Cláudio Isaias, de Santa Maria
Os 10 anos da tragédia da Boate Kiss, em Santa Maria, foram lembrados com diversas atividades ao longo desta quinta-feira (26). Durante o dia, moradores da cidade foram até a frente do prédio onde funcionava a danceteria, na Rua dos Andradas, 1.925, no Centro, conferir as mensagens colocadas na entrada do local e na calçada. Uma delas chamou a atenção de quem passava pela Rua dos Andradas: "1ª Câmara Criminal do TJRS, até quando a injustiça vai servir a impunidade???" escrito na porta lacrada com cadeado. Na calçada, foram colocados questionamentos como: "O que Santa Maria diz sobre a Kiss"; "Você sabe quem são e como estão os sobreviventes da Kiss?"; "É possível uma elaboração coletiva deste trauma?" e "Onde você estava no dia 27 de janeiro de 2013".
Há dez anos, a festa "Agromerados" reuniu centenas de jovens na Kiss. A Banda Gurizada Fandangueira realizava o show, quando o vocalista Marcelo de Jesus dos Santos disparou um artefato pirotécnico, atingindo parte do teto do prédio, que pegou fogo -
muitos morreram intoxicados pelo ácido cianídrico liberado na combustão da espuma de vedação acústica da boate. O incêndio, que se alastrou rapidamente, causou a morte de 242 pessoas e deixou 636 feridos. As responsabilidades foram apuradas em seis processos judiciais. O principal tramitou na 1ª Vara Criminal da Comarca, foi dividido e originou outros dois (falso testemunho e fraude processual).
Nesta quinta, no auditório da seção sindical dos docentes da Universidade Federal de Santa Maria, foi apresentada uma colcha de retalhos feita por pessoas que passavam pela praça Saldanha Marinho, em Santa Maria, enquanto o julgamento acontecia em Porto Alegre em dezembro de 2021. Durante os dez dias do Tribunal do Júri, na Capital, elas receberam um retalho de tecido onde era possível colocar uma mensagem sobre a tragédia da Boate Kiss. A colcha ficou exposta na Tenda Vigília na praça Saldanha Marinho. Os moradores deixaram mensagens como: "Que a justiça seja feita por todos os jovens"; "Ressignificar é preciso, esquecer nunca"; "Força para todas as famílias, estamos com vocês" e "Justiça por 242 vítimas".
Na madrugada desta sexta-feira, às 2h30min, os familiares, amigos e integrantes da Associação do Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM), do Eixo Kiss Coletivo de Psicanálise e o Coletivo Kiss: que não se repita realizaram o "minuto de barulho" na frente ao prédio onde ocorreu a tragédia. O presidente da AVTSM, Gabriel Rovadoschi (sobrevivente do incêndio da Boate Kiss) afirma que as frases transformadas em perguntas estão circulando socialmente há 10 anos de maneira hostil, como um julgamento moral, dirigidas às pessoas que integram os movimentos de luta da Kiss por memória e justiça. Segundo Rovadoschi, a associação lançou a campanha "Resgatar a memória é construir o futuro" que tem a proposta de reflexão sobre o que aconteceu e em prol da valorização da vida.
Vanessa Solis Pereira, do Eixo Kiss: Coletivo de Psicanálise, destaca que a aposta na pergunta "Onde você estava em 27 de janeiro de 2013?" tem o objetivo de levar a pessoa que inicialmente não se sente "parte" da tragédia a ressignificar o seu lugar no âmbito coletivo. "Acreditamos que é preciso lembrar do que aconteceu em 27 de janeiro de 2013 para que tragédias evitáveis, como a da Boate Kiss, não voltem a acontecer", comenta.
No painel "Caso Kiss: até quando a justiça vai servir a impunidade", a advogada Tâmara Biolo Soares abordou a situação do processo na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, em que se alega a violação do direito à vida, integridade e justiça por parte do estado brasileiro contra as vítimas, sobreviventes e familiares. Tâmara destaca que a denúncia encaminhada ao órgão da Organização dos Estados Americanos (OEA) relata que a conduta dos agentes públicos contribuiu para a tragédia. "Não houve processo judicial contra nenhum agente do estado envolvido na tragédia do dia 27 de janeiro de 2013", acrescenta.