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Publicada em 09 de Maio de 2024 às 18:18

Enchente aumenta risco de leptospirose e outras doenças podem se espalhar pelo Estado

 Pasqualotto reforça importância de manter a vacinação sempre em dia

Pasqualotto reforça importância de manter a vacinação sempre em dia

SGI/divulgação/jc
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Cristine Pires
Cristine Pires Editora-assistente de Economia
A maior tragédia climática da história recente do País traz mais uma preocupação em meio a tantas outras que surgiram com o avanço das águas por praticamente todo o estado gaúcho. Para salvar as vidas que estavam – e algumas ainda estão – em risco, profissionais e voluntários que fazem os resgates na enchente, assim como as pessoas resgatadas, estão suscetíveis a contrair leptospirose e outras doenças, como hepatite As infecções de pele, raiva e infecções gastrointestinais. O alerta é do infectologista Alessandro Comarú Pasqualotto, presidente da Sociedade Gaúcha de Infectologia (SGI), que falou ao Jornal do Comércio sobre Jornal do Comércio – Qual a possibilidade de ocorrer uma epidemia de leptospirose no Estado?Alessandro Comarú Pasqualotto - É esperado, sim, que aumente o número de casos de leptospirose no Estado. Lembro que a maior parte dos casos de leptospirose são brandos, são pouco sintomáticos. As pessoas podem ter somente uma febre, dor no corpo, dores musculares, dor de cabeça, mas tem gente que morre de leptospirose e morre com sangramentos, com problemas no fígado muito graves. Então isso, sim, é uma preocupação. Ocorre muito depois de enchentes o aumento de contaminados por leptospirose. É uma doença que vem da urina do rato. Essa água que a gente está exposta é uma água nitidamente contaminada com matéria orgânica, com dejetos humanos e também com urina de animais. Então, deve acontecer o aumento de casos, especialmente quando a água começar a abaixar. As pessoas começam a ir para suas casas e muita gente faz isso sem nenhuma proteção, sem usar bota, de pé descalço - exposto à água. Talvez neste momento, no qual o volume de águas seja maior, o risco não seja tão grande, mas ele existe. Então é uma preocupação, sim, e os hospitais devem se preparar para receber um aumento no número de casos, suspeitar adequadamente dessa doença. JC - Quanto tempo de exposição à água requer medicação?Pasqualotto - Bom, é polêmica a indicação de medicamento para previnir leptospiorse. Os estudos mostram é que, sim, que alguns antibióticos previnem a leptospirose nas pessoas que foram expostas à água contaminada. Mas são estudos muito variados em desenho, em geral são estudos pequenos, pouco controlados, então é uma evidência frágil. No entanto, é uma evidência que, embora frágil, é suficiente para que a gente faça uma recomendação de antibióticos, mas não para todo mundo. Muita gente teve contato com a água, e o que nós fizemos foi um documento técnico, conjunto na Sociedade Brasileira de Infectologia e o Estado do Rio Grande do Sul recomendando o uso do antibiótico para populações de maior risco, que ficou definido como aquelas que tivessem uma exposição maior, mais prolongada à água contaminada, e isso é em geral a realidade dos socorristas. As pessoas em atitudes heróicas estão tentando salvar vidas, estão pulando na água, nadando na água contaminada, então não só quem socorreu pessoas, mas quem foi socorrido, quem foi vítima de afogamento, que engoliu água, quem ficou com água até o pescoço por um período prolongado. O que é prolongado não é claro na ciência, mas se entende talvez como algumas horas ou talvez menos. No entanto, se a pessoa tiver lesões de pele, tiver ferimentos e lacerações e feridas na pele, isso aumenta muito o risco de ser contaminado. Então, não é uma exposição curta com pele íntegra - pode até vir a ser -, mas é muito mais frequente em quem está mais tempo exposto à água, por mais superfície do corpo, e com pele machucada.
A maior tragédia climática da história recente do País traz mais uma preocupação em meio a tantas outras que surgiram com o avanço das águas por praticamente todo o estado gaúcho. Para salvar as vidas que estavam – e algumas ainda estão – em risco, profissionais e voluntários que fazem os resgates na enchente, assim como as pessoas resgatadas, estão suscetíveis a contrair leptospirose e outras doenças, como hepatite As infecções de pele, raiva e infecções gastrointestinais. O alerta é do infectologista Alessandro Comarú Pasqualotto, presidente da Sociedade Gaúcha de Infectologia (SGI), que falou ao Jornal do Comércio sobre

Jornal do Comércio – Qual a possibilidade de ocorrer uma epidemia de leptospirose no Estado?
Alessandro Comarú Pasqualotto - É esperado, sim, que aumente o número de casos de leptospirose no Estado. Lembro que a maior parte dos casos de leptospirose são brandos, são pouco sintomáticos. As pessoas podem ter somente uma febre, dor no corpo, dores musculares, dor de cabeça, mas tem gente que morre de leptospirose e morre com sangramentos, com problemas no fígado muito graves. Então isso, sim, é uma preocupação. Ocorre muito depois de enchentes o aumento de contaminados por leptospirose. É uma doença que vem da urina do rato. Essa água que a gente está exposta é uma água nitidamente contaminada com matéria orgânica, com dejetos humanos e também com urina de animais. Então, deve acontecer o aumento de casos, especialmente quando a água começar a abaixar. As pessoas começam a ir para suas casas e muita gente faz isso sem nenhuma proteção, sem usar bota, de pé descalço - exposto à água. Talvez neste momento, no qual o volume de águas seja maior, o risco não seja tão grande, mas ele existe. Então é uma preocupação, sim, e os hospitais devem se preparar para receber um aumento no número de casos, suspeitar adequadamente dessa doença.

JC - Quanto tempo de exposição à água requer medicação?
Pasqualotto - Bom, é polêmica a indicação de medicamento para previnir leptospiorse. Os estudos mostram é que, sim, que alguns antibióticos previnem a leptospirose nas pessoas que foram expostas à água contaminada. Mas são estudos muito variados em desenho, em geral são estudos pequenos, pouco controlados, então é uma evidência frágil. No entanto, é uma evidência que, embora frágil, é suficiente para que a gente faça uma recomendação de antibióticos, mas não para todo mundo. Muita gente teve contato com a água, e o que nós fizemos foi um documento técnico, conjunto na Sociedade Brasileira de Infectologia e o Estado do Rio Grande do Sul recomendando o uso do antibiótico para populações de maior risco, que ficou definido como aquelas que tivessem uma exposição maior, mais prolongada à água contaminada, e isso é em geral a realidade dos socorristas. As pessoas em atitudes heróicas estão tentando salvar vidas, estão pulando na água, nadando na água contaminada, então não só quem socorreu pessoas, mas quem foi socorrido, quem foi vítima de afogamento, que engoliu água, quem ficou com água até o pescoço por um período prolongado. O que é prolongado não é claro na ciência, mas se entende talvez como algumas horas ou talvez menos. No entanto, se a pessoa tiver lesões de pele, tiver ferimentos e lacerações e feridas na pele, isso aumenta muito o risco de ser contaminado. Então, não é uma exposição curta com pele íntegra - pode até vir a ser -, mas é muito mais frequente em quem está mais tempo exposto à água, por mais superfície do corpo, e com pele machucada.

JC - Quais são os principais sinais e sintomas e o que deve ser feito?
Pasqualotto - Então, as pessoas que tiveram contato com água, especialmente aquelas que não usaram antibiótico - lembrando que essa doença acontece em geral uma semana ou duas após a exposição, então vamos dizer que 7 dias, 10 dias depois de ter entrado na água a pessoa começa com febre, febre alta, dores no corpo, dores nos músculos, dores na panturrilha, dor de cabeça, dor atrás do olho. E algumas pessoas, claro, podem complicar esse quadro, terem sangramentos, ficarem amarelas. Por isso não precisa esperar ficar tão grave para procurar ajuda. É importante que, qualquer uma dessas manifestações, busque atendimento para receber antibiótico. A leptospirose é uma doença que é tratada com vários antibióticos disponíveis, então procure ajuda médica para que se faça o tratamento. A tendência é que isso passe a ser tão frequente que talvez que se tenha dificuldade em fazer diagnóstico e que qualquer pessoa que chegue com uma dessas reclamações e tenha sido exposta à água termine recebendo antibiótico.

JC -  Alguns dos antibióticos utilizados para os tratamentos estão em Porto Alegre e em cidades do Interior. O que fazer nesses casos?
Pasqualotto - Está faltando, sim. Por isso veio essa recomendação técnica, para mostrar que o antibiótico não é para todo mundo, para prevenir, e especialmente para os socorristas, para as pessoas que estão prestando socorro, e para aquelas que sofreram, quase foram afogadas durante o procedimento de resgate. Então, não é para todo mundo usar porque vai faltar antibiótico. Já está faltando? O que estamos tentando, e dizemos pressão com o Ministério da Saúde, é para que aumentem o aporte de remessa paro estado do Rio Grande do Sul desses antibióticos. O próprio Ministério que antes entendia que não havia indicação de usar antibiótico nesse contexto revisou sua posição depois da nota técnica publicada pela Sociedade, assumindo que, nesses contextos colocados, especialmente para os socorristas, deva ser usado antibiótico. Isso deve assegurar para o Estado um maior aporte de antibiótico. Lembrando que, de novo, quanto mais cedo começar antibiótico, melhor, especialmente esses primeiros cinco dias após a exposição. A indústria farmacêutica está sendo pautada também e tem feito doações. Algumas doações estão sendo entregues diretamente nos locais de atendimento. Outras, para a Secretaria Estadual do Rio Grande do Sul.

JC - Além da leptospirose, há alguma outra doença infecciosa que mereça atenção em especial neste momento de cheias?
Pasqualotto – Sim. A leptospirose não é a única doença infecciosa que pode ser transmitida pelas águas contaminadas; tem doenças que estão associadas com diarreia e que podem ser bem graves nessa população de risco. Pode dar febre, pode dar dor de barriga, pode dar vômitos, podem desidratar as pessoas - para isso as pessoas têm que ter atenção. Tem gente que está ingerindo água contaminada por não ter acesso a água potável nas cidades. As torneiras estão secas, os mercados já não têm água mineral. Então, quem puder ter acesso a água, se possível filtre essa água com filtro, pode ser de café, pode ser com pano limpo, ferva a água por pelo menos cinco minutos, para que aí possa consumi-la; ou, se não puder ferver, que acrescente um pouco de hipoclorito de sódio, que é disponível para limpeza, e que não haja nenhum perfume, nenhum produto adicional, que seja hipoclorito o mais puro possível, como água sanitária. Duas gotas, é um pouquinho só, de dois e meio por cento para cada litro de água. Isso purifica a água também, que pode ser usada para limpar os alimentos. Outra preocupação é com hepatite A, porque pouca gente foi vacinada para hepatite A, só as crianças agora nos últimos anos. Por isso, tem muito adulto não vacinado, tem pouca gente que teve hepatite A na vida, tem muita gente vulnerável a vir a ter hepatite A. Estamos fazendo esforço para produzir um documento técnico que deve ficar pronto logo junto com a Sociedade Brasileira de Imunizações, para um posicionamento quanto às vacinas necessárias nesse contexto de epidemia. E isso inclui não só hepatite A, que está em falta - diga-se de passagem, no Brasil -, mas a gente tem dose de crianças que devem ser usadas, e isso vai ser articulado junto com a Secretaria Estadual de Saúde. Também tem o tétano, muita gente está chegando machucada, muita gente com mordidas de animais - que pode ter raiva. Ou seja, várias doenças podem acontecer. Tem ainda as infecções. Quem apresenta feridas causadas seja por mordida, por machucado ou porque a pessoa já tem uma ferida crônica por outra doença deve evitar essa água contaminada. Quem tiver feridas que comecem a inflamar, a sair pus, a ficar necrótica, preta, obviamente tem que procurar ajuda porque pode precisar de antibiótico. Então, são muitas as doenças que podem acontecer. As pessoas estão sendo recolhidas, tratadas em abrigos, com situações precárias. São muitas as pessoas abrigadas na região. Então, nos abrigos tem muitos surtos de sarna, de piolho, tem pessoas com gripe, com Covid, e elas estão passando umas para as outras, tem gente que pode passar tuberculose. Então, tem muita gente com doenças respiratórias. De novo vem a importância da vacinação, precisamos atualizar o calendário vacinal desse povo todo, e para isso precisa, primeiro, da recomendação técnica da Sociedade, que deve sair logo, para que então o Estado faça a sua parte e coloque a vacina disponível na ponta, lá onde as pessoas estão, lá no abrigo, lá no atendimento primário das pessoas, porque não dá para esperar que a pessoa vá hoje lá no posto de saúde, vá não sei aonde, porque ela não sabe nem aonde ir, nem o que está funcionando. Hoje, o Sistema de Saúde descentralizou. A Saúde precisa estar lá na beira do rio, lá no abrigo, lá na escola das pessoas. Então, meu recado geral é que as pessoas consumam água própria para consumo, água limpa, fiquem atentos a sinais de infecção e evitem lotar as emergências dos hospitais se não houver necessidade. Tem muita gente oferecendo telemedicina, muitas redes de apoio se colocando aí. E obviamente automedicação, mas busquem atendimento médico o mais cedo possível, para que se possa filtrar aqueles que precisem de hospital. Os hospitais também estão com falta de água, estão superlotados, e estão se organizando para receber esses doentes à medida que eles forem aparecendo.

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