Atravessando a maior catástrofe da história do Rio Grande do Sul, a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Porto Alegre atua em diversas frentes no combate às doenças que acompanham a enchente. Leptospirose e hepatite A são automaticamente associadas a este tipo de evento, devido a contaminação da água em contato com o esgoto. No entanto, a dengue também desponta como grande preocupação.
Com 3.659 casos registrados na Capital em 2024, a população estava sob alerta vermelho para a enfermidade antes da chegada das cheias. Com o foco voltado para o resgate dos atingidos pela tragédia e o controle de danos ao redor da cidade, ela saiu da pauta.
No entanto, com a grande quantidade de água espalhada pelas ruas, o mosquito Aedes aegypti, portador do vírus, pode se proliferar com mais facilidade quando se formarem poças decorrentes da diminuição do nível do lago. Ao ser questionada sobre a possibilidade de um novo surto, a SMS enfatiza que a preocupação está a partir deste ponto, que ainda deve demorar ao menos uma semana.
Quem confirma esta realidade é a enfermeira da Equipe de Vigilância de Doenças Transmissíveis (EVDT), Raquel Rosa. "Não é que ela [dengue] deixou de ser prioridade da secretaria, mas acaba tendo menos transmissão neste momento, porque a água da enchente não está parada. Como ela está correndo o vetor não consegue se multiplicar. Então nesse nível que estamos de inundação não vai ter aumento de proliferação vetorial, mas sim quando baixar".
O órgão mantém os exames em pleno funcionamento nas unidades de saúde - único que não está sendo racionado -, mas não conseguiu abrir a vacinação para crianças e adolescentes, prevista para esta quarta-feira (8), por falta de recursos.
Apesar do ponto crítico não ter sido atingido, o biólogo e professor de Farmácia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), Walter Reis explica que o cenário é preocupante. "Estamos com uma temperatura alta, mas não a ponto de chegar no verão, e essa é a condição perfeita para a proliferação do Aedes. Com as zonas de foco aumentadas e uma quantidade exacerbada de mosquitos na rua, o risco de ter uma epidemia ainda maior de dengue no Estado é esperado".
Reis ainda opina sobre a importância do assunto na pauta do poder público. "O Estado já deveria estar melhor preparado. Como o foco se voltou para tratar os sintomas provocados pela enchente, a doença vai ficar em quarto ou quinto plano. Com a maior tragédia da história do País em curso, não vejo o planejamento de uma ação preventiva sendo feito no meio dessa loucura".
Em contraponto ao cenário dos últimos dias, a frente fria que atinge o Estado a partir desta quinta perdura até a próxima semana. Temperaturas mais baixas neutralizam a reprodução do inseto, que tem seu comportamento incerto em meio aos novos fatores.
O infectologista do Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (Pucrs), Diego Falci, explica: "não tem como fazer uma previsão acurada sobre como a dengue vai se comportar, já que ocorreu uma mudança muito drástica no ecossistema. Como as temperaturas vão baixar, ela pode, eventualmente, não se tornar tão importante dentro desse cenário das enchentes, colocando outras enfermidades em primeiro lugar".