Uma carta-aberta publicada na revista científica britânica Nature nesta quarta-feira (12), descreve uma preocupação com as propostas de megaengenharia cotadas pelo poder público para prevenir novas cheias. O documento, que envolve quatro pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), ressalta a importância de estudos envolvidos e processos de recuperação ambiental de áreas antes das intervenções.
“São propostas de mega obras, quando na verdade precisamos aplicar em toda bacia projetos de recuperação ambiental”, ressalta um dos professores envolvidos no estudo, Luiz Malabarba. Em tradução livre, a carta relata que propostas bem pensadas são essenciais para minimizar o risco de futuros eventos climáticos extremos. Porém, medidas apressadas já estão surgindo.
O ponto central do documento é a ênfase nos serviços ecossistêmicos que podem ajudar na redução dos impactos desses eventos climáticos extremos. Há, segundo Malabarba, pesquisador e doutor em ciências biológicas, a preocupação de que o poder público não esteja se atendo a esses serviços. “O mais importante é verificar quais ações podemos tomar antes das obras, para diminuir os impactos desses eventos extremos”, descreve.
Para Malabarba, devido à complexidade da geografia do Estado, não há uma forma exata de evitar os impactos das obras. “Em cada uma das implantações, precisamos de um estudo de impacto ambiental, que vai levar em consideração as características paisagísticas do local”, aponta. Cada objeto proposto, para ele, deve ser avaliado individualmente nas mais diversas perspectivas.
De acordo com a carta, inclusive, a maioria dessas obras envolvem projetos de engenharia em larga escala como grandes canais de drenagem ou múltiplas barragens. Tais medidas podem afetar o regime hidrológico da região e podem ameaçar a biodiversidade. Isso inclui a fauna de bacias hidrográficas que possuem espécies endêmicas (que não ocorrem em outras regiões do planeta) ou ameaçadas de extinção.
O pesquisador cita como exemplo a possível transposição de um canal entre a Lagoa dos Patos e o oceano para drenagem da água das cheias. Além de ser uma obra gigantesca, o fluxo de água depende de ciclo de marés e tempestades. "O vento sul não represa água só da Lagoa dos Patos, mas do sistema costeiro", explica. A medida permitiria, em tempos de pouca chuva ou seca, a entrada de água salgada na lagoa, salinizando parte da região.
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As bacias hidrográficas do Rio Caí e do sistema Taquari-Antas já abrigam diversos barramentos. As estruturas possuem margens de inundação temporárias, que removem matas de galerias das margens, as quais possuem a função de absorver temporariamente e diminuir a velocidade de água.
Segundo a carta, a humanidade necessita adotar melhores práticas de restauração do meio ambiente, e isso requer a valorização do conhecimento científico local e soluções baseadas na natureza. O documento, na íntegra, pode ser lido diretamente no portal da Nature.