O Dia Mundial das Doenças Raras, celebrado em 2024 nesta quinta-feira (29), tem como objetivo a conscientização e a importância do diagnóstico precoce. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), existem mais de 7 mil doenças raras no mundo, que atingem 13 milhões de pessoas somente no Brasil. Nos últimos anos, a medicina vem evoluindo na identificação dessas enfermidades, proporcionando também tratamentos mais adequados.
As doenças raras são encontradas em número reduzido de pessoas: 65 indivíduos a cada 100 mil. São caracterizadas pela diversidade de sinais e sintomas. Entre pessoas com a mesma doença, a patologia também se manifesta de forma diferente. A maioria das doenças raras (80%) é de origem genética e pode se manifestar apenas anos após o nascimento. O restante (20%) está relacionado a causas infecciosas, virais ou degenerativas, de acordo com a Sociedade Brasileira de Genética Médica e Genômica (SBGM).
Essas enfermidades são mais comumente encontradas em crianças mas podem ocorrer tanto em adolescentes quanto em adultos e idosos de ambos os sexos, conforme explica a geneticista Ida Schwartz, presidente da SBGM. A Triagem Neonatal Biológica, popularmente chamada de Teste do Pezinho, feito entre o segundo e quinto dia após o nascimento do bebê, pode detectar precocemente uma série de doenças, incluindo algumas raras, como fenilcetonúria e hipotireoidismo congênito, evitando as sequelas.
Entretanto, o exame não consegue identificar todas as doenças raras existentes atualmente. “O teste do pezinho é uma estratégia de diagnóstico antes do início dos sintomas de uma série de doenças, não necessariamente raras. Quando detecta uma das doenças raras, o tratamento começa antes de ter os sintomas e, com isso, o prognóstico é melhor”, afirma Ida Schwartz, presidente da SBGM, que é professora do Departamento de Genética da Ufrgs e chefe do Serviço de Genética Médica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.
De cada quatro pessoas que têm doenças raras, três são crianças, e a maioria recebe o diagnóstico tardio, por volta dos 5 anos, e após consultar com até 10 médicos diferentes. Isso faz com que as anomalias congênitas, em sua grande maioria com condições raras, representem a maior causa de mortalidade infantil até os cinco anos na maioria das regiões brasileiras.
O diretor científico da SBGM, Salmo Raskin, destaca outro problema decorrente dessas patologias, que é a sobrecarga do sistema de saúde. “Doenças raras também são um problema de saúde pública, até porque, no montante de atingidos, elas são tão comuns quanto o diabetes e a asma, por exemplo; porém, com o agravante de exigirem verdadeiras odisseias diagnósticas para serem descobertas”, alerta.
A presidente da entidade cita o avanço na Medicina nos últimos anos tanto no diagnóstico quanto no tratamento das doenças raras. “O maior avanço é o exame chamado sequenciamento de genoma que estuda todo nosso DNA. Além disso, os exames ficaram mais baratos e acessíveis”, ressalta Ida.
Pioneira na América Latina, Casa dos Raros completa primeiro ano de atividade em Porto Alegre
A Casa dos Raros oferece assistência integral, educação e pesquisa em doenças raras, sendo pioneira neste serviço na América Latina. Inaugurada em Porto Alegre em fevereiro de 2023 na rua São Manoel, nº 730, a instituição iniciou as atividades de tele atendimento em junho e o atendimento presencial em julho do ano passado.
“A Casa dos Raros nasceu da constatação de que algo deveria ser transformado no atendimento às pessoas com suspeita de ter uma doença rara e que ficam por vários anos à espera de um atendimento, apesar de termos excelentes serviços atuando nessa área. Verificamos que os pacientes padeciam muito tempo peregrinando de médico em médico e de exame em exame, numa verdadeira odisseia. Criamos a Casa dos Raros para inovar e dar uma resposta rápida às necessidades através de um modelo de atendimento inovador e eficiente, que usa amplamente recursos modernos como telemedicina, inteligência artificial e genômica”, explica o geneticista Roberto Giugliani, cofundador e presidente do Conselho da Casa dos Raros.
Desde o surgimento do espaço, milhares de pessoas já fizeram o registro de interesse por atendimento. Após a sinalização de interesse de uma pessoa ou família e seleção do caso, é feito um contato através da equipe de assistência social para conhecer melhor a situação. Os pacientes contam com equipe multiprofissional, incluindo geneticista, fisioterapeuta, nutricionista e psicólogo.
Cada caso é avaliado pela equipe clínica, que marcará um tele atendimento onde serão obtidos dados sobre a história médica, exames já realizados, árvore genealógica e outras informações. No momento em que é identificada a necessidade de uma avaliação presencial, a consulta é marcada para a Casa dos Raros, com a equipe multiprofissional mobilizada para uma avaliação abrangente e simultânea.
Os exames necessários serão agendados para coleta ou realização durante a consulta, otimizando o deslocamento. Após a equipe reunir todos os dados clínicos e laboratoriais e chegar a uma conclusão, um plano de manejo será elaborado e apresentado à família. Em apenas algumas semanas, são diagnosticadas doenças de pacientes que esperavam há mais de cinco anos por uma resposta.
Pessoas com as mais diferentes situações procuram apoio no local, desde casos sem diagnóstico, aqueles com diagnóstico, mas sem tratamento adequado, e ainda quem busca uma segunda opinião. “A Casa dos Raros não cobra nenhum valor pelo atendimento prestado para nenhum paciente. Estamos integrados ao SUS através de um convênio firmado em outubro de 2023 com a Secretaria Estadual da Saúde do RS que vai permitir atender mais de 1 mil pacientes ao longo de 42 meses, o que representa milhares de consultas e exames”, salienta Gugliani.
Nesta quinta-feira, duas atividades marcam o primeiro ano da Casa dos Raros: das 9h às 15h, o espaço estará de portas abertas para receber pacientes, familiares, voluntários e representantes de associações de pacientes em visitas guiadas Das 17h às 19h, será feita uma apresentação dos resultados e prestação de contas para autoridades, parceiros e lideranças setoriais.
“O Dia Mundial das Doenças Raras foi marcado para o dia 29 de fevereiro por ser um dia raro, que acontece apenas de 4 em 4 anos (nos anos não bissextos, é comemorado no dia 28/2). É importante ter essa data para marcar ações em todo o mundo para lembrar que 1 em cada 20 pessoas tem uma doença rara, e que muitas coisas podem ser feitas para reduzir o seu impacto para os pacientes e suas famílias.
Tecnologia ajuda a identificar doenças raras
O diagnóstico de uma doença rara pode levar longos períodos até ser descoberto. Nos últimos anos, novas tecnologias têm ajudado tanto pacientes quanto médicos a identificar a enfermidade. Foi o caso da paulistana Maria Clara Marques Bacci, de 74 anos, que no ano passado identificou ser portadora da doença hereditária rara e progressiva Fabry, caracterizada pelo acúmulo de um tipo de gordura no organismo, os chamados glicoesfingolipídios, levando a sintomas graves e sistêmicos no coração, sistema nervoso e nos rins.
“Na vida adulta minha saúde piorou muito, com dores em diversas partes do corpo, mas nunca imaginei que poderia ser algo além de alguma doença comum”, afirma. Maria Clara só suspeitou ser algo mais sério após seu filho, que mora nos EUA, identificar em um teste genético que poderia ter a doença de Fabry. “Por muito tempo buscamos informações sobre como descobrir isso aqui no Brasil, mas os exames eram muito caros. Além disso, não havia muita informação na internet”, completa.
Tecnologias que utilizam machine learning e Inteligência Artificial (IA) têm auxiliado na identificação ainda em fase inicial dessas doenças. “A maioria das doenças raras não têm cura, mas possuem tratamentos que ajudam a controlar os sintomas, oferecendo maior qualidade de vida ao paciente”, afirma Szymon Piatkowski, fundador e CEO da Saventic Health, empresa polonesa de tecnologia que desenvolve algoritmos de inteligência artificial para acelerar o diagnóstico de doenças raras, e que disponibiliza gratuitamente uma plataforma para que pessoas com algum sintoma ou limitação, ainda sem diagnóstico, possam realizar uma avaliação. Foi através da plataforma que Maria Clara encontrou para identificar a Fabry.
Segundo Piatkowski, na plataforma é possível encontrar uma descrição dos sintomas, causas e procedimentos disponíveis para as doenças. “Com base nas informações compartilhadas pelo paciente e na análise gerada pelo algoritmo, uma equipe médica, composta por clínicos gerais, imunologistas, geneticistas, entre outras especialidades, irá analisar cada caso individualmente. Havendo médio ou alto risco de doenças raras, podemos encaminhar o paciente para a realização de exames ou para um Centro de Referência, a depender da suspeita”, completa.
Conheça dez doenças raras
• Doença de Gaucher: Causa alterações no fígado e no baço. Os ossos ficam enfraquecidos e também podem ocorrer manchas na pele, cansaço, fraqueza, diarreia e sangramento nasal.
• Acromegalia: provoca aumento das mãos e dos pés e de outros tecidos moles do organismo como o nariz, as orelhas, os lábios e a língua. Os portadores podem desenvolver diabetes, insuficiência cardíaca, hipertensão, artrose e tumores benignos.
• Angiodema hereditário: causa inchaços nas extremidades do corpo, do rosto, dos órgãos genitais, mucosas do trato intestinal, da laringe e outros órgãos, além de náuseas, vômitos e diarreia.
• Doença de Crohn: Atinge o intestino e os casos mais graves podem apresentar entupimento ou perfurações intestinais. Entre os sintomas estão enfraquecimento, dores abdominais e nas articulações, perda de peso, diarreia com ou sem sangue, lesões na pele, pedra nos rins e na vesícula.
• Gastroenterite eosinofílica: Provoca alergia a todos os tipos de comida em seus portadores que, sem um diagnóstico assertivo, podem enfrentar quadros graves de desnutrição.
• Fibrodisplasia ossificante progressiva: Conhecida como “síndrome do homem de pedra”, caracteriza-se pelo enrijecimento de ligamentos, tendões e músculos do portador, tendo como principais consequências a paralisação progressiva dos membros e a deformação corpórea.
• Doença de Huntington: Afeta o cérebro e tem como sintomas perda de memória, movimentos anormais involuntários e alterações de humor, entre outros.
• Xeroderma pigmentoso (XP): Se manifesta nos primeiros anos de vida e pode causar queimaduras e ferimentos na pele e olhos com a mínima exposição à luz solar e/ou a outras fontes de radiação ultravioleta.
• Síndrome de Highlander: Caracterizada por manter a aparência dos portadores igual à de quando eram crianças. O atraso no crescimento e desenvolvimento hormonal faz com que adolescentes e adultos pareçam crianças.
• Hemofilia: Distúrbio genético que costuma afetar a coagulação do sangue. O principal sintoma é o sangramento prolongado na parte interna e externa do corpo.