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Piscicultura

- Publicada em 06 de Julho de 2023 às 12:13

Pescadores comemoram proibição da pesca de arrasto no Rio Grande do Sul

Ministros do STF entenderam que a prática pode ser restringida para proteger o meio ambiente

Ministros do STF entenderam que a prática pode ser restringida para proteger o meio ambiente


Maurício Vieira/Secom - SC/JC
Atualizada às 18h15min
Atualizada às 18h15min
O Supremo Tribunal Federal (STF) validou lei de 2018 proibindo a pesca de arrasto na faixa marítima de três a 12 milhas náuticas (5,5 a 22,2 quilômetros) no Rio Grande do Sul. Por 9 votos a 1, os ministros entenderam que a modalidade de pesca pode ser restringida pelo Estado para proteger o meio ambiente. A manutenção da proibição é considerada benéfica por pescadores artesanais, que apontam melhoras na pesca desde a aprovação da lei.
Nilton Mendes Machado, presidente da Colônia de Pescadores Z1, de Rio Grande, diz que desde o início da proibição tem ocorrido o aumento de espécies. “Dentro de pouco tempo, teremos uma maior quantidade de peixes e crustáceos”, avalia. Os cerca de 1 mil pescadores que fazem parte da colônia pescam no Estuário da Lagoa dos Patos peixes como corvina, tainha, linguado, bagre e outros, além de crustáceos como camarão e siri. A manutenção da lei contribui para a proteção do estuário. “Se protegemos a costa oceânica, protegemos o estuário”, afirma Machado.
Na mesma linha vai a análise do presidente da Colônia de Pescadores Z4, Antônio Carlos Cunha de Carvalho, que também viu melhora na pesca da tainha desde a proibição. A Z4 abrange as regiões de Belém Novo, Lami, Vila de Itapuã e Varzinha e tem em torno de 115 pescadores. “Para nós, a pesca de arrasto prejudica porque pescamos na Lagoa dos Patos e dependemos dos peixes que entram ali. A pesca de arrasto é feita por grandes embarcações, são navios maiores”, explica.
Ana Spinelli, superintendente federal do Ministério da Pesca e Aquicultura no Rio Grande do Sul, lembra que na ocasião da aprovação da legislação encaminhada pelo Executivo à Assembleia Legislativa houve mobilização de toda a sociedade gaúcha, com a participação da indústria pesqueira, sem nenhum voto contrário dos deputados. A superintendente, que foi coordenadora de extensão Pesqueira da Emater, diz que a lei proibindo a pesca de arrasto atinge grandes indústrias do setor, sobretudo embarcações de Santa Catarina que descem até o litoral do Rio Grande do Sul
A superintendente explica que a demanda de exclusão da prática nessa área deve-se ao fato de a região ser mais sensível e se tratar de local de reprodução e berçário das espécies, muitas delas ameaçadas de extinção. A medida era defendida por todo o setor pesqueiro gaúcho. “Os pescadores artesanais precisam que os peixes cheguem mais próximo da costa e nos estuários. A pesca de arrasto na área costeira vem impactando principalmente os pequenos pescadores mas também os nossos armadores. Os pescadores industriais da costa gaúcha também vinham percebendo a redução de estoques pesqueiros”, salienta.
No caso do Rio Grande do Sul, as licenças para pesca marinha são dadas na faixa litorânea Sudeste-Sul. Pescam na costa gaúcha empresas do Espírito Santo para baixo, mas principalmente as frotas de Santa Catarina. “Quem mais foi impactado foi a frota camaroeira de arrasto que explorava muito a nossa área costeira. A motivação da contestação da lei seria a constitucionalidade, questionada pelo setor pesqueiro de Santa Catarina, na época pelo então senador Jorginho Mello (PL), atual governador catarinense”, esclarece.
A pesca de arrasto é muito pouco seletiva por capturar espécies pequenas que são desprezadas. Em torno de 70% do que é pescado dessa forma é jogado fora por não ter valor comercial. Segundo Ana, já se percebe uma diferença grande na quantidade de espécies com o aumento de estoques e espécies que não se via há muito tempo novamente sendo capturadas. “Mudou o cenário da pesca que estava bem ruim, todos têm percebido”, garante.  
Procurado pelo Jornal do Comércio, o Sindicato dos Armadores e das Indústrias da Pesca de Itajaí e Região (Sindipi) disse que proibição afeta não apenas a frota de Santa Catarina, mas os estados da região Sudeste e Sul como um todo. Segundo a entidade, espécies de camarão cujo estoque provavelmente é compartilhado entre Brasil, Uruguai e norte da Argentina deixaram de ser capturadas por embarcações brasileiras e agora são importadas destes mesmos países. Um duro golpe para a pesca nacional.

"O Sindipi defende a pesca sustentável e para isso entende que todo impacto ao meio ambiente pode e deve ser remediado. No entanto, fazer gestão eficaz dos recursos pesqueiros é muito diferente de apenas proibir. Os resultados do Projeto Manejo Sustentável da Fauna Acompanhante na Pesca de Arrasto na América Latina e Caribe (Projeto FAO REBYC II – LAC), que é coordenado pela FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) mostraram que é possível melhorar significativamente os níveis de sustentabilidade da pescaria através da incorporação de alternativas tecnológicas para redução da fauna acompanhante (BRDs)", diz nota enviada à reportagem.

Para garantir uma gestão eficiente da pesca, o Sindipi considera fundamental que as decisões sejam fruto de contribuições coletivas, que tenham como foco o respeito ao meio ambiente e à segurança alimentar, além da geração de emprego e renda. "Neste sentido e diante da decisão recente do STF, entendemos que este diálogo ainda pode ser construído junto ao Estado do Rio Grande do Sul para a continuidade do arrasto de camarão durante o seu período de safra, que é de 4 meses, e adotando as medidas que estavam contempladas no Plano para Retomada Sustentável da Pesca de arrasto, publicada pela Portaria SAP/MAPA nº 115, de 19 de abril de 2021", conclui o texto.
 

Entenda o caso

A pesca de arrasto é considerada prejudicial aos ecossistemas marinhos e contestada por diversas entidades de proteção ao meio ambiente. A rede lançada nas águas acaba por capturar diversas espécies, e não só o objeto da pesca.
Em 2019, o Partido Liberal (PL) contestou a lei que proibiu a prática no Rio Grande do Sul e ingressou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI). Na sexta-feira passada (30/06), o STF analisou a questão e considerou a lei válida, uma vez que a pesca de arrasto retira do mar parte da biodiversidade marítima.
Ao analisar a questão, prevaleceu o voto proferido pela ministra Rosa Weber. Para a ministra, deve ocorrer equilíbrio entre a atividade econômica e a proteção do meio ambiente.
"É de destacar que a elaboração da política ambiental riograndense, pelo governo estadual e a Assembleia Legislativa gaúcha, ocorreu de forma bastante democrática, com amplo incentivo à participação dos setores envolvidos, da indústria da pesca e das comunidades pesqueiras tradicionais do estado, além de apoiar-se em substancioso e fundamentado estudos técnicos", escreveu a ministra.
O voto divergente foi do ministro Nunes Marques, relator do caso. Para o ministro, que ficou vencido na votação, a norma gaúcha invadiu competência da União para legislar sobre o assunto.