As fortes chuvas e enchentes que atingem o Rio Grande do Sul desde o início do mês, causando mortes e destruição, deixaram milhares de gaúchos desabrigados. Muitas pessoas perderam tudo, o que dificulta a retomada da vida após as águas das cheias baixarem. Essas questões colocam em risco a saúde mental da população e podem desencadear no futuro transtornos psicológicos e psiquiátricos.
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Sentimentos como medo, hipervigilância, insônia, angústia e tristeza são comuns em situações como a tragédia climática no Estado, mas é preciso estar atento para que não evoluam para o desenvolvimento de doenças. “Estamos numa situação gravíssima, emergencial, é normal que a população tenha esses sentimentos”, avalia a coordenadora da Câmara Técnica de Psiquiatria do Cremers, Silzá Tramontina.
A psiquiatra explica que o estresse pós-traumático surge em até dois meses após o evento desencadeador. Ela projeta uma alta na procura por atendimentos terapêuticos psicológicos nos próximos meses. “No pós-pandemia, tivemos um crescimento de 25% no Rio Grande do Sul de depressão e ansiedade na população em geral. Se pressupõe que agora terá um aumento maior e temos que estar preparados para atender a toda essa população”, destaca Silzá.
Além do Cremers, entidades como a Associação de Psiquiatria do Rio Grande do Sul e o Conselho Regional de Psicologia RS estão engajados para amparar as vítimas. Ministério da Saúde, Secretaria Estadual da Saúde (SES) e prefeituras também desenvolvem ações voltadas à saúde mental neste momento.
Em Porto Alegre, a Secretaria Municipal da Saúde (SMS) mobilizou psicólogos, psiquiatras, assistentes sociais e terapeutas ocupacionais para visitarem os abrigos e conversarem com as vítimas. Abrigos maiores contam com equipe de saúde mental fixa atuando junto com os demais profissionais e voluntários.
“O nosso trabalho está focado na escuta individual e também em grupos específicos. Está centrado agora nos primeiros cuidados psicológicos, até para evitar que mais adiante as pessoas realmente venham a ter uma doença, uma depressão mais grave”, pontua Marta Fradique, psicóloga e coordenadora da área na SMS.
Buscar meios para que as pessoas recuperem um pouco do protagonismo em suas vidas contribui para a saúde mental neste momento difícil, o que pode ser feito com tarefas simples, como ajudar a preparar uma comida ou a organizar o espaço. Além disso, as equipes da SMS desenvolvem atividades nos abrigos para promover uma “sensação de normalidade”. No domingo (12), ocorreram atividades para as mães e crianças pequenas em homenagem ao Dia das Mães.
Mesmo quem não teve perdas materiais ou de familiares é impactado pelo desastre climático. "Em Porto Alegre, devido às características do desastre, não temos pessoas 'não atingidas'. Voluntários, profissionais que estão atuando mesmo e até quem mora num bairro que tem água e luz está sendo atingido de alguma forma, nós estamos todos juntos", salienta Marta.
Silzá, do Cremers, concorda e lembra que voluntários e socorristas também devem receber acompanhamento psicológico. "Assim como na pandemia, quando ocorreram diversos mutirões de atendimento aos profissionais da saúde, vamos precisar para os socorristas e voluntários", complementa.
A psiquiatra dá algumas orientação à população em geral para evitar a sobrecarga emocional, comum em períodos de catástrofes. "Evite ficar nas redes sociais onde tem muita fake news e isso aumenta a ansiedade, busque informações em fontes oficiais e canais como jornais e televisões. Quanto mais notícias ruins, a pessoa começa a entrar num processo de ansiedade e isso pode se transformar num transtorno", aconselha.
Resposta à tragédia pode variar de acordo com a faixa etária
Enquanto as crianças costumam se mostrar mais resilientes em situações de tragédias coletivas como a atual, a população idosa pode sofrer um impacto maior. "As crianças têm muita resiliência. Retomando as aulas, voltando à rotina, a grande maioria das crianças fica bem", tranquiliza a psiquiatra Silzá Tramontina, coordenadora da Câmara Técnica de Psiquiatria do Cremers.
Já as pessoas mais velhas podem ter mais dificuldade para superar situações de desastre, desenvolvendo quadros de depressão e transtorno de estresse pós-traumático. O alerta é dos psiquiatras gaúchos Nina Rosa Furtado e Luiz Carlos Osório. “Os motivos principais são fatores ligados à faixa etária, como dificuldade para lidar com mudanças repentinas e agravamento de doenças físicas preexistentes”, explica Nina. O casal aconselha parentes e amigos que abrigam idosos alojados em suas casas a observarem sintomas como desânimo ou introspecção excessivos.
Nina e Osório são autores do livro “Os velhos também amam” (editora Bestiário, 2024). A obra é um relato biográfico sobre a experiência do casal de ter se conhecido e se apaixonado na velhice. Ela, aos 72 anos, e ele, aos 84.