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Uma década depois do incêndio na Kiss, Brasil ainda não tem protocolo contra intoxicação química
Projeto de autoria do senador gaúcho Paulo Paim (PT) institui nova política de toxicologia no SUS, mas está parado na CCJ
Passados 10 anos do incêndio na Boate Kiss, em Santa Maria, que tirou a vida de 242 pessoas e feriu outras 636, o Brasil ainda não tem um protocolo de atendimento correto a vítimas de intoxicação química. Está parado na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados, desde junho de 2018, um Projeto de Lei (PL 9.006/2017), de autoria do senador gaúcho Paulo Paim (PT), para instituir o Sistema Nacional de Logística de Antídotos (Sinalant).
Na avaliação da médica do Centro Estadual de Vigilância de Saúde do Trabalhador de Santa Maria na época da tragédia, Rosa Maria Salaib Wolff, o atraso para ministrar o antídoto correto aos pacientes que haviam inalado os gases gerados pela combustão da espuma de isolamento acústico da boate pode ter contribuído para o agravamento das sequelas de saúde e o aumento no número de mortos em decorrência do incêndio.
Uma das primeiras pessoas a perceber que o material de vedação queimado exalava ácido cianídrico, Rosa Maria começou a buscar informações sobre o antídoto correto a ser ministrado nos pacientes. “Eu estava acostumada a lidar com casos de envenenamento por produtos químicos, já que era a minha função. Mas foi difícil convencer as pessoas de que se tratava do cianeto, pois as equipes não estavam preparadas para atender casos como estes”, lamenta a médica.
Da entrada dos feridos à suspeita da intoxicação por cianeto passaram-se poucas horas. A dificuldade maior foi entender que os códigos brasileiros - baseados em protocolos internacionais -, orientando a utilização de vitamina B12 nesses casos, estavam errados. Ocorre que a fórmula comercializada no Brasil apresenta uma baixa quantidade do antídoto necessário para eliminar o veneno do corpo.
Ciente de que cada minuto era essencial para reduzir os efeitos tóxicos no organismo, a médica procurou a professora titular de Toxicologia na Faculdade de Farmácia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), Solange Garcia. “Na segunda-feira pós incêndio, fui avisada que os sobreviventes não estavam apresentando melhora e que a intoxicação por cianeto podia ser a causa. Neste mesmo dia, tentei contatar profissionais da saúde, médicos do Hospital Universitário de Santa Maria e, na terça-feira, passei um guia europeu que indica a hidroxocobalamina 5g, pois os jovens estavam recebendo medicamentos totalmente ineficazes para o tratamento”, relata a especialista.
Como os códigos nacionais para o tratamento não estavam corretos, demorou para se conseguir convencer as autoridades sobre a necessidade de importação do remédio certo. Para isso, foi necessária a coleta de sangue dos jovens internados a fim de provar que os níveis de elemento tóxico nas amostras estavam realmente elevados.
De posse dos resultados, e sem nenhuma sinalização da compra deste medicamento, Solange entrou em contato com a Organização Mundial de Saúde (OMS) solicitando, “desesperadamente”, a autorização para que esse remédio chegasse em solo gaúcho a tempo.
“Na quinta-feira à noite, por volta das 22h, a direção do Hospital Universitário retornou as minhas ligações. Eles entraram em contato com a Anvisa, que garantiu a importação do medicamento. O antídoto chegou no sábado, dia 2 de fevereiro, no final da tarde. Após quatro dias de internação, 19 sobreviventes que receberem o remédio tiveram alta hospitalar em um período inferior a 24 horas”, conta Solange.
SUS ainda não está preparado para o atendimento de intoxicados por agentes químicos
De acordo com Solange Garcia, em 1993, o Sistema Único de Saúde (SUS) percebeu que não estava preparado para o atendimento de intoxicados por venenos de animais e criou o Programa Nacional por Acidentes por Animais Peçonhentos, o que permitiu intensificar e diversificar a produção de soros, estabelecer aperfeiçoamento médico para atendimento aos acidentados, inclusive com o uso de telemedicina, suprir o mercado no Brasil e em países vizinhos, que também necessitam do soro.
"Passados 20 anos, com o incêndio da Kiss, percebemos que precisamos criar o Programa Nacional de Política dos Antídotos, este programa vem sendo reivindicado há muito tempo pela Associação Brasileira dos Centros Toxicológicos".
Este conjunto de fatos demonstra que o Sistema não estava preparado para o atendimento de intoxicados por agentes químicos. E ainda não está. Apesar da inclusão da hidroxocobalamina na lista de recursos disponíveis no SUS, não há no Brasil um modelo de lei para Apoio e Reparação de Assistência às vítimas de intoxicação química.
Justamente este é o ponto principal do projeto do senador Paulo Paim, aprovado pela Comissão de Assuntos Sociais do Senado (CAS). Caso a proposta já tivesse sido aprovada a emenda que tramita desde 2017, vítimas por inalação de metais pesados que trabalharam nos resgates de corpos em dois emblemáticos desastres – de Brumadinho e de Mariana – poderiam ter as sequelas de saúde amenizadas.
Para Paim, "o projeto já deveria ter sido apreciado em razão da importância do tema. Contudo, entre outros motivos, temas relacionados à pandemia de Covid-19 tiveram prioridade nos últimos anos, além dos projetos com prioridade de tramitação, como Medidas Provisórias. As comissões passaram alguns anos sem deliberar. É provável que com a retomada do regime normal de tramitação, o projeto seja provado em breve", acredita o senador.
A Associação de Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM) promove, desta quarta-feira (25) até sábado (28), uma extensa programação, com painéis de discussão e homenagens às vítimas.
Como ocorreu o incêndio
Na madrugada do dia 27 de janeiro de 2013, um incêndio na Boate Kiss, em Santa Maria, deixou 242 mortos, a grande maioria jovens que se divertiam no local. O fogo começou quando o um integrante da banda que fazia show naquela noite lançou um artefato pirotécnico que atingiu a espuma de vedação - altamente inflamável - do teto da boate. O material em combustão gerou o gás tóxico cianeto, responsável pela intoxicação das vítimas.
O que diz o PL 9.006/2017
Em tramitação na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 9.006/2017 inclui no campo de atuação do Sistema Único de Saúde (SUS) a formulação e a execução de uma de política de informação, assistência toxicológica e logística de antídotos e medicamentos usados em intoxicações.
A proposta é de autoria do senador Paulo Paim (PT-RS) e já foi aprovada no Senado. O texto altera a Lei do SUS (Lei 8.080/90). O objetivo é criar um sistema público de distribuição de antídotos e medicamentos de combate a intoxicações.
O projeto define assistência toxicológica como “o conjunto de ações e serviços de prevenção, diagnóstico e tratamento das intoxicações agudas e crônicas decorrentes da exposição a substâncias químicas, medicamentos e toxinas de animais peçonhentos e de plantas tóxicas”.
O texto será analisado em caráter conclusivo pelas comissões de Seguridade Social e Família; e Constituição e Justiça e de Cidadania.
A proposta é de autoria do senador Paulo Paim (PT-RS) e já foi aprovada no Senado. O texto altera a Lei do SUS (Lei 8.080/90). O objetivo é criar um sistema público de distribuição de antídotos e medicamentos de combate a intoxicações.
O projeto define assistência toxicológica como “o conjunto de ações e serviços de prevenção, diagnóstico e tratamento das intoxicações agudas e crônicas decorrentes da exposição a substâncias químicas, medicamentos e toxinas de animais peçonhentos e de plantas tóxicas”.
O texto será analisado em caráter conclusivo pelas comissões de Seguridade Social e Família; e Constituição e Justiça e de Cidadania.
Fonte: Agência Câmara de Notícias