O tradicional sistema de transporte seletivo urbano de Porto Alegre enfrenta a pior crise em sua trajetória. Criado em 1976 como alternativa ao ônibus, o serviço de lotações sofre com a queda acentuada no número de passageiros. Em decorrência disso, também houve forte redução no número de veículos em operação para fazer esse tipo de transporte.
Segundo dados levantados pela Associação dos Transportadores de Passageiros por Lotação de Porto Alegre (ATL) em conjunto com a Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC), atualmente operam na Capital 221 veículos em 19 linhas. Mas, outros 122 micro-ônibus que faziam o serviço estão hoje inativos.
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A média mensal de passageiros está estimada em cerca de 450 mil atualmente. A maioria dos usuários são mulheres, que representam 65% entre os viajantes. Também se destaca o grupo de idosos, que oscila entre 15% a 25% dos passageiros.
Para se ter uma ideia da magnitude da queda na demanda do serviço de lotações, em 2017, o fluxo de passageiros no ano inteiro foi de 11.731.659, uma média de quase 1 milhão por mês. Ou seja, em apenas seis anos, o serviço perdeu mais da metade do seu público.
E a queda, ano após ano, é constante. No ano passado, por exemplo, foram 6.481.323 passageiros, enquanto que, em 2023, a tendência - de acordo com a média atual - é que o total seja de 5,4 milhões de passageiros no todo.
Concorrência com aplicativos e pandemia desencadearam a crise
Inicialmente denominadas taxis-lotações, os micro-ônibus de três cores tornaram-se um dos símbolos da capital gaúcha. Ao longo das décadas, foi se fortalecendo, sendo ainda muito forte na primeira metade da década passada.
O declínio começou com a popularização dos aplicativos de transporte individual em Porto Alegre no ano de 2015. A partir daí, o número de passageiros que utilizam o serviço de lotação diminuiu drasticamente. E a situação se agravou ainda mais a partir de 2020 com a pandemia de Covid-19, quando muitas pessoas passaram a evitar o transporte público.
Para o presidente da Associação dos Transportadores de Passageiros por Lotação de Porto Alegre (ATL), Magnus Isse, o fechamento do comércio durante a crise sanitária foi determinante para a crise. "Como poderíamos continuar pagando impostos e salários com tão poucos clientes? Esse período nos causou um déficit significativo", lamenta Isse.
Agora, no pós-pandemia, depois de alguns anos congelamento ou pequenos reajustes na tarifa, o preço teve um aumento recente e a passagem de lotação foi fixada em R$ 8,00, cerca de 1,65 vezes o valor do transporte por ônibus.
Tarifa se distanciou do preço da passagem de ônibus
O presidente da Associação dos Transportadores de Passageiros por Lotação de Porto Alegre (ATL) também critica a falta de apoio da prefeitura de Porto Alegre. Segundo ele, o Executivo privilegia os ônibus em detrimento das lotações. Com isso, houve um distanciamento no preço das passagens, o que também contribui para a perda de passageiros.
"A prefeitura está subsidiando ônibus, mas não faz o mesmo pelas lotações. Isso fez com que nossa tarifa subisse para R$ 8,00, enquanto a dos ônibus permaneceu em R$ 4,80. É claro que essa discrepância de preço influencia na escolha dos passageiros", compara Isse.
O representante dos transportadores também observa que o grupo está "enfrentando uma situação extremamente delicada, incluindo o aumento do custo do diesel e os altos gastos com a manutenção dos veículos. Gostaríamos que o governo municipal nos olhasse com atenção e auxílio", demanda.
Isse não descarta, inclusive, que o serviço de lotações acabe na capital gaúcha. "Extinguir o sistema de lotações seria uma grande perda para Porto Alegre. Além de oferecermos um serviço diferenciado ao público, também empregamos milhares de pessoas na cidade”, completa.
O fato é que a diferença para a tarifa de ônibus também afasta alguns passageiros. As estudantes Sophia Goulart e Ana Paula Tavora afirmam necessitar de transporte público, mas “não se dão ao luxo de pegar lotação”. Ambas possuem meio passe estudantil, pagando R$ 2,40 em cada passagem de ônibus. Dessa forma, precisariam de três viagens para equivaler a uma de lotação. “A verdade é que as lotações estão fora da realidade financeira”, argumenta Ana Paula.
Mesmo com as reclamações, ambas destacam que gostariam de utilizar mais o sistema, principalmente por sua praticidade e conforto, características que, na visão delas, o ônibus não consegue proporcionar da mesma maneira. “Se elas fossem mais baratas e passassem em mais locais, com certeza fariam parte do cotidiano de muito mais pessoas”, completa Sophia.
São justamente essas qualidades que atraem Pedro Valentina, de 53 anos. O aposentado utiliza diariamente o serviço de lotações para locomoção, mas reclama da diminuição do número de veículos nos últimos anos.
“Muitas linhas deixaram de existir depois da pandemia. Também tem a questão do intervalo entre as lotações, que hoje é muito mais demorado e prejudica bastante quem utiliza o serviço. Porém, mesmo com esses problemas, as lotações me oferecem inúmeras vantagens em relação a outras opções de transporte, e não pretendo deixar de usá-las,” explica Valentina.
EPTC afirma que está buscando soluções para o serviço
Flávio Tumelero, gerente de Planejamento de Transportes da EPTC, reconhece a importância das lotações e assegura que o órgão está empenhado em buscar soluções para o setor. "É um sistema antigo e muito importante para nossa cidade. Não queremos de jeito nenhum o encerramento dele. Por isso, temos trabalhado em alternativas, tentando atrair mais passageiros e deixando-o economicamente viável. Entretanto, é preciso ressaltar que enfrentamos muitas dificuldades, mesmo que as lotações estejam cada vez mais modernas e tecnológicas", destaca.
No final do mês de outubro, a EPTC liberou o pagamento das passagens nas linhas de lotação em Porto Alegre por Pix e cartões de crédito e débito. Essa medida deve facilitar o atendimento ao público, mas não resolve o problema da concorrência e comparação do valor da tarifa com ônibus e aplicativos, principal causa da queda no número de usuários.