Grupos antivacina impactam evolução do Programa Nacional de Imunizações

Sociedade Brasileira de Imunizações lança curso online e gratuito para profissionais de saúde pública e privada

Por Fabrine Bartz

Antes das vacinas, tínhamos 3 mil casos de menigite C, diz Cunha
Há 49 anos, a população brasileira possui acesso gratuito à vacinação de crianças, jovens e adultos, por meio do Programa Nacional de Imunizações (PNI). No entanto, desde 2015 o Brasil enfrenta uma queda na cobertura vacinal que atinge patamares da década de 1980. Ao contrário do que se imaginava, que a pandemia de Covid-19 geraria interesse em completar a imunização de outras doenças, os índices de vacinação mostram outra realidade.
Em entrevista para o Jornal do Comércio, o presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (Sbim), Juarez Cunha, destaca o avanço do PNI ao longo dos anos. Com início em setembro de 1973, a partir da distribuição de vacinas BCG, Pólio Oral e Tríplice Bacteriana, que imuniza para Coqueluche, Tétano e Sarampo, atualmente o plano disponibiliza 19 vacinas e 45 imunobiológicos.
Jornal do Comércio - O êxito de campanhas de vacinação na década de 1960 mostrou que a imunização em massa tem o poder de erradicar doenças, como ocorreu com a poliomielite. Porém, a Fiocruz alerta para a possibilidade de retomada de casos no País. Qual é o plano para manter a funcionalidade do PNI?
Juarez Cunha - A varíola é erradicada, mas temos várias doenças eliminadas no Brasil. A primeira delas, é a poliomielite. O último caso ocorreu em 1989. Isso nos preocupa bastante porque a própria Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) e a Organização Mundial de Saúde (OMS) colocam o Brasil como um País de alto risco de reintrodução de pólio e são vários os motivos que levam a isso, não apenas a baixa cobertura vacinal, embora seja o principal. Nos assusta esses casos que aconteceram nos Estados Unidos e em Israel, que são um alerta para todo o mundo, pois são países mais desenvolvidos e com coberturas maiores. Por outro lado, os casos que aconteceram lá foram em pessoas não vacinadas; nos Estados Unidos em adultos jovens e em Israel em crianças. Então, isso levanta o alerta de que é importante vacinar. Os esforços e estratégias são para evitar os vários determinantes que levam as baixas coberturas, que consequentemente geram o retorno ou o aumento dessas doenças.
JC - Então, temos várias doenças eliminadas…
Cunha - Temos as doenças eliminadas, que incluem o tétano neonatal, a rubéola congênita e o sarampo, que foi eliminado em 2016 -, mas voltou em 2018 por baixa imunização. As outras doenças nós chamamos de controladas. Quais são elas? Antes da introdução de vacinas, tínhamos 3 mil casos de meningite meningocócica C. Atualmente, são mil casos. Então, diminuiu consideravelmente o número de casos, mas isso aconteceu porque temos altas coberturas vacinais. O risco que vimos com a reintrodução do sarampo, nós corremos com todas as outras doenças eliminadas e controladas.
JC - Em um futuro próximo, há metas para ampliar o PNI com a inserção de novas vacinas, ou o objetivo é a manutenção dos imunizantes já existentes no programa?
Cunha - É fundamental recuperarmos as coberturas vacinais, isso é muito mais importante do que incluirmos uma nova vacina. Mas, recentemente, no início de setembro, o Ministério da Saúde anunciou uma alteração. Agora, a vacina HPV, que era para meninas de 9 a 14 anos e meninos de 11 a 14 anos, ficou igual, com a mesma faixa etária das meninas para ambos os sexos. Outro avanço é a vacina Meningocócica ACWY, que antes era para adolescentes de 11 a 12 anos e agora foi ampliada para 11 a 14 anos. Essa é uma medida que não é definitiva, mas foi ampliada porque tinham muitas vacinas em estoque. Nosso calendário é considerado o mais completo gratuito do mundo, mas ao mesmo tempo isso torna ele complexo, sendo uma das dificuldades nas coberturas vacinais.
JC - O PNI tem como meta vacinar, pelo menos, 95% da população contra poliomielite. Em Porto Alegre, por exemplo, alcançou apenas 27% da meta. Por que as pessoas não estão se vacinando atualmente?
Cunha - Em 2019, a Organização Mundial da Saúde colocou a hesitação vacinal como uma das dez ameaças de saúde pública mundial. A hesitação significa ter uma vacina recomendada, ela estar disponível e, mesmo assim, não ser aplicada na idade correta ou aplicada com atraso. Naquela época, tinham "3Cs" determinantes. O primeiro deles é a Complacência, que é a falsa sensação de segurança das pessoas ao acreditar que doenças que elas nunca viram ou para as quais nunca foram vacinadas não existem. O segundo é a Conveniência, que fala da estrutura física, horário de atendimento das nossas unidades e a capacitação do recurso humano. Já o terceiro C é a Confiança. A confiança não é só eficácia e segurança da vacina, mas a confiança que os atores envolvidos transmitem. Isso corresponde aos recados que são dados pelos governantes, pelas instituições e por nós, profissionais de saúde. Infelizmente, com a pandemia esses aspectos foram exacerbados pela desinformação e fake News. Os próprios grupos antivacina, que eram incipientes no Brasil, foram empoderados, inclusive pelos nossos governantes e pelo próprio Ministério da Saúde. O PNI não tem mais aquele papel de protagonismo que tinha antes. Depois, entram mais dois "Cs". Um deles é a Comunicação. Nós precisamos das peças publicitárias para falar das vacinas de rotina, porque o brasileiro acredita em vacinas, mas os recados que ele está recebendo são de desinformação e fake News. As campanhas de pólio eram uma festa, em um dia era possível alcançar a cobertura vacinal em todo o País. Os influenciadores, artistas, cantores e toda sociedade se envolviam com a vacinação. O quinto C, equivalente ao Contexto, envolve a vulnerabilidade. A população menos favorecida é mais vulnerável e está mais suscetível a doenças.
JC- Qual política pública deveria ser implementada para reduzir ou amenizar a situação?
Cunha - A primeira coisa é fortalecer o PNI, porque é um programa muito forte, mas ficou enfraquecido. Dentro da estrutura do Ministério da Saúde, ele era um segundo escalão. Atualmente, nem sei em qual nível está. O SUS, que tanto nos orgulha, felizmente teve uma sobrevida com a pandemia, mas a tendência que estávamos observando era de desvalorização tanto do SUS, quanto do próprio PNI. Nós ficamos seis meses sem coordenador em plena campanha de Covid. Estamos trabalhando com estratégias para a reconquista da cobertura vacinal, com projetos conjuntos com o Ministério da Saúde, Fiocruz, Unicef e todas as sociedades científicas. Dentro disso, em outubro começaremos um curso on-line e gratuito de capacitação para todas as pessoas da área da saúde, independentemente se for saúde pública ou privada.
JC - Levando em consideração o aumento de grupos antivacina nas mídias sociais, como funciona a atuação da SBIm no online?
Cunha - Na mídia tradicional, é impressionante o espaço que tivemos. Nós conseguimos participar de tudo para que fomos convidados. Nas mídias sociais, temos um trabalho forte de divulgação, tanto no Facebook, quanto no Instagram. A partir do momento que o Facebook começou a tomar mais cuidado com a desinformação, tivemos uma parceria muito forte com a plataforma e disseminamos esse material. Eu mesmo fiz um vídeo com o Alok sobre a vacinação da Covid-19, mas vemos que nas redes sociais acabamos sempre impactando o mesmo público, o gueto, que pensa do mesmo jeito que a gente. Mas temos publicações praticamente diárias e várias campanhas. Na última, #VacinaParaNãoVoltar, explicitamos muito bem os riscos da poliomielite.