonita, sobretudo na Ásia na África, e também o continente latinoamericano tem um peso essencial. Nesse contexto, é muito bonita a conclusão que o Papa faz na carta que ele endereçou a nós [futuros cardeais], onde ele dizia assim: “rezo por ti, a fim de que o título de ‘servidor’ — diácono — ofusque cada vez mais o de ‘eminência’”. O cardeal é chamado a servir o povo de Deus, a Igreja, com ainda mais afinco, mais determinação e mais empenho
JC - Em dezembro, serão criados cardeais bispos de diferentes regiões, idades e até mesmo ritos. O que podemos dizer sobre a diversidade dos nomes escolhidos por Francisco?
Dom Jaime - Você usou uma expressão muito bonita: a diversidade. Imaginemos quantas culturas compõem, por assim dizer, a comunhão da Igreja. Imaginemos, só no Brasil, falando da nossa realidade nacional, quantas características culturais nós temos no País. Pensando em nível global, como contemplar todas as realidades, garantindo, de alguma forma, aquilo que para a Igreja é fundamental? Eu diria que é uma verdadeira arte desenvolver esse trabalho. Outro aspecto é que alguns dos nomeados têm o reconhecimento do trabalho que desenvolveram ou estão desenvolvendo na vida. Um dos cardeais tem 99 anos e esteve na inauguração de Brasília, trabalhava na nunciatura [espécie de embaixada do Vaticano] na época em que Brasília estava surgindo. Temos uma outra indicação, de um padre que é responsável pelas viagens do Papa. Um terceiro exemplo é um padre que trabalha com migrantes — um trabalho desafiador, intenso, delicado, e que recebeu agora, com o título, o reconhecimento pelo o que vem desenvolvendo. Então, nesse sentido, vamos vendo vários aspectos que perpassam as indicações para o cardinalato. São serviços, aspectos, dimensões da vida da Igreja que o Papa busca contemplar com essas nomeações.

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