Hotéis e imobiliárias do Litoral Norte têm alta demanda para hospedagem e locação de imóveis. O movimento, que se iniciou no começo da semana, quando muita gente começou a sair da região metropolitana da Capital, pegou de surpresa os estabelecimentos, acostumados a um fluxo muito menor nesta época do ano.
Pousadas, imóveis ofertados em plataformas digitais e hotéis acomodam muitas famílias saídas das áreas de risco das cheias. O Hotel Kolman, com 74 apartamentos, tem ocupação de 67,5%. Normalmente, o número de unidades ocupadas nesta época do ano é de 10%, relata o recepcionista Clóvis Clasen. São pessoas de Porto Alegre e Canoas, que fugiram das enchentes.
Com uma gestão de leitos reduzida na temporada em relação ao período de verão, o Capão da Canoa Mar Hotel disponibiliza, ao longo do ano, 33 quartos, o equivalente a 40% das acomodações. E todas estão ocupados.
“São pessoas que chegam para passar a primeira noite, enquanto o imóvel locado pela plataforma é disponibilizado. Outras chegam para ficar por período indeterminado”, diz o recepcionista Zeno Ribeiro Júnior.
O local decidiu manter os mesmos preços tradicionalmente praticados na baixa temporada, que são 60% inferiores.
A iniciativa também faz parte da política da Silva Santos Consultoria Imobiliária, que administra uma carteira de mais de 500 imóveis para locação em Capão da Canoa e na vizinha Xangri-lá. E, desde segunda-feira, a procura foi tanta, que a empresa precisou alterar a gestão dos imóveis.
“Quando termina o verão, costumamos trabalhar apenas com locação anual dos imóveis. Mas decidimos abrir para aluguéis por períodos de 10 a 15 dias e por tempo indeterminado também. As pessoas ligam ou surgem na porta, às vezes com pouca bagagem”, conta a proprietária, Hingridi da Silva Santos.
A empresa tem trabalhado também junto aos proprietários dos imóveis, sensibilizando para a importância de trabalhar com valores até 50% neste momento, em respeito às dificuldades das famílias. E prioriza o fechamento de locações com os parceiros.
À medida que vão se acomodando, as famílias procuram baixar a tensão e ajustar ou adotar nova rotina. Muitos foram à beira da praia nesta quarta-feira de sol forte pela manhã. Centenas de pessoas caminhavam com familiares e pets, praticavam esportes, descansavam sob o guarda-sol ou nos quiosques de bebidas e petiscos.
Em um deles, com todas as mesas ocupadas e guarda-sóis abertos, o proprietário mal conseguia falar, tamanha a dificuldade para atender a todos. Surpreendido pelo público equivalente ao de finais de semana com tempo firme, ele sequer tinha funcionários suficientes.
Na faixa de areia, moradores locais e de temporada tinham como assunto inevitável a tragédia climática que assola o Rio Grande do Sul. As irmãs Heloísa e Carmen Vera De Leon, de Bagé, vivem no Litoral há cinco anos. Fazem uma caminhada diária na areia e reservam um momento para reflexão e oração em frente ao mar.
“Em agradecimento pelo que temos. E pedindo por todos aqueles que sofrem. Temos conhecidos que estão acolhendo pessoas, que estão envolvidos com ações de voluntariado na cidade. Quem pode, precisa ajudar”, diz Carmen.
O comerciante de autopeças Remi Polesello, de Porto Alegre, pegou a esposa e as filhas na segunda-feira, e partiu para o litoral. Sem energia desde sexta-feira e com a cheia invadindo o condomínio de 48 apartamentos, eles decidiram partir para reduzir o consumo para quem resolveu ficar.
“Meu negócio fica na Rua do Parque, que alagou. Moro no bairro Floresta. Conheço ali. Quando percebi que a água começava a subir, viemos embora. Fica um pouco dos nossos pensamentos com quem está lá. Aqui, uma filha e um sobrinho já estão atuando em uma escola, ajudando na coleta e distribuição de doações”, relata.
Henrique Anunziato e Carlos Aguiar, de Canoas, conversavam sob o guarda-sol sobre a tragédia. Chegaram sábado e não têm data para voltar. Com os negócios parados pelo impacto das chuvas, o jeito foi tentar desligar um pouco dos problemas.
“Mas a gente não desliga 100%. Agora é esperar as coisas se acalmarem. Estamos acompanhando a situação para ver quando poderemos voltar”, diz Anunziato.
Sentada na areia, ao lado das bicicletas das filhas gêmeas, de seis anos, a odontóloga Tatiana Blaia Luz veio com as meninas, pais e outros familiares para o litoral. O marido, militar envolvido no enfrentamento à crise, ficou na Capital.
“Com duas filhas pequenas e sem água, não havia mais como ficar. Mas antes de sairmos, doamos muitas coisas, roupas, travesseiros. Tenho ajudado com recursos para amigos que estão atuando nos resgates”, conta.
Lojas e restaurantes tentam dar conta do aumento no número de clientes
Com a fuga dos atingidos pelas enchentes para o litoral, movimento no Jurema's Bar & Restaurante aumentou drasticamente
CLAUDIO MEDAGLIA/ESPECIAL/JCNa cidade, o movimento fora do normal aqueceu a economia. As principais ruas e avenidas do comércio estão movimentadas. Clientes nas lojas, restaurantes, bares e quiosques à beira-mar se viram como podem para dar conta da alta repentina.
“Nossas vendas aumentaram cerca de 30%. Antes estava muito parado. Então, para o comércio a vinda é muito boa. Mas a gente também procura acolher um pouco as pessoas, que chegam às vezes com a roupa do corpo, precisando de apoio. Muito triste essa tragédia”, diz a comerciária Roseli Fávero Rosaneli, que atua em uma confecção de roupas básicas no centro de Capão da Canoa.
Os restaurantes e bares também entraram na onda. Muitas mesas ocupadas para almoço e algum movimento à noite. O Jurema’s Bar & Restaurante, que funciona desde 1984 na Rua Pindorama, atendia 10 mesas por dia. E não abria à noite na baixa temporada.
“Mas desde terça-feira estamos funcionando nos dois turnos. Está uma correria. O movimento aumentou muito. Estamos atendendo mais de 50 mesas por dia, nesta semana. Até nossos estoques de água já estão baixando e precisamos repor. A correria está grande”, diz o proprietário Guilherme Garcia Pires, sob intenso trabalho no caixa, enquanto a cozinha mandava pratos sem parar para as mesas dos clientes.