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Publicada em 12 de Junho de 2024 às 13:19

"Vamos construir uma escola resiliente no RS", diz secretária da Educação do Estado

"Estamos discutindo novos currículos de educação climática", destaca Raquel

"Estamos discutindo novos currículos de educação climática", destaca Raquel

Mauricio Tonetto/Divulgação/JC
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Luciane Medeiros
Luciane Medeiros Editora Assistente
A tragédia climática que atingiu o Rio Grande do Sul teve reflexos diretos sobre o meio escolar. Escolas foram destruídas e milhares de alunos e professores foram impactados. A secretária estadual da Educação, Raquel Teixeira, avalia que será preciso construir uma escola resiliente em termos de infraestrutura e nos aspectos emocional, psicológico e climático. Em entrevista ao Jornal do Comércio, a titular da Secretaria Estadual da Educação (Seduc) fala sobre as ações adotadas para a reconstrução de escolas. Raquel espera que 100% dos alunos aptos a realizarem o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) se inscrevam até sexta-feira (14) para realizar a prova neste ano. Para isso, a Seduc estipulou esta quarta-feira, 12 de junho, como o Dia E do Enem, quando todas as instituições de Ensino Médio da rede estadual realizam mutirões para inscrições. “Essa é a resposta que a educação gaúcha pode dar para os desafios que tem enfrentado”, afirma a secretária. Jornal do Comércio - De que forma a Seduc vem acompanhando os impactos das enchentes no setor de ensino?Raquel Teixeira - Desde o início, já no fim de abril, no dia 30, passamos a acompanhar os estragos e montamos um boletim que é preenchido diariamente por todos os diretores. Uma síntese desse boletim é publicada diariamente no site da secretaria, às 9h e às 18h. Tivemos situações muito diversas nas escolas e criamos uma tipologia de criticidade que varia do nível 1 ao 5. No nível 1 estão as escolas que não foram atingidas na estrutura física e nem as comunidades, localizadas em cidades como Três Lagoas, São Luís, Santo Ângelo e Santa Rosa, entre outros. No nível 5 estão aquelas que foram profundamente atingidas e a comunidade escolar, e os níveis 2, 3 e 4 são uma combinação desses dois índices. Em alguns lugares a escola está bem, mas a comunidade foi completamente atingida, e temos escolas em que 100% de professores e funcionários perderam suas casas. JC - Como está a situação hoje das escolas atingidas?Raquel - Cruzando os dados, hoje temos 22 escolas completamente destruídas que precisarão ser reconstruídas, algumas delas em outros lugares que não os originais. Para essas situações estamos providenciando escolas de campanha. Além disso, 88 das nossas escolas foram usadas como abrigo e hoje são apenas 11. Espero que até sexta-feira seja possível encaminhar as pessoas que estão abrigadas nestas escolas para que na semana que vem a gente possa ter 100% dos abrigos já retornando como escolas para passar por limpeza e higienização e voltar a receber os estudantes. JC - Quantas escolas da rede estadual já retomaram as aulas?Raquel - De um total de 2.340 escolas estaduais, 2.207 já estão funcionando regularmente e presencialmente. Temos diferentes tipos de atendimento. O presencial ocorre nessas 2.207 escolas que eu falei. No híbrido, 80% dos professores conseguem chegar à escola e 20% não. Nesse tipo as aulas estão acontecendo sincronamente híbridas e o professor pode participar de casa ou o aluno assistir de casa enquanto a aula está acontecendo em sala. Temos 60 escolas funcionando remotamente e cerca de 20 que estão em revezamento. Isso acontece quando o prédio foi atingido no andar térreo, por exemplo, mas o segundo andar está bem, então os alunos se revezam para que todos tenham a oportunidade, nem que seja um ou dois dias por semana, de ir à escola para manutenção do vínculo, para encontrar com os colegas. Hoje temos 93% das escolas funcionando presencialmente. O nosso objetivo é ter 100% das escolas com alunos presenciais, mas ainda temos 17 mil estudantes e 53 escolas sem previsão de retorno. JC - Nesse universo de 17 mil alunos, há ainda estudantes que não estão tendo aula em nenhum dos modelos propostos pela Seduc?Raquel - Sim, na região das ilhas de Porto Alegre por exemplo temos quatro escolas com 1,2 mil alunos. São duas escolas de Ensino Fundamental e duas de Ensino Médio. Nós íamos começar a construir uma escola de campanha no bairro Humaitá quando lá foi alagado, então a gente ainda não tem o espaço físico onde possa ter um terreno para fazer essa escola de campanha. E além disso há os alunos que não sabemos onde estão. JC - O que foi feito para “buscar” os alunos?Raquel - Essa enchente é muito diferente do que nós vivemos na pandemia de Covid-19, quando alunos e professores não vinham à escola, mas eu sabia onde eles estavam. Agora, eles não vêm à escola e eu não sei onde eles estão. Todos os mecanismos de busca ativa tradicionais e conhecidos não se aplicam porque eles se baseiam no endereço do aluno, no telefone do pai, da mãe ou da avó, por exemplo. O que nós estamos fazendo? Primeiro fizemos busca de canoa, os diretores de escolas iam de canoa nos endereços ativos para ver se a casa existia ou não. Foi uma luta infinita que eu quero eternamente agradecer aos diretores e diretoras que fizeram com dedicação essa busca ativa. Também pelo cadastro dos abrigos estamos cruzando com os cadastros da Secretaria da Educação para localizar os alunos e juntar eles em algum lugar. Há um movimento migratório grande de escolas, só nesta semana Capão da Canoa recebeu 140 alunos novos. São pessoas que estão se mudando das áreas de enchente para áreas de não enchente e pessoas que estão mudando de estado. Alguns, temos conhecimento e está anotado. Fiquei sabendo por acaso, por meio do secretário municipal do Rio de Janeiro que me mandou uma foto com dois irmãos, um garoto e uma garota dizendo “Raquel veja os gauchinhos que eu recebi aqui”. Por acaso eu sou amiga do secretário do Rio de Janeiro e ele mandou a foto contando que os pais dessas crianças perderam tudo, estão aqui sem ainda saber o que fazer e mandaram as crianças para o Rio de Janeiro para morar com a tia. Nas escolas que ficaram submersas, e foram mais de 500, a enchente passou destruindo todos os documentos, então os alunos estão sendo transferidos sem documentação. O Ministério Público tem sido um grande aliado nosso do encaminhamento e na aceitação dessas crianças sem os documentos estudantis. JC - O que está sendo feito em relação às escolas que foram destruídas?Raquel - Nesse caso, estão sendo construídas as escolas de campanha, que serão 8 no total. Estamos encaminhando esses alunos para escolas alternativas. Ontem (terça-feira), por exemplo, estive em Venâncio Aires. Lá a Escola Mariante foi completamente destruída, mas a 8 km dali tem a Escola Adelina, onde cabiam os alunos transferidos. Juntamos os estudantes da Mariante e felizmente houve um carinho e acolhimento muito lindo da parte da Escola Adelina, tanto de direção, professores quanto estudantes e eles estão completamente integrados numa escola só. Será preciso construir mais salas de aula, mas fomos lá para ver exatamente o que precisa de expansão para que a escola possa funcionar, porque passou de 250 para 350 alunos a demanda. Uma escola de Lajeado que precisa ser reconstruída foi acolhida na Univates, estamos pagando aluguel para a universidade. A escola de Roca Sales terá que ser reconstruída e os lugares ainda não estão definidos, mas ela está funcionando no salão paroquial. Nossa grande luta é para retornar com a brevidade possível desde que haja condições de segurança e acolhimento para receber essas comunidades nas escolas.JC - Em quais regiões as escolas foram mais afetadas?Raquel - Principalmente nas cidades do Vale do Taquari e em comunidades indígenas também em áreas mais vulneráveis e bem difíceis. Mas por mais que a gente queira acelerar o processo, a reconstrução das escolas leva um tempo, por isso estamos acomodando esses alunos em lugares alternativos. JC - Qual o apoio dado aos professores e as orientações para a volta às aulas? Raquel - Temos dado total apoio. Já fizemos cinco lives que estão publicados no nosso site. Só de acolhimento e orientação, mandamos virtualmente para todos os professores por escrito cadernos e cursos de acolhimento porque são técnicas específicas, você não pode receber o aluno e conversar de qualquer jeito, corre o risco de inclusive aumentar a ferida que existe ali. Temos psicólogos orientando e vários mecanismos acontecendo. Há um grupo chamado Pedagogia de Emergência que tem expertise nesse tipo de situação, já havia nos ajudado em setembro no Vale do Taquari e tem experiência em Brumadinho, no Haiti, na Ucrânia e têm muito trabalho muito lindo de receptividade e acolhimento nesse retorno pós-traumático. Especificamente temos orientação e cursos de 20 horas para os orientadores educacionais e diretores sobre pós-trauma climático. Temos um trabalho com as competências socioemocionais que está sendo desenvolvido com os alunos e um núcleo de cuidado e bem-estar escolar dentro da secretaria com 20 psicólogos e 20 assistentes sociais e estamos pedindo a contratação de novos 130 psicólogos. Há um grupo sendo formado com a Pucrs e a Ufrgs com psicólogos e psiquiatras para nos apoiar inclusive na formação desses novos psicólogos para atendimento aos professores.JC - Quais as alternativas para a reconstrução das escolas?Raquel - Temos um grupo intenso de arquitetos e engenheiros trabalhando no que a gente chama de escola resiliente. Estamos analisando todos os procedimentos possíveis - Arquitetura esponja, Arquitetura verde e azul … Eu acho, acho não, eu tenho certeza que com todo o sofrimento dessa crise nós vamos sair mais fortes e melhores do que éramos. Estamos deixando um legado. É claro que você não constrói de hoje para amanhã. Entre plantar uma semente e ela virar árvore tem um período de aguar, de esperar, mas todas as sementes estão plantadas para deixarmos e construirmos no Rio Grande do Sul uma escola resiliente no aspecto da infraestrutura, emocional e psicológico e no aspecto climático. JC - De que forma essa nova escola vai se refletir no currículo escolar? Raquel - Nós estamos discutindo novos currículos de educação climática. Tenho inclusive evitado falar educação ambiental porque a gente associa educação ambiental com coleta seletiva de lixo e horta orgânica, o que é muito importante e tem que continuar acontecendo, mas aqui no Rio Grande do Sul, pela localização geográfica ser um espaço de encontro de choques climáticos, nós precisamos de uma educação climática robusta baseada em ciência e evidências. Também precisamos de todo o sistema de alertas e alarmes como eu vivi, por exemplo, nos Estados Unidos, onde morei cinco anos na Califórnia, que tem muitos incêndios e terremotos. Quando morei lá, eu tinha filhos de 2, 9 e 11 anos e vivi todas as etapas da Educação Básica norte-americana. Em todos os níveis, desde o jardim de infância, é obrigatório e religiosamente uma vez por semana ocorrem os treinamentos. Dependendo do tipo de alarme que tocava as crianças já sabiam que era incêndio ou terremoto e sabiam o que fazer. Aqui estamos trabalhando com a mancha de inundação como é chamado, que fala de deslizamento, de correnteza e vários processos que são diferentes e vamos construir uma formação nas escolas de internalizar, automatizar comportamentos de defesa das crianças e nos jovens a partir das escolas. É como eu disse, isso vai levar tempo, mas a gente vai sair melhor e mais forte. JC - A Seduc lançou essa semana a Campanha Mochila Cheia, como está a adesão?Raquel - Está a pleno vapor. Ontem (terça-feira) recebemos 8 mil kits. Fiquei muito sensibilizada quando estava visitando um abrigo e um garotinho de 8 anos falou que estava muito triste porque a água levou o caderno dele, e ele tinha acabado de pôr um adesivo na capa. As crianças perderam tudo e a campanha Mochila Cheia é isso, queremos uma mochila cheia de caderno, de calculadora, de caneta, de canetinha, mas cheia de amor e de apoio a essas crianças. O local de recebimento dos materiais em Porto Alegre é na Escola Estadual Maria Thereza da Silveira (rua Furriel Luíz Antônio de Vargas, 135 - Bela Vista). No interior é preciso entrar em contato com as Coordenadorias Regionais de Educação (CREs) para saber onde doar. É bem importante que as pessoas participem, é uma demonstração de envolvimento das pessoas, das cidades, de todos na reconstrução da educação, é bem simbólico. JC - Como está a aquisição de material didático e acervo para as bibliotecas escolares atingidas?Raquel - Fizemos toda a lista já e encaminhamos ao Ministério da Educação, onde estive pessoalmente duas vezes com o ministro Camilo Santana. Cento e trinta e oito bibliotecas foram perdidas. No site da Secretaria da Educação temos uma lista de 45 mil itens com obras literárias recomendadas pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e uma lista de escritores e de livros gaúchos que nós acrescentamos. Seria muito importante quem puder comprar um daqueles livros e doar para que a gente possa seguir a lista porque queremos recompor as bibliotecas com os livros recomendados pelo FNDE e a Secretaria da Educação. Os locais para fazer a entrega das doações são os mesmos que os indicados para os materiais escolares. JC - E a recuperação de aulas do período em que ficou parado, como será feita?Raquel - Teremos vários calendários dentro do Rio Grande do Sul: as escolas que nunca pararam, as escolas que voltaram em diferentes dias e as que não voltaram ainda. Isso é possível porque as técnicas e estratégias pedagógicas não precisamos cumprir os 200 dias letivos. O Conselho Nacional de Educação e o Conselho Estadual de Educação já autorizaram isso. É claro que isso ajuda, mas não me interessa não cumprir dias burocraticamente, me preocupa o conteúdo que tem que estar nesses 200 letivos. A carga horária pode ser cumprida de forma complementar. No momento que a aula retoma presencial pode ter um grupo de trabalho, um projeto de pesquisa dado para os alunos, ter um vídeo que o estudante assiste em casa e faz uma análise sobre o que aprendeu, claro que com todo o projeto de acompanhamento pedagógico de apoio às escolas para que os alunos tenham direito ao conhecimento que eles precisam ter neste ano. JC - O que está sendo feito para os alunos do terceiro ano do Ensino Médio que estão se preparando para o Enem?Raquel - Nós criamos o Dia do E, divulguem bastante, é o Dia do Enem. O Ministério da Educação prorrogou por uma semana o prazo original de inscrição, que vai até sexta-feira. Estamos com a campanha 100% de inscrição no Enem, acho que essa é a resposta que a educação gaúcha pode dar para os desafios que tem enfrentado. Aluno gaúcho não paga para fazer a inscrição no Enem, é só entrar no site e fazer. No dia da prova vamos dar apoio com transporte, fornecer um lanchinho e dar um pacote com caneta e com água para cada estudante no dia do exame. Daremos todo apoio possível porque qualquer sonho que o jovem tenha, seja para ajudar a dar uma casa nova para mãe, ser médico, ser artista, ser empreendedor, ser o que for, seja jornalista, professora, qualquer sonho, passa pela universidade e a porta da universidade está aberta, é o Enem.
A tragédia climática que atingiu o Rio Grande do Sul teve reflexos diretos sobre o meio escolar. Escolas foram destruídas e milhares de alunos e professores foram impactados. A secretária estadual da Educação, Raquel Teixeira, avalia que será preciso construir uma escola resiliente em termos de infraestrutura e nos aspectos emocional, psicológico e climático. Em entrevista ao Jornal do Comércio, a titular da Secretaria Estadual da Educação (Seduc) fala sobre as ações adotadas para a reconstrução de escolas. Raquel espera que 100% dos alunos aptos a realizarem o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) se inscrevam até sexta-feira (14) para realizar a prova neste ano. Para isso, a Seduc estipulou esta quarta-feira, 12 de junho, como o Dia E do Enem, quando todas as instituições de Ensino Médio da rede estadual realizam mutirões para inscrições. “Essa é a resposta que a educação gaúcha pode dar para os desafios que tem enfrentado”, afirma a secretária.


Jornal do Comércio - De que forma a Seduc vem acompanhando os impactos das enchentes no setor de ensino?
Raquel Teixeira - Desde o início, já no fim de abril, no dia 30, passamos a acompanhar os estragos e montamos um boletim que é preenchido diariamente por todos os diretores. Uma síntese desse boletim é publicada diariamente no site da secretaria, às 9h e às 18h. Tivemos situações muito diversas nas escolas e criamos uma tipologia de criticidade que varia do nível 1 ao 5. No nível 1 estão as escolas que não foram atingidas na estrutura física e nem as comunidades, localizadas em cidades como Três Lagoas, São Luís, Santo Ângelo e Santa Rosa, entre outros. No nível 5 estão aquelas que foram profundamente atingidas e a comunidade escolar, e os níveis 2, 3 e 4 são uma combinação desses dois índices. Em alguns lugares a escola está bem, mas a comunidade foi completamente atingida, e temos escolas em que 100% de professores e funcionários perderam suas casas.

JC - Como está a situação hoje das escolas atingidas?
Raquel - Cruzando os dados, hoje temos 22 escolas completamente destruídas que precisarão ser reconstruídas, algumas delas em outros lugares que não os originais. Para essas situações estamos providenciando escolas de campanha. Além disso, 88 das nossas escolas foram usadas como abrigo e hoje são apenas 11. Espero que até sexta-feira seja possível encaminhar as pessoas que estão abrigadas nestas escolas para que na semana que vem a gente possa ter 100% dos abrigos já retornando como escolas para passar por limpeza e higienização e voltar a receber os estudantes.

JC - Quantas escolas da rede estadual já retomaram as aulas?
Raquel - De um total de 2.340 escolas estaduais, 2.207 já estão funcionando regularmente e presencialmente. Temos diferentes tipos de atendimento. O presencial ocorre nessas 2.207 escolas que eu falei. No híbrido, 80% dos professores conseguem chegar à escola e 20% não. Nesse tipo as aulas estão acontecendo sincronamente híbridas e o professor pode participar de casa ou o aluno assistir de casa enquanto a aula está acontecendo em sala. Temos 60 escolas funcionando remotamente e cerca de 20 que estão em revezamento. Isso acontece quando o prédio foi atingido no andar térreo, por exemplo, mas o segundo andar está bem, então os alunos se revezam para que todos tenham a oportunidade, nem que seja um ou dois dias por semana, de ir à escola para manutenção do vínculo, para encontrar com os colegas. Hoje temos 93% das escolas funcionando presencialmente. O nosso objetivo é ter 100% das escolas com alunos presenciais, mas ainda temos 17 mil estudantes e 53 escolas sem previsão de retorno.

JC - Nesse universo de 17 mil alunos, há ainda estudantes que não estão tendo aula em nenhum dos modelos propostos pela Seduc?
Raquel - Sim, na região das ilhas de Porto Alegre por exemplo temos quatro escolas com 1,2 mil alunos. São duas escolas de Ensino Fundamental e duas de Ensino Médio. Nós íamos começar a construir uma escola de campanha no bairro Humaitá quando lá foi alagado, então a gente ainda não tem o espaço físico onde possa ter um terreno para fazer essa escola de campanha. E além disso há os alunos que não sabemos onde estão.

JC - O que foi feito para “buscar” os alunos?
Raquel - Essa enchente é muito diferente do que nós vivemos na pandemia de Covid-19, quando alunos e professores não vinham à escola, mas eu sabia onde eles estavam. Agora, eles não vêm à escola e eu não sei onde eles estão. Todos os mecanismos de busca ativa tradicionais e conhecidos não se aplicam porque eles se baseiam no endereço do aluno, no telefone do pai, da mãe ou da avó, por exemplo. O que nós estamos fazendo? Primeiro fizemos busca de canoa, os diretores de escolas iam de canoa nos endereços ativos para ver se a casa existia ou não. Foi uma luta infinita que eu quero eternamente agradecer aos diretores e diretoras que fizeram com dedicação essa busca ativa. Também pelo cadastro dos abrigos estamos cruzando com os cadastros da Secretaria da Educação para localizar os alunos e juntar eles em algum lugar. Há um movimento migratório grande de escolas, só nesta semana Capão da Canoa recebeu 140 alunos novos. São pessoas que estão se mudando das áreas de enchente para áreas de não enchente e pessoas que estão mudando de estado. Alguns, temos conhecimento e está anotado. Fiquei sabendo por acaso, por meio do secretário municipal do Rio de Janeiro que me mandou uma foto com dois irmãos, um garoto e uma garota dizendo “Raquel veja os gauchinhos que eu recebi aqui”. Por acaso eu sou amiga do secretário do Rio de Janeiro e ele mandou a foto contando que os pais dessas crianças perderam tudo, estão aqui sem ainda saber o que fazer e mandaram as crianças para o Rio de Janeiro para morar com a tia. Nas escolas que ficaram submersas, e foram mais de 500, a enchente passou destruindo todos os documentos, então os alunos estão sendo transferidos sem documentação. O Ministério Público tem sido um grande aliado nosso do encaminhamento e na aceitação dessas crianças sem os documentos estudantis.

JC - O que está sendo feito em relação às escolas que foram destruídas?
Raquel - Nesse caso, estão sendo construídas as escolas de campanha, que serão 8 no total. Estamos encaminhando esses alunos para escolas alternativas. Ontem (terça-feira), por exemplo, estive em Venâncio Aires. Lá a Escola Mariante foi completamente destruída, mas a 8 km dali tem a Escola Adelina, onde cabiam os alunos transferidos. Juntamos os estudantes da Mariante e felizmente houve um carinho e acolhimento muito lindo da parte da Escola Adelina, tanto de direção, professores quanto estudantes e eles estão completamente integrados numa escola só. Será preciso construir mais salas de aula, mas fomos lá para ver exatamente o que precisa de expansão para que a escola possa funcionar, porque passou de 250 para 350 alunos a demanda. Uma escola de Lajeado que precisa ser reconstruída foi acolhida na Univates, estamos pagando aluguel para a universidade. A escola de Roca Sales terá que ser reconstruída e os lugares ainda não estão definidos, mas ela está funcionando no salão paroquial. Nossa grande luta é para retornar com a brevidade possível desde que haja condições de segurança e acolhimento para receber essas comunidades nas escolas.

JC - Em quais regiões as escolas foram mais afetadas?
Raquel - Principalmente nas cidades do Vale do Taquari e em comunidades indígenas também em áreas mais vulneráveis e bem difíceis. Mas por mais que a gente queira acelerar o processo, a reconstrução das escolas leva um tempo, por isso estamos acomodando esses alunos em lugares alternativos.

JC - Qual o apoio dado aos professores e as orientações para a volta às aulas?
Raquel - Temos dado total apoio. Já fizemos cinco lives que estão publicados no nosso site. Só de acolhimento e orientação, mandamos virtualmente para todos os professores por escrito cadernos e cursos de acolhimento porque são técnicas específicas, você não pode receber o aluno e conversar de qualquer jeito, corre o risco de inclusive aumentar a ferida que existe ali. Temos psicólogos orientando e vários mecanismos acontecendo. Há um grupo chamado Pedagogia de Emergência que tem expertise nesse tipo de situação, já havia nos ajudado em setembro no Vale do Taquari e tem experiência em Brumadinho, no Haiti, na Ucrânia e têm muito trabalho muito lindo de receptividade e acolhimento nesse retorno pós-traumático. Especificamente temos orientação e cursos de 20 horas para os orientadores educacionais e diretores sobre pós-trauma climático. Temos um trabalho com as competências socioemocionais que está sendo desenvolvido com os alunos e um núcleo de cuidado e bem-estar escolar dentro da secretaria com 20 psicólogos e 20 assistentes sociais e estamos pedindo a contratação de novos 130 psicólogos. Há um grupo sendo formado com a Pucrs e a Ufrgs com psicólogos e psiquiatras para nos apoiar inclusive na formação desses novos psicólogos para atendimento aos professores.

JC - Quais as alternativas para a reconstrução das escolas?
Raquel - Temos um grupo intenso de arquitetos e engenheiros trabalhando no que a gente chama de escola resiliente. Estamos analisando todos os procedimentos possíveis - Arquitetura esponja, Arquitetura verde e azul … Eu acho, acho não, eu tenho certeza que com todo o sofrimento dessa crise nós vamos sair mais fortes e melhores do que éramos. Estamos deixando um legado. É claro que você não constrói de hoje para amanhã. Entre plantar uma semente e ela virar árvore tem um período de aguar, de esperar, mas todas as sementes estão plantadas para deixarmos e construirmos no Rio Grande do Sul uma escola resiliente no aspecto da infraestrutura, emocional e psicológico e no aspecto climático.

JC - De que forma essa nova escola vai se refletir no currículo escolar?
Raquel - Nós estamos discutindo novos currículos de educação climática. Tenho inclusive evitado falar educação ambiental porque a gente associa educação ambiental com coleta seletiva de lixo e horta orgânica, o que é muito importante e tem que continuar acontecendo, mas aqui no Rio Grande do Sul, pela localização geográfica ser um espaço de encontro de choques climáticos, nós precisamos de uma educação climática robusta baseada em ciência e evidências. Também precisamos de todo o sistema de alertas e alarmes como eu vivi, por exemplo, nos Estados Unidos, onde morei cinco anos na Califórnia, que tem muitos incêndios e terremotos. Quando morei lá, eu tinha filhos de 2, 9 e 11 anos e vivi todas as etapas da Educação Básica norte-americana. Em todos os níveis, desde o jardim de infância, é obrigatório e religiosamente uma vez por semana ocorrem os treinamentos. Dependendo do tipo de alarme que tocava as crianças já sabiam que era incêndio ou terremoto e sabiam o que fazer. Aqui estamos trabalhando com a mancha de inundação como é chamado, que fala de deslizamento, de correnteza e vários processos que são diferentes e vamos construir uma formação nas escolas de internalizar, automatizar comportamentos de defesa das crianças e nos jovens a partir das escolas. É como eu disse, isso vai levar tempo, mas a gente vai sair melhor e mais forte.

JC - A Seduc lançou essa semana a Campanha Mochila Cheia, como está a adesão?
Raquel - Está a pleno vapor. Ontem (terça-feira) recebemos 8 mil kits. Fiquei muito sensibilizada quando estava visitando um abrigo e um garotinho de 8 anos falou que estava muito triste porque a água levou o caderno dele, e ele tinha acabado de pôr um adesivo na capa. As crianças perderam tudo e a campanha Mochila Cheia é isso, queremos uma mochila cheia de caderno, de calculadora, de caneta, de canetinha, mas cheia de amor e de apoio a essas crianças. O local de recebimento dos materiais em Porto Alegre é na Escola Estadual Maria Thereza da Silveira (rua Furriel Luíz Antônio de Vargas, 135 - Bela Vista). No interior é preciso entrar em contato com as Coordenadorias Regionais de Educação (CREs) para saber onde doar. É bem importante que as pessoas participem, é uma demonstração de envolvimento das pessoas, das cidades, de todos na reconstrução da educação, é bem simbólico.

JC - Como está a aquisição de material didático e acervo para as bibliotecas escolares atingidas?
Raquel - Fizemos toda a lista já e encaminhamos ao Ministério da Educação, onde estive pessoalmente duas vezes com o ministro Camilo Santana. Cento e trinta e oito bibliotecas foram perdidas. No site da Secretaria da Educação temos uma lista de 45 mil itens com obras literárias recomendadas pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e uma lista de escritores e de livros gaúchos que nós acrescentamos. Seria muito importante quem puder comprar um daqueles livros e doar para que a gente possa seguir a lista porque queremos recompor as bibliotecas com os livros recomendados pelo FNDE e a Secretaria da Educação. Os locais para fazer a entrega das doações são os mesmos que os indicados para os materiais escolares.

JC - E a recuperação de aulas do período em que ficou parado, como será feita?
Raquel - Teremos vários calendários dentro do Rio Grande do Sul: as escolas que nunca pararam, as escolas que voltaram em diferentes dias e as que não voltaram ainda. Isso é possível porque as técnicas e estratégias pedagógicas não precisamos cumprir os 200 dias letivos. O Conselho Nacional de Educação e o Conselho Estadual de Educação já autorizaram isso. É claro que isso ajuda, mas não me interessa não cumprir dias burocraticamente, me preocupa o conteúdo que tem que estar nesses 200 letivos. A carga horária pode ser cumprida de forma complementar. No momento que a aula retoma presencial pode ter um grupo de trabalho, um projeto de pesquisa dado para os alunos, ter um vídeo que o estudante assiste em casa e faz uma análise sobre o que aprendeu, claro que com todo o projeto de acompanhamento pedagógico de apoio às escolas para que os alunos tenham direito ao conhecimento que eles precisam ter neste ano.


JC - O que está sendo feito para os alunos do terceiro ano do Ensino Médio que estão se preparando para o Enem?
Raquel - Nós criamos o Dia do E, divulguem bastante, é o Dia do Enem. O Ministério da Educação prorrogou por uma semana o prazo original de inscrição, que vai até sexta-feira. Estamos com a campanha 100% de inscrição no Enem, acho que essa é a resposta que a educação gaúcha pode dar para os desafios que tem enfrentado. Aluno gaúcho não paga para fazer a inscrição no Enem, é só entrar no site e fazer. No dia da prova vamos dar apoio com transporte, fornecer um lanchinho e dar um pacote com caneta e com água para cada estudante no dia do exame. Daremos todo apoio possível porque qualquer sonho que o jovem tenha, seja para ajudar a dar uma casa nova para mãe, ser médico, ser artista, ser empreendedor, ser o que for, seja jornalista, professora, qualquer sonho, passa pela universidade e a porta da universidade está aberta, é o Enem.

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