As escolas da rede municipal de ensino de Porto Alegre que incentivarem ações antirracistas serão premiadas com o selo de "Educação Antirracista Professora Doutora Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva". O projeto de lei aprovado na Câmara de Vereadores de Porto Alegre é uma iniciativa do Coletivo Cuca Congo (PCdoB), formado pelas educadoras Luciane Congo, Carolina Schneider, Estela Benevenuto e Carmen Jecy Barros.
O prêmio será concedido anualmente às escolas da Capital que comprovadamente contribuam com ações e projetos voltados à defesa da educação antirracista e a promoção de uma educação para as relações étnico-raciais. As vereadoras do Coletivo Cuca Congo afirmam que a rede municipal de Porto Alegre ao longo dos anos têm desenvolvido nas instituições de ensino uma série de ações voltadas à educação antirracista.
Com mais de 50 anos dedicados à educação brasileira e com passagem pela Universidade Federal de São Carlos, em São Paulo, a professora e pesquisadora Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva, 81 anos, destaca que o projeto valoriza o povo negro de Porto Alegre que participou da construção da cidade. "A educação das relações étnico-raciais têm que estar na escola porque é na escola que discutimos, mostramos e perguntamos. É fundamental sabermos que Nação queremos", destaca.
No ano passado, a educadora recebeu da Câmara Municipal de Porto Alegre o Título de Cidadã Emérita. Nascida na rua Esperança (hoje rua Miguel Tostes), no bairro Rio Branco - na época chamada de Colônia Africana -, Petronilha Beatriz sempre considerou o tema sobre os negros importante na sua trajetória profissional. No Conselho Nacional de Educação, foi relatora das Diretrizes Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana, em 2004.
Jornal do Comércio - Qual o valor de reconhecer anualmente escolas municipais de Porto Alegre que, comprovadamente, contribuam com ações e projetos voltados à defesa da educação antirracista?
Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva - O projeto valoriza não só o povo negro de Porto Alegre que participou desde de sempre da construção da cidade. A iniciativa é importante também para o conhecimento de todos os brasileiros. Acima do rio Uruguai, ainda encontramos pessoas que perguntam: existem negros no Rio Grande do Sul. O importante na escola é que todas as contribuições sejam igualmente valorizadas, ou seja, as contribuições dos diferentes povos. As pessoas precisam ter conhecimento da história e necessitam saber como fomos nos construindo como povo e como gaúchos.
JC - Quais os desafios da educação brasileira?
Petronilha - Em primeiro lugar, os professores devem fazer uma pergunta fundamental: que Nação queremos. Queremos aquela que herdamos nos séculos 17, 18 e 19, que era racista, que explorava e matava os indígenas, escravizava pessoas e buscava negros na África para escravizar? A história da nação não é bonita. O fundamental é compreender que somos um País com diferentes raízes étnico-culturais. A educação das relações étnico-raciais tem que estar na escola porque é nas instituições de ensino que se discute, se pergunta, se mostra e se chama a atenção para a Nação que queremos ser.

JC- Porque o sistema de cotas é tão criticado no País? Qual a importância das cotas?
Petronilha - O sistema de cotas é tão criticado porque o Brasil foi se construindo como uma nação desigual. Somos uma nação que valorizou um grupo que eram os europeus: inicialmente os portugueses e depois outros grupos de origem europeia que chegaram ao País. Essa valorização desprezava e há quem despreze ainda quem não fosse branco e que tivesse uma origem notadamente europeia. Muitos não têm interesse em considerar as cotas porque seria uma forma de perderem seus privilégios. Privilégios que foram construídos por um grupo social que desvalorizava outros. A educação das relações étnico-raciais pretende ajudar que daqui alguns anos isso seja superado. Os negros são concorrentes e têm direito à educação e de estarem nas universidades.
JC - Como a senhora avalia a inclusão do ensino de história e cultura afro-brasileira no currículo das escolas na prática?
JC - Como a senhora avalia a inclusão do ensino de história e cultura afro-brasileira no currículo das escolas na prática?
Petronilha - A inclusão do ensino de história e cultura afro-brasileira tem avançado. Eu diria que sempre existiu porque, mesmo quando não era uma determinação legal, os professores dependendo do projeto de nação que eles transmitiam no seu ensino nas diferentes disciplinas, já faziam essa educação das relações étnico-raciais - até quando essa expressão não era usada ou divulgada. O Brasil não é pouco racista se não teríamos tantos anos de escravidão e não seriam necessárias as leis de cotas e as ações afirmativas. Não precisaria nada disso se fosse um País do reconhecimento.
JC - Somente o feriado do Dia da Consciência Negra é suficiente para promover e debater questões raciais no Brasil?
Petronilha - Somente o feriado não é suficiente. Agora, o fato de ser um feriado assinala a importância de que todos os brasileiros, independentemente da sua origem étnico-racial, têm uma responsabilidade com a construção da Nação. Essa responsabilidade implica necessariamente na valorização dos diferentes pertencimentos que contribuíram desde séculos e continuam contribuindo para com a construção da nação brasileira. Até porque somos a maior parte da população do Brasil conforme Censo do IBGE que mostrou que 55% das pessoas se auto declararam pretos e pardos.

JC - Quais outras medidas deveriam ser discutidas sobre o negro na sociedade brasileira?
Petronilha - O ponto importante que a sociedade brasileira precisa discutir é que o Brasil é constituído por diferentes povos e diferentes culturas - todos têm a sua contribuição e nenhuma é mais importante que a outra. Se a gente quiser fazer uma hierarquia vamos começar pelos mais antigos: os indígenas. Se quisermos partir para a maioria, vamos para os afro-brasileiros - a maior parte da população tem se declarada preta ou parda. Essa ideia ainda persistente que a cultura europeia é superior e mais importante não é verdadeira. Entre os europeus existe um sentimento construído a partir de uma auto imagem muito positiva desde que essa auto imagem não deprecie as demais etnias.