Quase sete anos após o decreto da lei municipal complementar nº 808/2016, que determinou que as concessionárias do transporte público de Porto Alegre transferissem a gestão e a administração da bilhetagem eletrônica para o município, a prefeitura assinou, nesta terça-feira (28), um contrato de consultoria com a Fundação Getúlio Vargas (FGV) para viabilizar o novo sistema de bilhetagem do transporte público da Capital.
De acordo com o titular da Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana (SMMU), Adão de Castro Júnior, a consultoria serve para indicar o modelo ideal de bilhetagem, que já deveria estar sob responsabilidade total da prefeitura desde 31 de dezembro de 2018 conforme a Lei, mas que ainda é operado pela Associação dos Transportadores de Passageiros de Porto Alegre (ATP),como confirmou a assessoria da Associação. "Durante a pandemia, a discussão realmente ficou paralisada, mas agora estamos em outro momento", disse o secretário. Ele afirmou ainda que com o estudo será possível projetar novas formas de pagamento nos coletivos, como Pix e cartão de crédito ou débito.
O secretário não garantiu, no entanto, que os preços das tarifas possam reduzir com a mudança e ressaltou que parte do valor da passagem já é hoje subsidiado pela prefeitura. "Um sistema mais moderno pode eventualmente provocar redução nos custos, mas isso precisaria ser acompanhado de redução de custos em toda a operação", ponderou. Ele não descartou, ainda, algum tipo de parceria público-privada em relação às operações do sistema de bilhetagem. "Pode ser uma administração direta do setor público, uma concessão, uma parceria público-privada. O estudo vai apontar a melhor modelagem."
Quando questionado pela reportagem se uma concessão não entraria em conflito pelo que é determinado pela Lei de 2016, ou seja, que a prefeitura tenha total gestão e administração da bilhetagem, o secretário disse que "não necessariamente." "É como no transporte público. A gestão e administração são da prefeitura, já a operação é feita pelas empresas concessionárias. Pode-se ter o mesmo entendimento da bilhetagem. O que é preciso é que o município tenha a gestão completa do sistema, desde o carregamento, o valor, até a administração financeira do recurso", concluiu.
Para a vereadora Karen Santos (PSOL) – uma das autoras da representação que deu início ao processo que resultou em uma ação civil pública do Ministério Público do Rio Grande do Sul em 2021 exigindo que as empresas transferissem à prefeitura a gestão da bilhetagem – é preciso que a pesquisa contratada seja conclusiva para que haja, então, uma licitação que contemple a bilhetagem de Porto Alegre administrada pelo poder público. Ela acredita, ainda, que o sistema poderia ser desenvolvido por órgãos públicos como a EPTC ou a Procempa, e não por uma empresa terceirizada.
"Na gestão pública, são servidores que desempenham o trabalho. Eles não têm essa proximidade com a iniciativa privada, onde há muita concorrência, não vão entrar em um dia e sair no outro levando informações sobre a tecnologia. Assim, poderíamos desenvolver uma tecnologia barata e segura para os usuários", refletiu a vereadora. Além disso, ela também acredita que seria mais fácil fiscalizar os recursos provenientes da bilhetagem de sistema público. "Se for terceirizado, se no lugar da ATP tiver apenas uma empresa privada, pode ser mais difícil auditar, por exemplo", finalizou.
A consultoria da FGV contratada pela prefeitura tem prazo previsto de 18 meses para ser concluída. Ao final do contrato, um relatório, com um projeto de licitação, vai fornecer os subsídios que permitam ao poder público decidir sobre a melhor forma e modalidade previstas em lei para assumir a gestão da bilhetagem eletrônica.
Entenda o caso
Desde que foi sancionada em 2016, a legislação previa um prazo de dois anos (que se encerrou em 31 de dezembro de 2018) para ajustar a bilhetagem eletrônica do município, deixando-a integralmente sob responsabilidade da prefeitura.
No entanto, até hoje, o sistema é operado pela Associação dos Transportadores de Passageiros de Porto Alegre (ATP). Em 2021, o Ministério Público do Rio Grande do Sul (MPRS) solicitou na Justiça que a bilhetagem fosse transferida à administração pública por meio de uma Ação Civil Pública.
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) determinou, então, em setembro do mesmo ano, que a ATP e a prefeitura entregassem, em 30 dias, um cronograma para enviar ao juiz Fernando Carlos Tomasi Diniz, da 4ª Vara da Fazenda Pública de Porto Alegre, com informações de como seria feita a troca da gestão.
A reportagem procurou o TJ-RS para saber se o cronograma foi entregue e quais seriam os prazos, mas, até o fechamento desta matéria, não foi possível obter as respostas.