O caminho dos moradores de Cachoeirinha e Gravataí para o trabalho, entre terça-feira (14), quando a empresa Transcal deu a largada para as duas primeiras linhas — em rotas alternativas até Porto Alegre —, e quarta-feira exigiu paciência de paulistano. Lá, 70% das pessoas demoram mais de uma hora no trânsito para chegar ao trabalho. A reportagem do Jornal do Comércio acompanhou este trajeto na quarta.
Foram quatro horas entre ida e volta, em deslocamentos que, somados, costumam levar uma hora e meia, ainda assim, um cenário menos drástico do que as até cinco horas, só de ida, que eram comunicadas pela empresa em seus canais de atendimento.
A empresa ainda não apresenta o número exato de passageiros transportados nestes dois dias, mas a estimativa é de que até 2,5 mil pessoas tenham feito o trajeto possível para os trabalhadores desta parte da Região Metropolitana à Capital.
Nesta quinta-feira, eles tiveram o acréscimo de mais uma alternativa. Foi autorizada a circulação dos coletivos a região com acesso à avenida Castelo Branco, pelo corredor humanitário, com o fim da linha no Largo da Epatur. A Transcal informa que mantém também a rota executada nos dois últimos dias. A nova medida também liberou a empresa Sogil, que opera as linhas de Gravataí, a retomar algumas delas nesta quinta.
Às cinco da manhã, a ida para o trabalho
Às cinco da manhã, a ida para o trabalho
Nesta quarta, a Jaqueline não se atrasou para o trabalho como fiscal de caixa em um supermercado da Zona Leste de Porto Alegre. Encarou a travessia possível a quem depende do transporte coletivo na Região Metropolitana tomada pela inundação das últimas semanas, com o embarque ainda antes do sol raiar, em Cachoeirinha, no ônibus lotado, mas no horário ideal para ela.
Foram duas horas até o Terminal Triângulo, na avenida Assis Brasil, em um trecho que costume levar pouco mais de 30 minutos em dias normais. Ainda assim, dentro do planejado por cada passageiro que teve neste transporte o começo do retorno à rotina movimentada de um dia de trabalho na região.
"Ontem (terça) eu peguei o das 6h30min, e foi um horror. Cheguei às 11h em Porto Alegre. Vamos ver se dessa vez, um pouco mais cedo e bem mais cheio, a gente demora menos para chegar", contou a Jaqueline ao encontrar com a reportagem do JC já no seu lugar na linha Granja Esperança, da empresa Transcal, que opera o transporte coletivo entre Cachoeirinha e Porto Alegre.
Nossa reportagem foi conferir, às 5h desta quarta, como estavam funcionando os primeiros quatro horários de ônibus a circularem em direção a Porto Alegre com a ponte, que é a principal rota de ligação com a Capital, ainda tomada pela água e o acesso alternativo, via freeway, restrito ao corredor humanitário.
Embarcamos na parada 58 da avenida Flores da Cunha, ainda em Cachoeirinha, já com as poltronas e o corredor tomados de passageiros. Eram 5h50min. A Jaqueline, por exemplo, havia embarcado ainda dentro do bairro Granja, onde ela mora, cerca de 30 minutos antes.
Ainda era noite escura, com um frio em torno de 5 graus no horário em que o coletivo partia do começo da linha. A parada 58 estava lotada. Poderia significar a desistência de embarcar no primeiro horário para Porto Alegre, mas não. Aquele movimento todo era a demonstração, na parada de ônibus, de outra adaptação a um tempo de calamidade.
Tratava-se de funcionários dos principais hospitais de Porto Alegre. Um a um, ônibus fretados pelas instituições acolhiam os trabalhadores da Região Metropolitana com destino a uma das principais frentes neste momento de reconstrução. E tinham um trajeto diferente dos passageiros comuns.
Com uma cruz vermelha e o nome do Hospital Moinhos de Vento em uma placa no vidro, o caminho a partir dali seria o corredor humanitário até a área central da Capital. "Nesse horário ainda é tranquilo, estamos levando em torno de 30 a 40 minutos para chegar lá", confirmou um dos motoristas.
Destino igual tiveram os veículos do Grupo Hospitalar Conceição, Hospital de Clínicas e Santa Casa, com quase uma centena de pessoas.
Ficou na parada, agora quase esvaziada, um tanto desconfiado, o professor de informática Flávio João da Silva, 54 anos. Ele havia visto na véspera, nas redes sociais, que a empresa havia voltado a operar duas linhas para Porto Alegre. Foi a oportunidade para garantir dois atendimentos em suporte para clientes da Capital.
"Isso se o ônibus vier. Vai que ele já saia lotado lá da Granja e nem pare aqui. Resolvi pagar para ver, porque ir de carro, do jeito que está o trânsito agora, nem pensar", disse.
Normalmente, o Flávio leva 40 minutos até o seu destino, na zona norte. Chegou a pesquisar um transporte por aplicativo, que faria o mesmo _ e único possível _ trajeto do ônibus a preços que ultrapassavam os R$ 70. Em dias normais, é possível embarcar em um carro de aplicativo por R$ 20 para este trajeto.
Pudera, entre o bairro Vista Alegre, em Cachoeirinha, e o Terminal Triângulo, em um contexto normal, são 20 quilômetros. Com as vias possíveis desde o início das cheias, são pouco mais de 50 quilômetros. Uma linha reta entre as avenidas Flores da Cunha e Assis Brasil deram lugar a 5 quilômetros pela Freeway, outros 10,5 na ERS-118 e 35 entre a zona urbana de Alvorada e a Avenida Baltazar de Oliveira até o Triângulo,
Às 5h50min, embarcamos no Granja em direção a Porto Alegre, com o aviso pelos canais de atendimento da empresa transportadora desanimadoramente realista: a viagem pode durar entre quatro e cinco horas. Enquanto o desafio é encontrar um espaço para se acomodar, de pé, vale "tirar a dúvida" com o motorista:
– Quanto tempo deve levar?
– Olha, ontem eu consegui fazer em uma hora e meia.
É um alento a todos que estão correndo para o trabalho.
O trajeto a partir dali é em direção a Gravataí, no acesso do município à Freeway, e dali, em direção à ERS-118. Com caminho livre.
Mas a ERS-118 se tornou a via de acesso à Capital para praticamente toda a Região Metropolitana. E há ainda o agravante da instalação temporária da Ceasa em Gravataí, aumentando o tráfego no município. Como esperado, o trânsito está engarrafado para no acesso à rodovia estadual. Dentro do ônibus, quem estava embarcado na véspera _ o primeiro dia de retomada _ entreolhava-se desconfiado.
"Ontem, quando chegou aqui, parou tudo e uns 20 passageiros desistiram. Desceram", conta Jaqueline.
Algo que motivou, inclusive, a empresa a limitar os dois horários de ida antes das 6h30min, quando o engarrafamento se agrava. A mudança foi acertada. Em poucos minutos, o ônibus avançou, com todos passageiros a bordo.
Nova parada só voltou a acontecer junto ao acesso para o Distrito Industrial de Alvorada e Viamão, ainda na 118.
Eram 6h33min quando entramos na Avenida Frederico Diehl, em Alvorada, e pouco mais de dez minutos depois, o tráfego pesado fez o fluxo parar outra vez. Nada que preocupasse quem olhava para o relógio para não perder o horário de entrar no serviço.
A chegada no Triângulo foi às 7h15min, depois de 1h20min do nosso embarque, já com o dia iluminado e com 2 graus a mais no termômetro. Sem qualquer problema para o João, que teria seu primeiro atendimento somente às 10h. A Jaqueline desembarcou sem precisar correr. Ainda embarcaria na linha T4 para chegar ao trabalho, onde deveria se apresentar às 9h30min.
A fila e o caminho para casa
A fila e o caminho para casa
Cumprida a primeira parte da travessia, ao anoitecer, era o momento do retorno. Neste caso, a Transcal marcou quatro horários entre as 18h15min e as 19h15min.
Na terça, a Jaqueline correu, mas não conseguiu chegar a tempo do último horário para Cachoeirinha no Triângulo. Teve de apelar a um "plano B", a partir de Alvorada. Chegou em casa às 23h.
Não encontramos ela no embarque do primeiro horário, que sairia às 18h15min do Terminal Triângulo. Quem já estava ali desde antes as 17h30min era o Flávio João da Silva. Precavido, depois de dois atendimentos de suporte em Porto Alegre, desta vez ele queria garantir um lugar sentado. E fez certo.
Era um dos primeiros da longa fila que, às 18h, já cruzava quase toda a extensão do terminal. É que, diferentemente dos horários de ida à Capital, no retorno aos bairros, os trajetos entre as Moradas do Vale, em Gravataí, e a Granja Esperança, em Cachoeirinha, foram unificados em uma grande linha para os dois municípios.
Era um dos primeiros da longa fila que, às 18h, já cruzava quase toda a extensão do terminal. É que, diferentemente dos horários de ida à Capital, no retorno aos bairros, os trajetos entre as Moradas do Vale, em Gravataí, e a Granja Esperança, em Cachoeirinha, foram unificados em uma grande linha para os dois municípios.
"Eu soube que tinham retomado essas linhas ontem à tarde (terça). Hoje, foi possível voltar ao trabalho, mas bem preparada e com paciência para uma longa viagem", contou a coordenadora Bruna Kercher, 28 anos.
Moradora do bairro Marechal Rondon, que fica bem no limite entre os dois municípios, há dez anos ela faz o trajeto para o trabalho em uma escola da Capital. Pela manhã, a Bruna embarcou no ônibus das 6h. Levou três horas para chegar ao Terminal Triângulo. No retorno, a expectativa dela era durar ainda mais tempo de viagem.
"Pelo movimento, eu estou preparada para umas quatro horas até chegar em casa", disse.
Com o movimento intensificado no final da tarde na zona norte de Porto Alegre, o indicativo era mesmo de maior demora no trânsito. Mas não foi o que aconteceu. Isso porque, assim como a empresa transportadora remanejou os horários de um dia para o outro, depois da primeira experiência, na ERS-118, as autoridades também atuaram para agilizar o caminho nesta rota possível para a Região Metropolitana. Com ações do Batalhão de Polícia Rodoviária Estadual e da Guarda Municipal de Trânsito de Alvorada, o tráfego fluiu sem interrupções na rodovia.
Até chegar lá, porém, depois da saída às 18h15min, novamente de pé no coletivo, o caminho foi marcado por pelo menos duas parada totais no tráfego na área urbana de Alvorada. Passadas a 118 e a Freeway, nosso desembarque desta vez foi na altura da parada 61, no limite entre Cachoeirinha e Gravataí, após uma hora e meia. O trajeto ainda seguiria por pelo menos 40 minutos entre os bairros dos dois municípios.
Era o encerramento de mais um dia de trabalho na retomada possível em meio ao cenário ainda de calamidade na Região Metropolitana.