Atualizada às 20h
De Cachoeirinha
Quase uma semana depois da tempestade da terça-feira, 16 de janeiro, moradores da rua Dorival Cândido Luz de Oliveira, no bairro Granja Esperança, em Cachoeirinha, amanheceram esta segunda-feira com as cadeiras de praia no meio da rua e os galhos das dezenas de árvores destruídas durante o vendaval como barricada. Foi a forma de chamar a atenção para o desabastecimento de energia.
Pouco depois das 10 horas, uma equipe da RGE, empresa concessionária responsável pela distribuição de energia elétrica no município da Região Metropolitana, chegou ao bairro. Após ações em dois postes de energia, a luz foi restabelecida na vizinhança.
Essa foi a rotina da manhã desta segunda-feira (22) em toda a cidade. A prefeitura acionou a concessionária e, no domingo, obteve decisão liminar da Justiça determinando multa diária de R$ 50 mil à RGE caso a energia elétrica não seja restabelecida em 24 horas: o caminhão da empresa, acompanhado por uma viatura de agentes de trânsito de Cachoeirinha, percorria os pontos considerados ainda críticos no município para, finalmente, executarem serviços para o religamento.
Conforme a concessionária, 13 mil pontos permaneciam sem energia na região atendida pela RGE no início da manhã desta segunda-feira. À tarde, o número havia caído para 10 mil. Destes, 8 mil na Região Metropolitana – especialmente entre Cachoeirinha e Gravataí. De acordo com prefeitura de Cachoeirinha, além do bairro Granja Esperança, os bairros Vila Anair, Distrito Industrial, Fátima e Parque da Matriz seguiam com pontos sem luz nesta segunda. No início da noite, a concessionária informou que 8 mil pontos estavam sem abastecimento.
A falta de energia afetou os serviços de saúde em Cachoeirinha nesses últimos dias. Nesta segunda-feira, ainda havia três unidades de saúde do município sem atendimento, e outras três com atendimento restrito. Resultado tanto da falta de energia elétrica quanto dos estragos estruturais provocados pelo temporal.
Dona de confecção de uniformes contabiliza prejuízos
Nos arredores da Rua Dorival de Oliveira, a falta de energia elétrica foi muito além dos transtornos para a rotina diária dos moradores. Na confecção que Fátima Antunes, 60 anos, mantém em sua casa, por exemplo, o prejuízo de tantos dias sem produção chegou a R$ 25 mil.
"Tínhamos duas remessas e fase final de produção, com pelo menos 600 peças de roupas, e que não conseguimos finalizar. Além das encomendas que iniciamos agora em janeiro e não pudemos nem explicar direito para os clientes o motivo de não cumprirmos o prazo para entrega, porque até quinta ainda estávamos sem internet. Nunca ficamos tanto tempo sem energia elétrica aqui", conta a pequena empresária.
Ela emprega cinco mulheres na confecção, que atua há 28 anos com a produção de uniformes profissionais.
Mesmo com a religação da energia, no final da manhã desta segunda, a desconfiança era generalizada entre os moradores. É que, na sexta-feira, a luz voltou por volta das 13h, mas às 18h, desligou outra vez. Não deu nem tempo para as máquinas voltarem a funcionar na confecção da Fátima.
Cidade foi uma das mais atingidas
Na memória de todos na Granja Esperança ainda estão os momentos de tensão da noite da terça-feira passada. No telhado da casa da Fátima, ainda estão as marcas, com os buracos deixados pelas telhas quebradas e no vidro do carro da filha, destruído pelo portão que desabou.
A duas casas dali, porém, o radialista Luiz Pedro Vieira, de 82 anos, ainda tenta se recuperar do medo daquela noite.
"Foi o horror. Eu já estava deitado, e quando começaram o vento e tantos raios, só deu tempo de pegar o cachorro e nos proteger onde dava. E quando deu o estouro com a árvore caindo, foi horrível", conta.
É que, junto ao muro da casa de esquina há duas árvores de grande porte. Parte de uma delas desabou sobre parte da casa do radialista. Era um desfecho que ele temia há bastante tempo. Em 2007, fez a solicitação ao município para a remoção das árvores que já danificavam o terreno. Somente oito anos depois foi feita uma vistoria, que não autorizou a retirada, mas a poda parcial das árvores, a ser custeada pelo morador. Vieira não tinha condições de custear.
A estimativa da prefeitura é de que, somente entre placas de sinalização, abrigos de ônibus e buracos nas vias, a tempestade tenha deixado um prejuízo de R$ 900 mil entre os estragos. Por meio de nota, o governo municipal de Cachoeirinha afirma já ter investido R$ 2 milhões nos trabalhos de recuperação.
Ação judicial da prefeitura no final de semana
No final de semana, a prefeitura de Cachoeirinha, por meio da Procuradoria-Geral do Município, ingressou com uma ação civil pública contra a RGE. Na ação, o governo alega que "15 mil usuários, entre residências e estabelecimentos comerciais, permaneciam sem energia elétrica, sem uma estimativa de retorno do respectivo abastecimento". A situação das unidades de saúde é salientada na ação.
Ainda no domingo, a juíza Andréa Caselgrandi Silla atendeu ao pedido do município em medida liminar, determinando multa de R$ 50 mil diários caso a RGE não restabeleça plenamente o abastecimento de energia em Cachoeirinha em 24 anos. No Vale do Rio Pardo e do Taquari, onde a RGE informa haver outras quatro mil economias ainda sem energia, as prefeituras de Venâncio Aires e Estrela tiveram a mesma iniciativa.
Em nota, a assessoria de imprensa da RGE justifica que "no pico do temporal, na madrugada de terça para quarta-feira, 714 mil clientes ficaram sem energia elétrica. Com o trabalho das equipes da RGE, já foi possível normalizar o fornecimento para 701 mil clientes (98%). A empresa segue totalmente mobilizada e trabalha para restabelecer o fornecimento aos 13 mil clientes (dados desta segunda, às 7h) sem energia no menor prazo possível".
A concessionária não especifica quais são as situações mais críticas no caso de Cachoeirinha, mas aponta, na mesma nota: "a maioria dos serviços que restam a ser feitos para normalização total do fornecimento são de grande complexidade devido ao volume de resíduos de vegetação e objetos sobre a rede. Esses serviços, além de demorados, quando concluídos, permitem religar poucos clientes".
Em relação à decisão liminar da Justiça em Cachoeirinha, a RGE garante que está prestando todas as informações às autoridades.