De Cachoeirinha
A cozinheira Carina dos Santos, de 45 anos, resistiu o máximo que conseguiu com o marido e os quatro filhos, na casa onde a família vive há 20 anos no bairro Rio Branco, em Canoas. Até que a água, quando já batia na altura do seu peito, na noite deste sábado (4), não parou mais de subir. A cidade tem 60% do território tomado pela água.
"Parecia um filme de terror, com gritos de pânico e de repente, um silêncio. Eu fui uma das pessoas que não acreditava que isso poderia acontecer. Quando falavam em enchente, achei que a água chegaria até a canela, como em outras vezes, mas no sábado começou a subir. Estava na altura do meu peito quando fomos para o telhado da casa e pedimos socorro. O pessoal com os barcos ainda estava socorrendo as pessoas que estavam em situação pior. Mas a água subiu mais, e conseguimos escapar para a casa de um vizinho, de dois pisos, puxados por uma corda. Quando a água chegou no segundo piso, fomos socorridos. Perdemos tudo", conta ela.
Assim como ela, boa parte da família, moradora do mesmo bairro, também teve as casas completamente cobertas pela água. Já sem vagas em abrigos de Canoas, Carina e a família foram levados por voluntários até o município vizinho, de Cachoeirinha. E este foi o caminho de pelo menos 400 pessoas daquele município, abrigadas entre Cachoeirinha e Gravataí. As duas cidades do Vale do Gravataí recebem também moradores atingidos em regiões como a Vila Farrapos, em Porto Alegre.
A cozinheira foi levada para o CTG Guapos da Amizade, onde outras 70 pessoas estavam abrigadas - somente uma família de Cachoeirinha, e o restante de Canoas. O local, no bairro Vista Alegre, tornou-se um dos pontos de intensa movimentação na manhã deste domingo. Desde pessoas ainda buscando abrigo até voluntários e moradores locais trazendo mantimentos, em uma corrente de solidariedade que toma conta da região.
Entre as pessoas que procuravam o CTG estava Cristine Lemos, 47 anos, e o marido, Júlio César, 67, com os três filhos, de oito, seis e dez anos. Haviam deixado para trás do apartamento no térreo de um conjunto habitacional no bairro Fátima, em Canoas. Não havia mais para onde escapar, quando a água, depois de ter destruído o apartamento da família, também chegou ao segundo piso do prédio e avançava.
"Só deu para salvar algumas coisas que botamos em um saco de lixo. E é o que estamos carregando, com a roupa do corpo. Tivemos que sair de barco, com tudo o que tínhamos em casa perdido para a água. Mas eu tenho certeza que vamos nos reerguer", disse Cristine.
Depois de alguns minutos esperando por um lugar no próprio CTG, já lotado, uma mobilização de voluntários encontrou lugar para a família em outro dos abrigos de Cachoeirinha.
No município, que contabiliza mais de 2 mil pessoas entre desalojadas e desabrigadas, foram organizados pelo menos dez abrigos entre igrejas, associações, escolas e CTGs. Situação semelhante acontece em Gravataí, onde há um total de 1,2 mil pessoas desalojadas e 155 desabrigadas, com pelo menos quatro estruturas realizando o abrigo a essas famílias. Nos dois municípios, são necessárias doações especialmente de materiais de higiene, limpeza, roupas de cama, água e alimentos não perecíveis.
Além de Canoas, Gravataí e Cachoeirinha continuam em alerta para o nível do Rio Gravataí, que seguiu subindo durante a madrugada e ultrapassou os 6 metros na região do Passo das Canoas, em Gravataí. Com o vento norte no começo da tarde deste domingo, o risco de represamento do rio em relação ao Guaíba é reduzido. São considerados em risco, já com família removidas, os bairros Vila Rica, Novo Mundo, Caça e Pesca, Mato Alto e Passo das Canoas em Gravataí, e Parque da Matriz, Eunice Velha, Vila Cachoeirinha, Veranópolis em Cachoeirinha.