Luciane Medeiros, de São Paulo
Garantir o acesso ao pré-natal é fundamental para evitar as mortalidades materna e infantil e uma oportunidade para que a mulher, além de ter os cuidados e orientações médicas adequados, possa tomar decisões sobre a gravidez. Dados da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS/OMS) mostram que mais de 800 mulheres morrem por dia no mundo em decorrência de complicações na gravidez ou no parto. Depois de alguns anos estabilizado, o índice de mortalidade materna voltou a subir, agravado pela pandemia da Covid-19. Em 2020, chegou a 74,7 óbitos a cada 100 mil nascidos vivos no Brasil, alcançando 117,4 mortes em 2021, segundo o Ministério da Saúde. "Retornamos ao patamar de 1995, foi um retrocesso de 26 anos”, compara Luciana Phebo, chefe de Saúde do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) no Brasil, que foi uma das painelistas do 20º Seminário Latino-Americano de Jornalismo em Ciência e Saúde, mediado pela farmacêutica MSD nos dias 19 e 20 em São Paulo.
É durante o pré-natal que a gestante pode identificar doenças que colocam em risco sua vida e do bebê e saber qual o tratamento adequado. No pré-natal bem feito, ao saber que é hipertensa, por exemplo, a gestante tomará conhecimento dos cuidados que deve tomar através dos protocolos no Ministério da Saúde em relação ao tratamento medicamentoso, o estilo de vida que deve seguir e também quais maternidades estão preparadas para atender riscos em caso de eclâmpsia ou de hipertensão.
“O pré-natal é um espaço também de empoderamento da mulher e da família. É nele que a gestante não só recebe orientações sobre a sua gravidez mas também sobre os seus direitos. Direito de escolher a via do parto. Qual é a melhor forma de ter o meu filho para minha saúde e para a saúde do meu bebê? Em circunstâncias normais com certeza é o parto normal. As famílias precisam também saber disso”, ressalta a médica. Ela lembra que o Brasil é campeão em cesarianas e, nas situações em que são feitas como cirurgia eletivas, colocam a mulher e o bebe em risco ao aumentar as chances de hemorragia, infecção e prematuridade, este último uma das principais causas de mortes neonatais.
Luciana destaca a importância do atendimento pré-natal para reduzir as mortes de gestantes. Foto: Hara Fotografia/Divulgação/JC
O Ministério da Saúde recomenda no mínimo seis consultas no pré-natal. A primeira no primeiro trimestre, já a partir do teste positivo; duas visitas ao ginecologista no segundo trimestre e três no terceiro. Entre as causas diretas da mortalidade materna, comuns no mundo todo, estão a hipertensão, hemorragia, infecção puerperal e aborto. “São passíveis de prevenção na maioria das vezes; 92% dessas causas não deveriam ter levado à morte”, afirma Luciana.
Em 2021, segundo a chefe de Saúde do Unicef, 1.023 mulheres morreram, enquanto no máximo 100 poderiam ter ido a óbito se de fato tivessem acompanhamento pré-natal. No Brasil, a maioria das gestantes (93%) tem pelo menos quatro consultas. Mesmo entre as que conseguem seguir a orientação do Ministério da Saúde, o problema esbarra no atendimento recebido no pré-natal. “Sabemos que a qualidade dos serviços médicos no Brasil e também em vários outros países na nossa região é atravessada pela desigualdade territorial, de raça e de etnia. Dependendo de onde você vive, o serviço e qualidade do pré-natal são diferentes”, avalia. Em 2021, as mulheres negras e pardas representaram 62% das mortes obstétricas, acima dos índices entre as mulheres brancas, que ficaram em 34,9%.
“Fortalecer a atenção primária é chave. É por aí que as coisas de fato vão mudar e reduzir as desigualdades não só do acesso mas também da qualidade do pré-natal e no pós-parto. É urgente e funciona não só para diminuir a mortalidade materna, mas também para garantir e promover os direitos de todas as mulheres e de todas as crianças”, destaca.
Neste mês, o Unicef e a MSD lançaram uma parceria para promover a saúde integral da mulher no pré-natal, parto e puerpério nos municípios do Selo Unicef. O objetivo é conscientizar gestores e profissionais da saúde, reforçando os direitos reprodutivos da mulher gestante e famílias. Com a parceria, 1,5 mil gestores e profissionais de saúde serão capacitados como forma de promover a saúde da mulher no pré-natal, parto e puerpério e reduzir taxas de mortalidade materna, beneficiando mil unidades de saúde. O trabalho será desenvolvido durante pelo menos três anos e beneficiará indiretamente 100 mil mulheres grávidas e crianças.