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Publicada em 07 de Outubro de 2024 às 18:58

Fumaça no ar pode aumentar riscos de doenças cardíacas, aponta cardiologista

Dra. Carisi Polanczyk pontua as principais doenças cardíacas que acometem a população do RS

Dra. Carisi Polanczyk pontua as principais doenças cardíacas que acometem a população do RS

Hospital Moinhos de Vento/Divulgação/JC
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Thiago Müller
Thiago Müller Repórter
A Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), em compilação anual dos dados sobre doenças cardiovasculares, apontou o Rio Grande do Sul como o terceiro estado com menor taxa de mortalidade, com padronização por idade, (147,3), logo atrás de Amazonas (145,2) e Minas Gerais (135,6). A chefe do serviço de cardiologia do Hospital Moinhos de Vento, Carisi Polanczyk, explica como o perfil do povo gaúcho propicia este cenário, e as principais doenças cardíacas que acometem a população do RS.
A Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), em compilação anual dos dados sobre doenças cardiovasculares, apontou o Rio Grande do Sul como o terceiro estado com menor taxa de mortalidade, com padronização por idade, (147,3), logo atrás de Amazonas (145,2) e Minas Gerais (135,6). A chefe do serviço de cardiologia do Hospital Moinhos de Vento, Carisi Polanczyk, explica como o perfil do povo gaúcho propicia este cenário, e as principais doenças cardíacas que acometem a população do RS.
Na entrevista, Carisi também explica como a fumaça, presente em grandes quantidades na atmosfera, durante as últimas semanas pode ocasionar danos não só nos pulmões, mas também na saúde do coração, caso venha a ser uma situação permanente no céu gaúcho. A preocupação da área médica acerca dos danos futuros ainda desconhecidos pelo uso do cigarro eletrônico, popularmente conhecido como vape, também foi abordado pela médica.
Jornal do Comércio - A SBC publicou um estudo que apontava uma menor taxa de mortalidade padronizada por idade por doenças cardiovasculares no RS, em comparação a outros estados do Brasil. O que causa essa diferença?
Carisi Polanczyk - Quando pegamos valores brutos, de pessoas que morrem por doenças cardíacas no Rio Grande do Sul, é um número muito maior. Mas, do ponto de vista da área estatística e epidemiológica, precisamos fazer o que chamamos de ajustar ou padronizar o perfil da população. Como o perfil do Estado é de uma população mais idosa, é esperado um aumento de taxas de morte por doenças cardíacas. Então, proporcionalmente, o que que a gente pode interpretar da situação: pessoas mais jovens estão morrendo menos de doenças do coração no Rio Grande do Sul, e nossos indicadores estão um pouco melhores.
JC - Hábitos de vida, como dieta e prática de atividade física, exercem, nesse sentido, uma influência?
Carisi - Sim. Uma influência bem forte. Quanto maior o nível de atividade física, melhor. A pessoa tende a ter menos peso e obesidade. Dietas mais à base de origem vegetal e com alimentos mais frescos, e, legumes, saladas, verduras e frutas, estão relacionadas com menos doenças cardíacas. No Rio Grande do Sul falam um pouco o contrário, nós temos um agro bem forte.
JC - A senhora mencionou que aqui no Rio Grande do Sul se fala o contrário. Isso se confirma na realidade?
Carisi - A questão do nosso hábito, que não é muito saudável, é que a gente ingere muita carne, especialmente carne vermelha e derivados em grande quantidade, em comparação com outros estados do Brasil. Então isso a gente sabe que é algo que precisa melhorar.
JC - Este hábito é um fator de risco também?
Carisi - Exatamente. Especialmente a gordura, carne vermelha, frituras em geral, estão relacionadas com o aumento do nível do colesterol ruim, que é o L.D.L. O LDL-colesterol elevado é um dos principais fatores relacionados com o desenvolvimento da Aterosclerose, que é o depósito de gordura nas artérias.
JC - Quais são os problemas de coração que predominam no povo Gaúcho, como um todo, e chegam ao seu setor?
Carisi - O primeiro relacionado é a aterosclerose. Em segundo lugar, e, às vezes, o primeiro, são Acidentes Vasculares Cerebrais, que são relacionados à aterosclerose ou à hipertensão, e levam à isquemia cerebral. Cada vez mais, também temos visto pessoas com o que a gente chama de insuficiência do coração ou insuficiência cardíaca. São inúmeras causas, mas que levam ao coração ficar fraco. Ele perde a capacidade de contrair e de trabalhar como deveria, e a pessoa desenvolve cansaço e outras manifestações.
JC - E acerca dessas três manifestações, quais são os fatores de risco e desencadeadores de doenças cardiovasculares no perfil do povo gaúcho?
Carisi - Estão relacionados com os fatores como o tabagismo, níveis elevados de pressão arterial, hipertensão, níveis elevados de glicose e também de colesterol, especialmente o L.D.L.-Colesterol. O paciente pode ou não ter diabetes, mas se isso é algo contínuo, às vezes o pré-diabético também possui um risco maior. Há também fatores indiretos que contribuem, que são mais relacionados à predisposição genética.
JC - Recentemente, tivemos o caso do jogador Juan Izquierdo, que teve uma arritmia e faleceu depois de cinco dias. Normalmente, relacionamos que, por ser um jogador de futebol, não foram fatores como sedentarismo e alimentação inadequada. O quão exatamente a genética possui influência?
Carisi - As condições que comentei provavelmente são mais frequentes em pessoas acima de 50 ou 60 anos. Existem muitas outras, principalmente em pessoas mais jovens, até atletas ou pessoas que nunca tiveram nenhuma manifestação. E sim, podem estar relacionados com problemas de nascimento, que são chamadas cardiopatias congênitas, e podem passar despercebidas. Existem doenças, tanto arritmias quanto miocardiopatias, que são as doenças do músculo do coração, que têm um componente genético muito forte, e a pessoa pode descobrir aos 20 ou aos 30 anos, quando faz um exercício mais extenuante ou extremo e até culminar no que aconteceu, em uma parada cardíaca.
JC - Você havia comentado sobre, entre vários outros fatores, o tabagismo, o que já é conhecido. Porém, nos últimos anos, houve um aumento de 600% no uso do cigarro eletrônico, dos "vapes". Mesmo não se tratando do fumo convencional ele traz riscos?
Carisi - Traz riscos. A ponto de indicarmos nos arquivos brasileiros um posicionamento da sociedade médica sobre todos os riscos que até agora estão sendo descritos. Existem outros derivados que estão juntos no vape, que pioram a saúde cardiovascular em geral, não é só a nicotina. A maior preocupação até agora tem sido a questão pulmonar, como casos graves de fibrose e de insuficiência respiratória relacionada ao vape O tabagismo, na década 50 ou 60 era considerado a coisa mais segura e maravilhosa do mundo. Depois de décadas, as pessoas começaram a ter problemas, que hoje são bem conhecidos. Não temos segurança se o vape não vai ocasionar isso daqui 20 ou 30 anos. Tudo indica que sim, por isso essa proibição tão ferrenha em vários países.
JC - Já há uma noção de quais problemas ele pode ocasionar no coração?
Carisi - Ele causa que a gente chama de uma disfunção dos nossos vasos, uma disfunção endotelial. Em alguns cenários, também pode levar a arritmia e trombose. Então estamos realmente preocupados que ele possa acelerar esse processo em pessoas mais jovens.
JC - O que seria essa disfunção endotelial?
Carisi - De forma leiga, imagine nossos vasos sanguíneos como um cano. Ele deve ser uma estrutura lisa, para que o sangue passe, não haja nenhum turbilhonamento e não exista nenhum atrito. Quem é responsável por isso é essa camada, que se chama endotélio. Na medida em que ele perde a sua capacidade de ser uma superfície lisa, é como se ela se tornasse rugosa e começasse a criar aderência. Esse é, às vezes, o início do processo de entupimento dos vasos, e vários estudos mostraram que o vape faz isso.
JC - Ultimamente passamos um tempo considerável com uma quantidade preocupante de fumaça no ar. Se isso se tornar uma situação permanente, é mais um fator de risco para doenças cardiovasculares?
Carisi - É um importante fator, e não só que a gente viu aqui, mas vários estudos em países onde a taxa de poluição é mais elevada, apontam que há um risco maior de ter problemas cardíacos como infarto, AVC e até o desenvolvimento de diabetes.
JC - Os problemas cardíacos que eles podem causar são os mesmos do cigarro, por causa da queima da fumaça, ou variam?
Carisi - Eles são muito parecidos. A gente não tem tanto detalhe assim, só que o cigarro é uma exposição muito maior até pela ingesta direta pelo indivíduo. Então, por um lado, os poluentes estão mais diluídos, então eles não têm a mesma proporção do cigarro. Mas por outro a fumaça na atmosfera está presente na vida toda do indivíduo. Todos os dias e todos os horários. Também está relacionada com o desenvolvimento de diabetes, de intolerância à glicose na população em geral.

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